ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ICMBIO. FISCALIZAÇÃO. MULTA ADMINISTRATIVA POR INFRAÇÃO AMBIENTAL. INCÊNDIO FLORESTAL. NÃO COMPROVAÇÃO DA AUTORIA. NULIDADE DOS AUTOS DE INFRAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. CABIMENTO.
I – A responsabilidade objetiva em matéria ambiental não afasta a comprovação da autoria por parte da Administração, sob pena de insubsistência do auto de infração e de nulidade da respectiva multa, sendo que, na espécie, não restou evidenciada a autoria das infrações imputadas ao promovente, conforme se extrai dos fundamentos da sentença recorrida e, principalmente dos julgamentos proferidos nos processos administrativos correspondentes. Precedentes deste Tribunal.
II – São devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública em caso de sucumbência, os quais, no caso dos autos, devem ser arbitrados nos termos do inciso II do § 3º do art. 85 do novo CPC. III – Remessa oficial e Apelação do ICMBIO desprovidas.
(TRF-1 – AC: 00033275020134013809 0003327-50.2013.4.01.3809, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 27/07/2016, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 02/08/2016 e-DJF1)
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial e de apelações interpostas contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Varginha/MG, que, nos autos da ação ordinária proposta por JOÃO LUIZ MEZZOTERO DISCINI contra o INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO, julgou procedente o pedido inicial para anular os autos de infração nº 026375-A, 026376-A e 026379-A, lavrados contra o autor em razão de incêndios ocorridos em sua propriedade, assim como as respectivas multas aplicadas.
Em suas razões recursais (fls. 620/623), sustenta o ICMBIO, em resumo, a responsabilidade objetiva do autor pelos danos ambientais produzidos, além da presunção de legalidade e veracidade dos autos de infração impugnados. Alega que não lhe compete provar o nexo de causalidade ou a culpa do autor. Requer, assim, o provimento do recurso com a improcedência do pedido inicial.
O autor, por sua vez, nas razões recursais de fls. 625/628, pretende a condenação do requerido ao pagamento de honorários de sucumbência.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este egrégio Tribunal.
Este é o relatório.
VOTO
Na espécie dos autos, a controvérsia em apreço gira em torno da validade de multas administrativas impostas pelo ICMBIO ao autor (Autos de Infração nº 026375-A, 026376-A e 026374-A – fls. 40, 64 e 227), em virtude de uso de fogo em área agropastoril sem a autorização do órgão competente, bem como de dificultar a regeneração natural da floresta em estágio inicial e de campo de altitude, sendo que os decorrentes incêndios florestais atingiram áreas no entorno e interior do Parque Nacional do Itatiaia (PARNA Itatiaia) e interior da Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira (APA Mantiqueira).
As razões recursais apresentadas pelo recorrente não abalaram os fundamentos da sentença monocrática, que, com acerto, analisou a espécie dos autos nestas letras:
“(…).
2.1 – Trata-se de ação pela qual o autor pleiteia a anulação dos atos pelos quais o ICMBIO lhe aplicou multas administrativas.
O autor afirma que as referidas multas foram aplicadas em decorrência de danos ambientais provocados por incêndios ocorridos em sua propriedade. Sustenta que não há nexo de causalidade entre sua conduta e os referidos incêndios e danos ambientais.
2.2 – A prova pericial requerida pelo autor (f. 611), destinada a afastar o nexo causal entre a sua conduta e os incêndios ocorridos, revela-se impertinente. Os incêndios aconteceram no ano de 2012, e não se vislumbra como a perícia poderia afastar o nexo de causalidade referido.
Além disso, os elementos de prova constatem dos autos são suficientes para o esclarecimento dos fatos controversos. Indefiro o pedido de produção da perícia técnica, formulado pelo autor.
2.3 -. O Auto de Infração n. 26.375-A (f. 364) traz como descrição da infração “fazer uso de fogo em área agropastoril sem autorização do órgão competente dentro da APA Mantiqueira —(1,3 hectare)”. Pela extensão e coordenadas geográficas constantes no auto de infração (S 22°, 14’ e 58”/ W 44º, 33’ e 20”), a área impactada foi denominada como “Evento 02” no relatório de informação técnica juntado de f. 365-v /367-v.
Constou do referido relatório que o fogo teve causa humana, com origem no interior da propriedade. A afirmação de que o fogo teve origem humana e foi utilizado possivelmente para limpeza de vegetação pioneira parte de mera suposição dos agentes do ICMBIO, sem lastro em elemento concreto. Não basta, portanto, para sustentar a imputação do fato ao autor, e a imposição da penalidade.
2.4 — No Auto de Infração n. 26.376-A (f. 132) é descrita a infração consistente em “dificultar regeneração natural de floresta em estágio inicial e de campo de altitude no interior do PARNA Itatiaia (Dec. 87.586/82) por provocação de incêndio florestal (área de 3,2 hectares).
” Verifica-se, pela extensão do terreno e pelas coordenadas geográficas constantes do auto de infração (S 22°, 15’ e 15”/ W 440, 33’ e 14”), que a área impactada foi denominada como “Evento 01” no relatório de informação técnica de f. 135/137.
Conforme consignado no referido relatório de informação técnica, no caso do “Evento 01”, o fogo também teve origem no interior da propriedade, mas não houve a indicação concreta de sua causa (humana ou outra), nem a imputação de responsabilidade ao autor. Não obstante, a Administração impôs pena de multa ao autor, pelos danos decorrentes do mesmo incêndio.
A imposição da penalidade pressupõe a prática de conduta ilícita. Sem imputação de ilícito ao administrado, resta insubsistente a pena imposta pelo ICMBIO.
2.5 — Pelo Auto de Infração n. 26.379-A (f. 475) o ICMBIO autuou o autor autuou por “Dificultar a regeneração natural de floresta em estágio inicial de regeneração e campos de altitude no interior do PARNA Itatiaia e dentro do APA Mantiqueira por provocação de incêndio florestal Área de 14,8 hectares”.
No relatório de informação técnica respectivo (E 476/477-v) a Administração consignou a informação de que identificou a área provável de origem do fogo, situada no interior da propriedade, e que o fogo foi utilizado possivelmente para queima de material resultante de roçada.
As conclusões que fundamentaram a imputação dos danos ao autor e a imposição da pena foram obtidas a partir de juízo puramente subjetivo, com base em meras hipóteses. Não tem fundamento em elementos concretos, efetivamente constatados pelo ICMBIO, pelo que insubsistentes a autuação e a multa aplicada.
2.6 — Constata-se, pela análise dos autos de infração impugnados e dos relatórios de informações técnicas respectivos, que não restou efetivamente apurada a suposta culpa do autor pelos danos ambientais causados e que deram origem às autuações e aplicação de penalidades.
2.7 – O STJ já decidiu que a “aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano” (STJ. REsp 125 1697/PR. 2011/0096983-6. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. 2 turma. DJe 17/04/2012).
3 – Dispositivo
Ante o exposto julgo PROCEDENTE o pedido formulado na inicial. Determino a anulação dos autos dc infração n. 026375-A, 026376-A e 026379-A lavrados pelo ICMBIO contra o autor, e das multas aplicadas através das mesmas autuações..
Sem custas remanescentes.
Condeno o requerido a restituir as custas adiantadas pelo autor e ao pagar os honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em R$ 1.500,00.
(…).”
Com efeito, a responsabilidade objetiva em matéria ambiental não afasta a comprovação da autoria por parte da Administração, sob pena de insubsistência do auto de infração e de nulidade da respectiva multa, sendo que, na espécie, não restou evidenciada a autoria das infrações imputadas ao promovente, conforme se extrai dos fundamentos da sentença recorrida e, principalmente dos julgamentos proferidos nos processos administrativos correspondentes (fls. 104/111, 197/205 e 307/314).
Nesse mesmo sentido, verificam-se os seguintes precedentes deste egrégio Tribunal:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. INAPLICABILIDADE DOS EFEITOS DA REVELIA. USO DE FOGO EM ÁREA SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. AUTUAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO AUTOR. ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO. REDUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
O pedido autoral foi julgado procedente para anular o auto de infração lavrado contra o autor, ao fundamento da ocorrência de revelia do réu – CPC, art. 319 c/c art. 330, II – e pelo fato de que o uso de fogo em área sem autorização prévia do IBAMA constitui contravenção penal – Lei 4.771/65, art. 26, “e” -, cuja aplicação de multa é privativa da autoridade judiciária, não podendo, portanto, ser feita pelo IBAMA.
De acordo com a jurisprudência deste Tribunal e a do Superior Tribunal de Justiça, não se operam os efeitos da revelia contra a Fazenda Pública, eis que indisponíveis os interesses em foco (STJ, AgRg no REsp 1.137.177/SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJ de 02/03/2010 e AR 2000.01.00.032384-9/MT, Segunda Seção, Rel. Desembargador Federal Carlos Olavo, DJ de 25/05/2005).
O IBAMA não infirmou a alegação do autor de que não deu causa ao incêndio, deixando de demonstrar nos autos ou mesmo no âmbito do processo administrativo então instaurado que foi o autor quem ateou fogo na área, ainda que de forma culposa.
Nessa situação, não comprovada a autoria no cometimento da infração ambiental, afasta-se a responsabilidade do autor, razão pela qual se revela insubsistente o auto de infração e, em consequência, nula a multa imposta ao ora apelado. Precedentes: AC 2001.36.00.000780-3/MT, Quinta Turma, Rel. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, filho, 24/09/2010 e-DJF1 P. 42 e AGRAC 200336000156190, Quinta Turma, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, e-DJF1 18/05/2012 P. 901).
Os honorários advocatícios foram arbitrados em montante excessivo, correspondente ao valor de R$ 11.400,00 (onze mil e quatrocentos reais), razão por que se reduz o valor da verba honorária para R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), tendo em vista a natureza da causa e o trabalho desenvolvido pelo advogado (CPC, art. 20, § 4º).
Agravo regimental a que se dá parcial provimento apenas para reduzir o valor da verba honorária. (AGAMS 0004555-82.2002.4.01.3700 / MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.358 de 29/09/2015) (grifo nosso)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. IBAMA. FISCALIZAÇÃO. ACAMPAMENTO EM ÁREA DE RESERVA AMBIENTAL. POLUIÇÃO. AUTORIA INCERTA. NEXO CAUSAL NÃO EVIDENCIADO. APELAÇÃO DESPROVIDA.
Na origem, buscou-se anular auto de infração lavrado por “causar poluição na praia da Barra, Rio Araguaia, interior da Área de Proteção Ambiental Meandros do Rio Araguaia”, conduta tipificada nos arts. 70, § 1º, 40-A, § 2º, e 54, 2º, V, todos da Lei n. 9.605/98 e art. 41, § 1º, V, do Decreto n. 3.179/99, resultando em multa de R$2.500,00. A sentença, de procedência, considerou que “a formalização da multa administrativa em face do autor pressuporia um aprofundamento das circunstâncias fáticas, algo não realizado pela autarquia ambiental”.
Em que pese a responsabilização por danos ambientais ser objetiva, não se dispensa do órgão fiscalizador a evidenciação da autoria e, sobretudo, do nexo causal entre a conduta imputada ao agente poluidor e o evento danoso.
Tendo havido fiscalização da área onde o particular autuado acampara depois de quase quatro meses que a deixara, não é possível apenas a partir de registro de entrada e saída da reserva atribuir-lhe responsabilidade pela poluição verificada. 4. Apelação desprovida. (AC 0013876-52.2008.4.01.3500 / GO, Rel. JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES, filho, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 20/04/2016) (grifo nosso)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CDA REFERENTE À MULTA POR INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. NÃO COMPROVAÇÃO DE AUTORIA DO INCÊNDIO. ANULAÇÃO DA EXECUÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO PROCEDENTES. SENTENÇA MANTIDA.
“Sem a comprovação da autoria do incêndio, ainda que culposa, não é cabível a aplicação da multa, pois desborda-se da legalidade para o arbítrio.” (AGRAC 200336000156190, Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, e-DJF1 data:18/05/2012 pág: 901.). Insubsistente o auto de infração e a multa por ele imposta.
A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio ambiente, mesmo sendo objetiva, exige o nexo de causalidade entre a atividade do agente e o dano causado. Assim, não havendo comprovação da autoria, ainda que culposa, não é cabível a aplicação da multa e, portanto, é nula a execução fiscal proposta com base em CDA lavrada a partir do auto de infração que impôs a referida multa administrativa por infração ambiental.
“A presunção de liquidez e certeza que emerge da inscrição do débito em Dívida Ativa cede diante da invalidade do auto de infração de que decorreu a dívida exequenda, implicando a nulidade da execução, nos termos do art. 618, I, do C.P.C., c/c o art. 1º da Lei nº 6.830/80.” (AC 0027931-32.1998.4.01.9199/MG, Rel. Juiz Olindo Menezes, Rel.Conv. Juiz Antônio Ezequiel da Silva (conv.), Terceira Turma, DJ p.265 de 03/03/2000)
Nega-se provimento ao recurso de apelação e à remessa oficial. (AC 0100601-97.2000.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL RODRIGO NAVARRO DE OLIVEIRA, 4ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.1506 de 21/06/2013) (grifo nosso)
Quanto à condenação em honorários advocatícios, merece prosperar a pretensão recursal do autor, uma vez que é devida a verba honorária pela parte requerida ante a vitória da parte requerente.
Assim, nos termos do inciso II do § 3º do art. 85 do novo CPC, tenho por razoável a quantia de 8% (oito por cento) sobre o valor do proveito econômico, que, no caso, corresponde ao valor da causa.
Com estas considerações, nego provimento à remessa oficial e à apelação do ICMBIO. Dou provimento à apelação do autor tão somente para condenar o requerido ao pagamento de honorários advocatícios, no valor de 8% (oito por cento) sobre o valor da causa (NCPC, art. 85, § 3º, II).
É o meu voto.