ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. IBAMA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. POSSE DE PÁSSAROS SILVESTRES SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE. PENALIDADES DE MULTA SIMPLES. CONVERSÃO DA PENA DE MULTA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO § 4º, DO ART. 72, DA LEI N. 9.605/1998. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
I – Constatada a infração à legislação ambiental, correspondente a manter em cativeiro pássaros da fauna silvestre brasileira, sem o devido registro, faz-se necessário verificar se a atuação administrativa, nesse contexto, está afinada com os princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade.
II – Na espécie dos autos, o Auto de Infração nº 535801-D fixou a multa no importe de R$ 6.000,00 (seis mil reais), considerando que foram apreendidos 12 (doze) pássaros e que para cada ave mantida irregularmente em cativeiro corresponde a multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), nos termos do disposto no art. 74 da Lei nº 9.605/98.
III – Sem embargo da higidez e legalidade do ato administrativo, o § 4º do art. 72 da Lei nº 9.605/1998 estabelece que “a multa simples pode ser convertida em serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”. Neste particular, não se nega que a fiscalização ambiental, com a aplicação de penalidades em virtude da prática de infrações ambientais, insere-se no espaço de discricionariedade do exercício do poder de polícia conferido a Administração Pública, mais especificamente ao IBAMA.
IV – Considerando que as espécies silvestres encontradas estavam bem cuidadas, que a infração não foi praticada para a obtenção de proveito econômico, bem como que o infrator se trata de pessoa de comprovada hipossuficiência econômica, afigura-se cabível a conversão da multa simples pela prestação de serviços.
V – Estão satisfeitas as premissas que recomendam a substituição da multa por prestação de serviços em prol do meio ambiente, mormente quanto à submissão do infrator a cursos e projetos de educação ambiental poderá surtir o efeito preventivo e pedagógico desejado pela responsabilidade administrativa ambiental.
VI – Apelação parcialmente provida, para converter a multa em medida de prestação de serviços a ser definida pelo IBAMA. Sentença reformada em parte.
(TRF-1 – AC: 00377971820054013800, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 10/07/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 19/07/2019)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo Juízo da 19ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, que, nos autos da ação ajuizada, sob o procedimento ordinário, por GILMAR DIAS contra o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, julgou procedente o pedido inicial, para declarar nula a imposição da multa administrativa aplicada em desfavor do autor, referente ao Auto de Infração nº 535801, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Não houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios (fls. 73/79).
Em suas razões recursais (fls. 81/96), o IBAMA sustenta, em resumo, a legitimidade da pena de multa imposta ao autor. Entende pela impossibilidade de anulação da multa, sob pena de violação aos princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade.
Aduz que a desconstituição do auto de infração é ônus pertencente ao autor, o que não restou comprovado. Argumenta que “a guarda em cativeiro de 12 (doze) animais da fauna silvestre brasileira representa grave lesão ao meio ambiente.”
Assevera que não há que se falar em guarda doméstica, mas que é o caso de cativeiro. E os institutos não se confundem. Alega que a conversão da multa é matéria afeta à discricionariedade da Administração.
Diz que “o principio do poluidor-pagador corrobora a excepcionalidade da conversão da multa em prestação de serviços.” Requer, assim, o provimento do seu recurso de apelação, para que seja julgado improcedente o pleito autoral.
Com as contrarrazões de fls. 131/140, subiram os autos a este egrégio Tribunal, manifestando-se a douta Procuradoria Regional da República, pelo desprovimento do recurso de apelação (fls. 151/158).
Este é o relatório.
VOTO
Como visto, cinge-se a controvérsia recursal sobre a possibilidade de anulação da multa administrativa, aplicada pelo IBAMA, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), referente à infração por manter em cativeiro 12 (doze) pássaros da fauna silvestre brasileira, sem a devida autorização do órgão ambiental competente.
Na hipótese dos autos, a sentença entendeu que a multa aplicada seria nula, em razão da ausência de fundamentação da decisão administrativa no que diz respeito à não aplicação das normas contidas nos arts. 2º, § 4º, e 11, § 3º, ambos do Decreto nº 3.179/99, bem assim por ofender os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sob o fundamento de que a extensão do dano não reflete grave risco de extinção, que não há indícios nos autos de que o autor pratique atos comerciais em relação às aves apreendidas, que os pássaros eram silvestres.
Não obstante os fundamentos em que se amparou a sentença recorrida, a pretensão recursal deduzida pelo IBAMA merece ser parcialmente acolhida, pelos fundamentos a seguir expostos.
Com efeito, é preciso pontuar que a Lei n° 9605/98 disciplina crimes e infrações administrativas ambientais.
Contudo, diferentemente da dosimetria da pena em sede de crimes ambientais, os valores das multas por infração ambiental devem ser arbitrados não segundo disposição do art. 6º da referida lei, mas segundo os parâmetros do art. 74.
Isso porque o art. 74 da Lei n°9.605/98 é categórico ao preceituar que “a multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com objeto jurídico lesado”.
Para disciplinar este dispositivo, com vistas a delimitar a discricionariedade administrativa, o Decreto n°6.514/08, estabeleceu valores estanques para a infração do art. 24, em R$ 500,00 por unidade (mesma regulamentação existente no art. 11 do Decreto n°3.179/99), não sendo dado ao Poder Judiciário, em matéria de sanção administrativa ambiental, interpretar isoladamente o disposto no art. 6° e desconsiderando as normas especiais que disciplinam infrações administrativas (artigos 70 a 76 da Lei n°9.605/98).
Na hipótese dos autos, considerando que foram encontrados 10 (dez) pássaros da fauna silvestre brasileira, ilegalmente mantidos em cativeiro (Auto de Infração nº 535801-D, acostado às fls. 06 e 110), está correta e é legítima a imposição de multa de R$ 6.000,00 (12 vezes R$ 500,00). Este valor se mostra razoável e proporcional à lesão provocada pela infração administrativa.
Assim, afastadas as teses de ilegalidade, anulabilidade e ilegitimidade dos atos administrativos, a sentença deve ser reformada quanto ao comando de cancelamento da multa.
Sem embargo da higidez e legalidade do ato administrativo, o §4º do art. 72 da Lei nº 9.605/1998 estabelece que “a multa simples pode ser convertida em serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”, deve ser confirmado o comando que faculta a substituição da multa por prestação de serviços ambientais.
Não se nega que a fiscalização ambiental, com a aplicação de penalidades em virtude da prática de infrações ambientais, insere-se no espaço de discricionariedade do exercício do poder de polícia conferido à Administração Pública, mais especificamente ao IBAMA.
Todavia, como é cediço, o poder discricionário atribuído à Administração Pública não é absoluto, cabendo ao Poder Judiciário o controle sobre legalidade, razoabilidade e adequação da sanção aplicada.
No caso concreto, não há elementos nos autos que indiquem maus tratos ou o comércio ilegal dos animais apreendidos, tratando-se de guarda doméstica de espécimes silvestres.
Também não há informações acerca da reincidência em mesma infração ambiental. Estas circunstâncias evidenciam a diminuta reprovabilidade da conduta.
É preciso registrar que a prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente possui um caráter eminentemente pedagógico, propiciando restauração do meio ambiente, bem como o contato direto do infrator com a questão de crise socioambiental que afeta a sociedade moderna.
Assim, a prestação de serviços possui significativo potencial educativo, no sentido de prevenir infrações futuras pelo processo de conscientização do cidadão.
Em síntese, melhor a prestação de serviços, com melhoria da qualidade do meio ambiente e com função pedagógica, no sentido de propiciar a formação de uma consciência sócio ambiental, do que a insistência na execução de multa ambiental, de incerta satisfação do crédito exequendo, mormente em se considerando a hipossuficiência do infrator.
Estão satisfeitas as premissas que recomendam a substituição da multa por prestação de serviços em prol do meio ambiente, mormente quando a submissão do infrator a cursos e projetos de educação ambiental poderá surtir o efeito preventivo e pedagógico desejado pela responsabilidade administrativa ambiental. Neste sentido é a jurisprudência deste TRF1:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. IBAMA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. ESPÉCIME DA FAUNA SILVESTRE. CRIAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE. GUARDA DOMÉSTICA DE ESPÉCIME SILVESTRE. CONVERSÃO DA MULTA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. POSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
I – Constatada a infração à legislação ambiental, correspondente a manter em cativeiro pássaros da fauna silvestre brasileira, sem o devido registro, faz-se necessário verificar se a atuação administrativa, nesse contexto, está afinada com os princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade.
II – Não há que se falar em cancelamento ou anulação da multa, imposta segundo os parâmetros legais pertinentes (artigos 6°; 70, caput; 72, inciso II e 74 da Lei n°9605/98). A autuação de fls. 35 descreve, com clareza, a conduta praticada pelo autor, indicando a data e circunstâncias da prática, bem como declinando os dispositivos legais e regulamentares nos quais incorreu o infrator. Assim, há que se reconhecer a validade, higidez e legalidade do ato administrativo praticado.
III – A legislação em vigor não condiciona a aplicação das demais sanções administrativas ambientais à prévia advertência pelo órgão fiscalizador, consoante se extrai da interpretação do art. 72, nos §§1° e 2° da Lei n°9.605/98, que deixa clara a cumulatividade entre sanções, ao pontuar que a advertência pode ser aplicada “sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo”.
IV – O art. 74 da Lei n°9.605/98 é categórico ao preceituar que “a multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com objeto jurídico lesado”. Para disciplinar este dispositivo, o Decreto n°3.179/99, revogado e substituído pelo Decerto 6.514/08, estabeleceu valores estanques para a infração em comento, estipulado em R$500,00 por unidade. Considerando que foram encontrados 34 pássaros da fauna silvestre, ilegalmente mantidos em cativeiro, está correta a imposição de multa de R$17.000,00. Este valor se mostra razoável e proporcional à lesão provocada pela infração.
V – O § 4º do art. 72 da Lei nº 9.605/1998 estabelece que “a multa simples pode ser convertida em serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”.
VI – Considerando que as espécies silvestres encontradas estavam bem cuidadas, que a infração não foi praticada para a obtenção de proveito econômico, bem como que o infrator se trata de pessoa idosa aposentada, de comprovada hipossuficiência econômica, afigura-se cabível a conversão da multa simples pela prestação de serviços. IV – Sucumbência recíproca.
V – Apelação provida em parte. Sentença parcialmente reformada para reconhecer a legalidade da infração e multa aplicada.
(AC 0014745-70.2017.4.01.3800, JUÍZA FEDERAL MARA ELISA ANDRADE (CONV.), TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 18/12/2018 PAG.)
AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. PÁSSAROS DA FAUNA SILVESTRE MANTIDO EM CATIVEIRO. LEI 9.605/98 E DECRETO 3.179/99. CONVERSÃO. MULTA SIMPLES EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. POSSIBILIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. SENTENÇA MANTIDA.
- Apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para determinar que se converta a multa simples imposta aos autores no Auto de Infração n. 282467-D em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, nos termos do art. 72 da Lei 9.605/98, mediante a assunção de obrigações, por intermédio de termo de compromisso, tal como autorizado no art. 25, IV, da Instrução IBAMA 08/03.
- O Juízo a quo assim decidiu ao fundamento de que não há razão em negar aos autores a possibilidade de verem convertida a multa imposta no auto de infração, tanto mais por sua condição de hipossuficiência, o que lhes impede de arcar com o respectivo pagamento sem prejuízo de sua própria sobrevivência, ao argumento, puro e simples de que tal pedido encontra-se afeto à discricionariedade administrativa.
- Rejeito a preliminar de julgamento extra petita, pois, conforme se extrai da petição inicial, o objeto da demanda circunscreve-se à anulação da multa aplicada pelo IBAMA, em razão da lavratura do Auto de Infração n. 282467-D, e, como tal, fora decidido pela sentença recorrida, que, no caso, converteu a multa em prestação de serviços, nos termos do art. 72, § 4º, da Lei 9.605/98.
- Os autores pretendem anular a multa aplicada pelo IBAMA, em razão da lavratura do Auto de Infração, cujo valor foi de R$ 3.000,00 (três mil reais), por manter em cativeiro 06 (seis) pássaros da fauna silvestre brasileira sem autorização do órgão competente.
- A Lei n. 9.605/98, em seu art. 72, § 4º, estabelece que a “multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”.
- Considerando que, na hipótese dos autos, não se verifica a presença de elementos que indiquem ter sido a infração cometida para obtenção de vantagem pecuniária, ser a parte autora reincidente, ou a existência de qualquer outra agravante da conduta praticada, não merece reparos a sentença recorrida, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para determinar a conversão da multa simples em prestação de serviços, nos termos do art. 72, § 4º, da Lei 9.605/98. Precedentes deste Tribunal.
- Apelação do IBAMA a que se nega provimento. A Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação. (ACORDAO 00197508820084013800, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:01/07/2016 )
Com estas considerações, dou parcial provimento à apelação para, reformar a sentença recorrida, tão somente para reestabelecer a pena de multa imposta e convertê-la em pena de prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, a ser definido pelo IBAMA.
Este é meu voto.