ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. VEGETAÇÃO DE RESTINGA. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. LICENÇA AMBIENTAL CONCEDIDA PELO FATMA. AUTO DE INFRAÇÃO E TERMO DE EMBARGO LAVRADOS PELO IBAMA. NULIDADE.
1. A restinga, por si só, não caracteriza área de preservação permanente, exigindo o art. 2º, “f”, da Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal) que tal vegetação tenha a função de fixar dunas ou estabilizar mangues.
2. O ato administrativo do FATMA que concede licença ambiental goza da presunção de legitimidade.
3. Hipótese em que nada indica que a área supostamente degradada era, à época do início do empreendimento, de preservação permanente, havendo uma série de elementos que ampliam a situação de dúvida.
4. Impossível concluir que o empreendimento tenha ocasionado alterações significativas no meio envolvente, porquanto anteriormente à obra já havia nas imediações do imóvel a ação antrópica do local.
5. Do ponto de vista sócio-ambiental, não é razoável manter o embargo da obra na área que um dia foi de preservação permanente, mas permitir o seu prosseguimento e, após a conclusão, buscar utilização racional, mormente se os elementos contidos nos autos revelam que a infra-estrutura do empreendimento garante condições sanitárias adequadas.
6. Se a continuidade do empreendimento foi autorizada pelo Poder Judiciário, o empreendedor agiu de boa-fé. Considerando-se que (a) parte da área do empreendimento foi preservada; (b) não há certeza quanto a ter ou não ocorrido supressão de vegetação de preservação permanente; (c) ser inviável, no momento, buscar tal certeza; (d) o empreendedor deu seguimento ao empreendimento amparado em decisão judicial; (e) ser impossível a restauração ecológica na atual fase do empreendimento; e, ainda, que (f) o entorno do empreendimento está igualmente urbanizado, é de ser aplicado ao caso concreto o princípio do fato consumado, segundo o qual situações fáticas já consolidadas com ausência de má-fé devem ser preservada em nome da segurança jurídica.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra a sentença (evento 1 – SENT76) proferida em ação anulatória de atos administrativos que julgou improcedente o pedido, extinguindo o processo com base no disposto no art. 269, I, do CPC.
Aduz a apelante (evento 1 – APELAÇÃO78) que as razões de ajuizamento da demanda foram singelamente rejeitadas pelo decisum, apontando nulidade do julgamento em vista da falta de fundamentação, bem como no que concerne a adoção de regras constantes de atos infra-legais, sem respaldo na lei. Requer, ao final a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido posto na inicial da ação – nulidade do Auto de Infração nº 448102 e Termo de Embargo/Interdição nº 424174, ambos do IBAMA.
Com contra-razões (CONTRAZ82), subiram os autos eletrônicos a este Tribunal, sendo aviado Parecer pelo agente ministerial que aqui atua – Evento 03, opinando pela manutenção da sentença.
É o relatório.
VOTO
A proteção ao meio ambiente insere-se nos casos de competência comum da União, Estados e Municípios (CF, 23, VI). Visando a ordenar tal exercício de competência, evitando-se desnecessárias sobreposições, a Lei nº 6.938/81 estatuiu competir o licenciamento prévio de atividades potencialmente poluidoras, primacialmente, ao órgão ambiental estadual e, supletivamente, ao IBAMA (art. 10).
Em outras palavras, a atividade supletiva diz respeito ao licenciamento apenas, e não à fiscalização, a qual pode ser exercida, em qualquer hipótese, pelos três entes estatais. Ademais, no caso concreto, o embargo baseou-se em ter sido o órgão ambiental estadual induzido em erro pelo empreendedor, o que legitima, em tese, a atuação do IBAMA.
É indiscutível que tanto o auto de infração como o termo de interdição abrangeram ambas as áreas do empreendimento: área 01 (22.237,72m2), duna coberta com vegetação de restinga, e área 02 (39.708,90m2), onde foi implantado o Condomínio Praia da Barra. O auto de infração é claro:
“Promover construção do empreendimento Condomínio Residencial Praia da Barra em solo não edificável, considerado área de preservação permanente por se tratar de restinga com presença de dunas e vegetação fixadora, no interior da Unidade de Conservação APA da Baleia Franca”.
Considerando que a área 01 foi preservada, a lide gravita em saber se na área 02 havia vegetação de restinga fixadora de duna, como na área 01. Em caso positivo, a supressão da vegetação teria sido ilegal e, por conseguinte, hígido o auto de infração.
A Apelante abriu mão da prova pericial. Entretanto, em sede de agravo, foi feita perícia preliminar, a qual, na falta de outros elementos, deverá balisar a decisão.
Tal perícia afirmou ter ocorrido na área 02 interferência humana na realização de obras de terraplenagem, corte e plantio de vegetação, o que, atualmente, implica obviedade, já que o empreendimento já está findo. Diz o Perito do Juiz:
“A área em questão e seu entorno estão enquadradas na região fitogeográfica de restinga. Contudo, especificamente na ÁREA 02, área objeto desta lide, cujo empreendimento Condomínio Praia da Barra está sendo edificado, de forma visual e considerando apenas a data da vistoria supra, conclui-se sem prejuízo de novos estudos que o empreendimento está sendo edificado em área totalmente descaracterizada da condição original, não se definindo com base na vegetação o ecossistema existente, não sendo possível também indicar alterações pretéritas sem uma perícia mais abrangente que demandará maior tempo e estudos mais amplos e aprofundados inclusive com investigações pretéritas. (…)
Analisando minuciosamente os autos cujos pontos relevantes foram abordados detalhadamente no item 5 do relatório fundamentador desta perícia preliminar, há nos autos evidências bastante fortes que nos permitem concluir que a área onde está sendo edificado o Condomínio Praia da Barra integra um ecossistema de restinga, hoje descaracterizado pelas suas obras”.
Sabido é que a restinga, por si só, não caracteriza área de preservação permanente, exigindo o Código Florestal que tal vegetação tenha a função de fixar dunas ou estabilizar mangues.
O laudo pericial afirmou não ser possível aferir se no local onde foi construído o empreendimento havia vegetação de restinga fixadora de dunas, o que poderia ser verificado por meio de perícia mais abrangente. Considerando o estado do local, plenamente edificado, não parece mais possível tal prova.
Considerando que na área adjacente ainda há vegetação de restinga fixadora de duna, os indícios são de que a área 02 fosse de igual natureza. Na dúvida, porém, incumbia o ônus da prova ao empreendedor e tendo ele aberto mão da perícia, em tese, seria de rigor a improcedência da ação.
Entretanto, há outro fato de suprema relevância a ser considerado no trato do caso concreto. Tendo sido negado o pedido de antecipação de tutela no sentido de ser suspenso o embargo da obra, tal decisão foi revertida por recurso de agravo, assim ementado:
ADMINISTRATIVO. EMBARGO/INTERDIÇÃO DE OBRA, RESTINGA. O art. 2º, alínea f, do Código Florestal, define como área de preservação permanente, nas restingas, as formas de vegetação fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, o que não está caracterizado na área da construção executada pela parte agravante.
Tendo o empreendedor obtido do órgão ambiental estadual LAP e LAI, após regular apresentação de Estudo de Impacto Ambiental, bem como licença do município onde sediado o empreendimento e efetuado a comunicação da obra ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, não se justifica a manutenção de embargo do IBAMA expedido em termos genéricos e desacompanhado de estudos técnicos que infirmem as licenças já expedidas (AI 2008.04.00046535-4, Rel. Des. Fed. Jorge Maurique, j. 26-10-10).
No seu voto, o E. Relator afirmou:
“Ora, a restinga protegida é aquela com o fim de fixar dunas ou estabilizar mangues, portanto definida segundo a sua função ambiental. Esta situação em momento algum ficou definida na área do empreendimento”.
Tudo indica que foi com base em tal decisão judicial que o Apelante abriu mão da prova pericial e deu continuidade à obra, que ora está finda. Parcialmente vencida, a E. Des. Fed. Marga Tessler assim se pronunciou em sede de agravo:
“O próprio perito diz ser de restinga, mas também diz que ela está absolutamente descaracterizada de sua condição original – está à fl. 161. Diante desse quadro, existem fotos, existe levantamento aéreo fotogramétrico, existe uma série de detalhes por que se pode bem perceber que toda aquela região está, em boa parte, descaracterizada.
Quer dizer, que este local não é diferente dos outros em que já se encontram construídos a sul e a norte deste empreendimento e à frente deste empreendimento, duas quadras distantes do mar. Então, há construções antes em relação à linha de preamar, ali à beira da praia, há duas quadras de construções já de outros loteamentos que foram realizados.
Então, diante dessa situação, entendo por acompanhar em parte o eminente Relator, mas apenas pontuando, considerando também que o auto de infração e o embargo são lacunosos contra a que vícios estariam a ocorrer neste empreendimento, parecendo que o empreendedor realmente tomou a iniciativa de buscar os licenciamentos estaduais e os obteve, então estaria de boa-fé, conforme já temos diversos precedentes nesta Turma, e também pontuando que não é possível, por estarmos em um agravo, dar um cheque em branco ao empreendedor e simplesmente entendo que o faria se acompanhasse sem uma ponderação. “
Assim, verifica-se que, por bem ou por mal, a continuidade do empreendimento foi autorizada pelo Poder Judiciário, tendo o empreendedor agido de boa-fé. Considerando-se, pois, que
(a) parte da área do empreendimento foi preservada;
(b) não há certeza quanto a ter ou não ocorrido supressão de vegetação de preservação permanente;
(c) ser inviável, no momento, buscar tal certeza;
(d) o empreendedor deu seguimento ao empreendimento amparado em decisão judicial;
(e) ser impossível a restauração ecológica na atual fase do empreendimento; e, ainda, que
(f) o entorno do empreendimento está igualmente urbanizado, é de ser aplicado ao caso concreto o princípio do fato consumado, segundo o qual situações fáticas já consolidadas com ausência de má-fé devem ser preservada em nome da segurança jurídica, conforme placitado, em casos excepcionais como o presente, pelo Col. STJ:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO EM DETERMINADA FASE DO CERTAME. CLASSIFICAÇÃO NO NÚMERO DE VAGAS DA ETAPA POSTERIOR. INCERTEZA JURÍDICA. DUBIEDADE DE NORMA EDITALÍCIA. LIMINAR CONCEDIDA. ÊXITO EM CURSO DE FORMAÇÃO, POSSE NO CARGO E EFETIVO EXERCÍCIO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. EXISTÊNCIA DE BOA-FÉ. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. RECURSO PROVIDO.
1. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico na vertente de que os candidatos aprovados em determinada fase do concurso que não se classificaram dentro do número de vagas previsto no edital têm mera expectativa de direito de participarem da etapa subsequente.
Ademais, este Sodalício prega que a teoria do fato consumado não se aplica, em regra, nas hipóteses em que o candidato prosseguiu no concurso público por força de decisão liminar.
2. Todavia, em hipóteses excepcionais, a jurisprudência deste Tribunal Superior tem admitido a aplicação da teoria do fato consumado, mormente quando restarem evidenciadas a boa-fé do candidato e a dubiedade das normas editalícias, conjugadas com a consolidação da situação fática pelo tempo, primando, assim, pela razoabilidade.
3. No caso dos autos, a recorrente agiu de boa-fé e atuou com razoabilidade, já que as regras do edital para a convocação para a 3ª fase do concurso público eram dúbias, tanto que fomentou diferentes interpretações no Tribunal local. Esta solução também é a que melhor privilegia o princípio da isonomia, dado que outros candidatos em situação similar obtiveram êxito no Judiciário, preservando seus cargos. Outrossim, a desconsideração destes fatos supervenientes somente causaria prejuízos não só à candidata, mas também à própria Administração Pública, a qual perderia uma servidora pública que adquiriu qualificação e experiência, a demandar maiores custos para o Poder Público o treinamento de novo funcionário.
4. Agravo regimental a que se dá provimento para prover o recurso ordinário em mandado de segurança.
(AgRg no RMS 24366/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 27/06/2012)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO. EXAME SUPLETIVO. APROVAÇÃO NO VESTIBULAR. DETERMINAÇÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO. TEORIA DO FATO CONSUMADO.
1. De acordo com a Lei 9.394/96, a inscrição de aluno em exame supletivo é permitida nas seguintes hipóteses: a) ser ele maior de 18 anos e b) não ter tido acesso aos estudos ou à continuidade destes, no ensino médio, na idade própria, de sorte que é frontalmente contrária à legislação de regência a concessão de liminares autorizando o ingresso de menores de 18 anos em curso dessa natureza.
2. É inadmissível a subversão da teleologia do exame supletivo, o qual foi concebido com o escopo de contemplar aqueles que não tiveram acesso ao ensino na idade própria ou, mesmo o tendo, não lograram concluir os estudos, não sendo por outra razão que o legislador estabeleceu 18 (dezoito) anos como idade mínima para ingresso no curso supletivo relativo ao ensino médio.
3. Lamentavelmente, a excepcional autorização legislativa, idealizada com o propósito de facilitar a inclusão educacional daqueles que não tiveram a oportunidade em tempo próprio, além de promover a cidadania, vem sendo desnaturada dia após dia por estudantes do ensino médio que visam a encurtar sua vida escolar de maneira ilegítima, burlando as diretrizes legais.
4. Sucede que a ora recorrente, amparada por provimento liminar, logrou aprovação no exame supletivo, o que lhe permitiu ingressar no ensino superior, já tendo concluído considerável parcela do curso de Direito.
5. Consolidadas pelo decurso do tempo, as situações jurídicas devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Aplicação da teoria do fato consumado. Precedentes.
6. Recurso especial provido. (REsp 1262673/SE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 30/08/2011).
Assim, peço vênia para acompanhar a divergência, ainda que por diverso fundamento.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
VOTO-VISTA
Pedi vista para melhor examinar a causa e entendo que a sentença merece ser reformada.
Síntese da demanda.
A autora é proprietária de imóvel situado na Praia da Barra, Município de Garopaba, conforme Matrícula 7.647 do Cartório do Registro de imóveis da Comarca de Imbituba. Idealizou condomínio de 24 (vinte e quatro) unidades no imóvel, denominado Praia da Barra Condomínio Residencial, e, para tanto, obteve Licença Ambiental Prévia – LAP nº 008/2007GELAU, com condicionantes. Elaborou, então, o Plano de Gerenciamento Ambiental, a fim de cumprir as exigências contidas na Licença Ambiental Prévia.
Dentre outras medidas, foram elaborados um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD e um Levantamento Arqueológico, realizado por profissional habilitada, que concluiu pela presença de dois sítios na Praia da Barra, mas nenhum deles na área do empreendimento.
Obteve, em seguida, a Licença Ambiental de Instalação – LAI nº 057/07GELAU, datada de 15-8-2007, com mais condicionantes para implantação do empreendimento.
E a Prefeitura de Garopaba expediu a Revalidação de Condomínio nº 003/2007. Implantado o empreendimento, a autora apresentou dois Relatórios do Programa de Gerenciamento Ambiental.
Sobreveio o Auto de Infração nº 448102 e o Termo de Embargo/Interdição nº 424174, atos administrativos que a autora pretende desconstituir com a presente demanda.
A autora teria cometido a seguinte infração:
“Promover construção do empreendimento Condomínio Residencial Praia da Barra em solo não edificável considerado área de preservação permanente por se tratar de restinga com a presença de dunas e vegetação fixadora – no interior da Unidade de Conservação APA da Baleia Franca”
Na inicial, a autora sustenta que o cordão dunar existente dentro do imóvel (área 01) não foi atingido pela implantação do condomínio.
A degradação daquela área, segundo afirma, ocorreu em virtude de condutas praticadas por terceiros no passado (na área 02), sendo que, cumprindo exigência do órgão ambiental, elaborou e vem implantando Plano de Recuperação Ambiental de Áreas Degradadas.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi indeferido. Contra essa decisão, a autora interpôs o Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.046535-4/SC. Foi determinada a produção de perícia preliminar no local a fim de equacionar a dúvida acerca da existência, ou não, de vegetação de restinga na área construída.
Realizada a perícia, o agravo de instrumento, com a minha relatoria, foi provido para suspender os efeitos do auto de infração e do termo de embargo/interdição.
Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido, entendendo a sua ilustre prolatora que, por ocasião da concessão das licenças estaduais pelo FATMA ocorreu omissão da autora capaz de fulminar a validade da licença outorgada, já que baseada em pressuposto fático não verídico. Para melhor compreensão, transcrevo os seus fundamentos:
“O empreendimento consiste em aproximadamente uma área de 6,2 hectares, subdividida pelo empreendedor em duas partes, consoante destacado no RAP apresentado: A Área 01 com 22.237,72 m2 considerada de preservação permanente, a ser recuperada, preservada e protegida pelo empreendedor e Área 02, com 39.708,90m2 para a implantação da estrutura do Condomínio Praia da Barra, incluindo 24 lotes, área de praça, circulação de pedestres e veículos.
O empreendedor, em 24.05.2007, requereu a LAI – Licença Ambiental de instalação, consoante requerimento de fl.143. Quando da solicitação da LAI restou preenchido o FCE1 Formulário de Caracterização do Empreendimento – lntegrado ( fl.l44). Contudo, ao preencher tal formulário, o empreendedor omitiu que haveria supressão de vegetação (Vide item 4 daquele fomiulário fl. 144), contradizendo frontalmente o teor do RAP – Relatório Ambiental Preliminar por ele realizado em que destaca com clareza à fl. 71 e 71v que haveria supressão de vegetação de restinga, embora que de alguns indivíduos esparsos. In verbis:
“A vegetação nativa a ser suprimida compreende alguns indivíduos de vegetação de restinga arbustiva esparsos. Uma vez que a área de planície apresenta-se ocupada por vegetação exótica. Para mitigar o corte desses indivduos deverá ser apresentado um projeto de arborização urbana com utilização de espécies nativas e um projeto de recuperação da vegetação de restinga fixadora de dunas nas áreas de preservação.”
A FATMA, com base na informação de que não haveria supressão de vegetação, ao elaborar o seu parecer para fundamentar a emissão da LAI e ainda sem atentar-se às minúcias do RAP, nem mesmo outros elementos técnicos, inclusive o seu próprio Parecer de Vistoria n. 130/2006 (fls.46/49), emitiu novo Parecer Técnico Interno n. 788/2007, o qual, na letra “f”‘ da fl. 149 esclarece equivocadamente que “Para a instalação do empreendimento não será necessária a supressão de vegetação protegida por Lei.”
Alem do que, no dizer do perito do juízo:
“analisando o Parecer Técnico Interno n. 788/2007 (fls.146/151), cabe realçar que o órgão ambiental ao referir-se sobre o enquadramento da área como sendo ou não de “restinga” fez análise bastante sucinta e apenas do perfil geológico do terreno, concluído pelo seu não enquadramento como área de restinga.
Contudo, não fez qualquer referência ou abordagem na ótica biológica, tendo em vista que segundo observação/constatação relatado pelo próprio órgão ambiental no Parecer Técnico de Vistoria n. 130/2006 à fl. 47, destacou que naquela vistoria ‘[..] ficou mais evidenciada a fragilidade do sistema ambiental local, devido a interferência desta atividade no campo de dunas e a vegetação de restinga ali existentes.”
Restou expressamente consignado no laudo pericial preliminar que na Área 02 houve interferência humana na realização de obras de terraplenagem, corte e plantio de vegetação.
Extrai-se do laudo:
“Observou-se no local a existência de sistema viário parcialmente concluído, sistema de drenagem pluvial, instalações preliminares para receber rede de energia elétrica e telefônica, duas quadras de tênis, uma residência unifamiliar, uma guarita, e indicado pelo assistente técnico da autora uma ETE – estação de tratamento de efluente (obra enterrada – não possível de visualização naquela vistoria), além de obras de paisagismo em andamento.
Ou seja, restou constatado que houve interferência e descaracterização da Área 02 pelo empreendedor e, segundo informações deste próprio, haveria inclusive a supressão de vegetação de restinga, mesmo em relação à Área 02, vejamos:
Analisando o item 5.4 – Cobertura Vegetal do RAP – Relatório Ambiental Preliminar – Documento 7 (fls. 52/82), o empreendedor descreve que:
“A área objeto desse estudo apresenta duas porções distintas no que se refere a cobertura vegetal: área de dunas fixas e área de planície litorânea antropizadas.
A área de dunas apresenta vegetação típica desses ambientes, ou seja, vegetação de restinga herbácea/sub-arbustiva (Foto 04).
Segundo a Resolução CONAMA 261/99, define-se restinga arbustiva como ‘Vegetação[…]'”.fl.62
Neste tópico/item ficou evidenciada a existência na área do empreendimento, de dunas recoberta com vegetação de restinga fixadora de dunas – ÁREA 01 (Figura 9). […]
A área de planície litorânea apresentam cobertura vegetal alterada com presença de vegetação arbustiva e de espécies exóticas, notadamente Pinus sp, Casuarina sp e Eucaliptus SP (Fotos 05 a 11).” fl.63
Dessa parte do texto se extrai que inclusive na denominada “planície litorânea” – AREA 02 (Figura 9) – também apresentava cobertura de “vegetação arbustiva”, bem como de espécies “exóticas”.
Destarte, diante destas constatações pelo próprio empreendedor por ocasião da elaboração do RAP – Relatório Ambiental Preliminar há evidências concretas e confessa da presença de cobertura de vegetação arbustiva inclusive na Área 02 onde está sendo executado o empreendimento em comento.
Importante destacar que o Parecer Técnico de Vistoria n. 130/2006 (fls.46/49) que antecedeu o fazimento do RAP, aliás, o Relatório Ambiental Preliminar foi condicionante apontada no parecer da FATMA que evidenciou “a fragilidade do sistema ambiental local, devido a interferência desta atividade no campo de dunas e a vegetação de restinga ali existente“.
Assim, evidente que o preenchimento incorreto do FCEI – Formulário de Caracterização do Empreendimento – Integrado (144), possibilitou a concessão da LAI pelo órgão estadual.”
Interposta apelação pela autora, o relator proferiu voto negando provimento à apelação.
Passo a expor os fundamentos pelos quais entendo que a sentença merece ser reformada.
Competência do IBAMA para fiscalizar o empreendimento licenciado pelo FATMA. O IBAMA tem competência para fiscalizar empreendimento licenciado pelo FATMA, órgão estadual de proteção ao meio ambiente. Esse entendimento funda-se em duas premissas, a saber:
1) a competência de um ente para o licenciamento não impede o exercício de poder de polícia em meio ambiente dos demais entes federativos, visto que se trata, para isso, de competência comum, nos termos do art. 23 da Constituição Federal, e
2) impedir o órgão federal de fiscalizar a ocorrência de dano ambiental em obra licenciada por outro ente acarretaria situações absurdas, como a de União ver inviabilizado o exercício constitucional de seu poder de polícia até mesmo em relação a seus próprios bens.
No entanto, cumpre assentar que para que seja admitida a atividade supletiva do IBAMA deve ocorrer a falta absoluta de aptidão técnica do órgão municipal ou estadual para o licenciamento (Apelação/Reexame Necessário nº 2007.72.08.003682-0/SC, 3ª Turma, Rel. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto, D.E. de 01/10/2009).
Necessário assinalar, ainda, que a licença ambiental expedida pela Fundação do Meio Ambiente – FATMA goza de presunção de legitimidade (AC 2006.72.00.003920-0, 4ª Turma, Rel. Márcio Antônio Rocha, DE de 21/5/2007).
Vegetação de restinga.
O CONAMA define restinga na Resolução 261/1999 com um conjunto de ecossistemas de que compreende comunidades florística e fisionomicamente distintas, situadas em terrenos predominantemente arenosos, de origens marinha, fluvial, lagunar, eólica ou combinações destas; tais comunidades formam um complexo vegetacional edáfico e pioneiro, que depende mais da natureza do solo do que do clima, e encontram-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões associadas, planícies e terraços.
No Estado de Santa Catarina, a vegetação de restinga percorre toda a extensão do litoral, de norte a sul, e a largura da vegetação é muito variada indo de poucos metros a até 6 ou 7 Km. A restinga é um dos ecossistemas que há mais tempo recebe pressão antrópica no País.
Isso de dá em razão de sua proximidade com os povoamentos e cidades e pela facilidade de ocupação das restingas e baixa velocidade de regeneração em relação às florestas. Segundo informações retiradas da internet, é a formação vegetacional mais destruída e ameaçada na Região Sul.
A Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal), no art. 2º, “f”, define restinga como área de preservação permanente, nos seguintes termos:
“Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (…)
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;”
Como se vê, a restinga, por si só, não caracteriza área de preservação permanente, exigindo o Código Florestal que tal vegetação tenha a função de fixar dunas ou estabilizar mangues.
Teoria dos motivos determinantes.
De acordo com a teoria dos motivos determinantes, a validade do ato administrativo se vincula aos motivos indicados como seu fundamento. Se a Administração motiva o ato, a validade deste depende da verdade dos motivos alegados.
Assim, uma vez não demonstrada a existência dos fatos, deve deixar de subsistir o ato que neles se fundava
Pois bem, o fiscal do IBAMA assim descreveu, no Auto de Infração nº 448102, a infração que teria cometido a autora:
“Promover construção do empreendimento Condomínio Residencial Praia da Barra em solo não edificável considerado área de preservação permanente por se tratar de restinga com a presença de dunas e vegetação fixadora – no interior da Unidade de Conservação APA da Baleia Franca”
O fiscal consignou que a área objeto da edificação é de preservação permanente.
No que diz respeito à área 01, de 22.237 m², não há dúvida de que é de preservação permanente, a ser recuperada, preservada e protegida pelo empreendedor.
Como a estrutura do condomínio não está sobre a área 01 e o fiscal não fez qualquer ressalva, conclui-se que considerou também ser de preservação permanente a área 02, de 39.708,90 m2.
Cumpre verificar se a conclusão do fiscal encontra respaldo no laudo pericial preliminar juntado aos autos, laudo esse elaborado por um Engenheiro Civil especialista em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental, um Biólogo mestre em Biologia Vegetal e Doutorando em Botânica e uma Engenheira Ambiental Civil especializada em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental.
Consta no laudo:
“Com base no exposto acima a área do empreendedor apresenta uma porção com fisionomia de dunas -[ÁREA 01 – Figura 9], estas de natureza fixa conforme resolução CONAMA 261/99, localizada aos fundos dos lotes 20, 21, 22, 23 (Figura 22). Tal fisionomia apresenta vegetação natural e espécies características de restinga (Figura 23 e 24).
No que diz respeito à ÁREA 02 – Figura 9, local onde está sendo edificado o empreendimento Condomínio Praia da Barra, tendo em vista às interferências antrópicas no local devido às obras executadas, principalmente as de terraplenagem, dificultam a análise pela vegetação (Figuras 10 e 11), não podendo nesta perícia preliminar enquadrar como de preservação permanente, pois não apresentam visualmente qualquer fisionomia que possa indicar tal situação dada a sua total descaracterização do que seria originalmente esse ecossistema.”
Como se vê, o laudo não é capaz de elidir a presunção de legitimidade do ato administrativo do FATMA que concedeu a licença ambiental.
Com efeito, não há nada nos autos indicando que a área supostamente degradada era, à época do início do empreendimento, de preservação permanente.
Há uma série de elementos que ampliam a situação de dúvida, a começar pelas considerações feitas em algumas das “figuras” anexadas ao laudo pericial. Transcrevo:
Figura 10
Vista parcial da Área 02 (local do Condomínio). Nesta fotografia podemos verificar a inserção de material de característica argiloso introduzido na área (sobre a areia que é solo originário) com o fito de planificar o terreno adequando à cota de projeto estabelecida pelo empreendedor. Quanto ao volume de material introduzido (aterro), bem como se houve desmonte de dunas (corte) devem ser aprofundados os estudos.
Figura 11
Esta Figura ilustra que houve supressão de vegetação (corte e destocagem). Quanto à quantificação e especificação da vegetação suprimida, entendemos que se devem aprofundar os estudos.
Figura 20
Vista parcial da Área 02 (local do Condomínio). Nesta fotografia podemos verificar a inserção de material de característica argiloso introduzido na área (sobre a areia que é solo originário) com o fito de planificar o terreno adequando à cota de projeto estabelecida pelo empreendedor. Quanto ao volume de material introduzido (aterro), bem como se houve desmonte de dunas (corte) devem ser aprofundados os estudos.
Figura 21
Esta Figura ilustra que houve supressão de vegetação (corte e destocagem). Quanto à quantificação e especificação da vegetação suprimida, entendemos que se devem aprofundar os estudos.
Nada indica que houve supressão de vegetação de restinga, mesmo porque é incontroverso que na área 02 havia vegetação de espécies exóticas.
Desse modo, não era possível dizer, como fez o fiscal do IBAMA, que a área 02 era de preservação permanente, quando do início do empreendimento, e o próprio laudo pericial é categórico ao afirmar que não seria possível dizer isso sem “estudos mais amplos e aprofundados inclusive com investigações pretéritas“.
Consta na perícia que na área de influência direta do empreendimento (área 02) a fisionomia “não condiz com a descrição original do ecossistema, se mostrando em sua totalidade descaracterizado em sem relictos originais de vegetação“.
E no relatório ambiental preliminar foi destacado que “as alterações impostas por ações antrópicas nas áreas urbanizadas adjacentes, bem como no próprio terreno em comento, descaracterizam por completo os depósitos eólicos, com exceção de algumas dunas que podem ser classificadas como remanescentes“.
Também foi destacado no relatório ambiental preliminar, no item 9, atinente à supressão de cobertura vegetal nativa, que “a vegetação nativa a ser suprimida compreende alguns indivíduos de vegetação de restinga arbustivas esparsos“, pois “a área de planície apresenta-se ocupada por vegetação exótica“.
Cabem algumas considerações a esse respeito.
É incontroverso que o empreendimento encontra-se inserido em região que possui ocupação já consolidada e que, em razão disso, boa parte dos componentes dos ecossistemas primitivos está degradada, com organização funcional e paisagem comprometidos.
Quem conhece o local sabe da presença de infra-estrutura urbana e social e residências instaladas, servidas por melhoramentos públicos, tais como iluminação pública, rede de água potável, energia domiciliar, guias e sarjeta, inclusive com pavimentação.
Não é de hoje que dunas e sua vegetação de restinga encontram-se comprometidas e até mesmo ocupadas por casas, pois a ação antrópica ocupa grande parte da região. O relatório ambiental preliminar, como já referido, apontou a ocorrência de ações antrópicas “nas áreas urbanizadas adjacentes“.
Assim, não se pode dizer que o empreendimento na área 02 tenha ocasionado alterações significativas no meio envolvente, porquanto anteriormente à obra já havia nas imediações do imóvel a ação antrópica do local.
Do ponto de vista sócio-ambiental, não me parece razoável manter o embargo da obra na área que um dia foi de preservação permanente, mas permitir o seu prosseguimento e, após a conclusão, buscar utilização racional.
Ressalte-se que os elementos contidos nos autos revelam que a infra-estrutura do empreendimento garante condições sanitárias adequadas.
Em visão realista, essa conclusão não se altera pelo fato de ter ocorrida retirada de “alguns indivíduos de vegetação de restinga arbustivas esparsos“. Ainda que tal tenha acontecido, o embargo da obra não é medida apta a recuperar o meio ambiente local.
A proteção das restingas, visada pela lei ambiental, se dá não para a subsistência de algumas plantas constantes num único terreno em meio de outros também já ocupados, mas sim de um ecossistema que mantenha a integridade entre os diversos elementos naturais.
Ou seja, nenhum efeito surtirá ao meio ambiente o embargo de apenas uma obra isolada, se as adjacências estão urbanizadas.
Assim, reafirmo e reproduzo integralmente os fundamentos expendidos no voto que proferi no Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.046535-4/SC:
“Entendo que pela Teoria dos Motivos Determinantes, o auto de infração do IBAMA está vinculado aos termos em que proferido, ou seja, para que seja integralmente acatado e cumprido (pela autoexecutoriedade que gozam os atos administrativos), há que se verificar se efetivamente ocorreu a hipótese descrita pela autoridade.
O auto de infração que a parte agravante visa a anular foi expedido por “promover construção do empreendimento condomínio residencial Praia da Barra em solo não edificável, considerado área de preservação permanente por se tratar de restinga com a presença de dunas e vegetação fixadora – no interior da unidade de conservação APA da Baleia Franca” (documento de fl. 215, dos autos em apenso).
A impetrante afirma que possui licença da FATMA e que nesta licença foram verificados todos os impactos ambientais e assegurado que o empreendimento poderia ser efetuado, não havendo espaço para atuação (e autuação) do IBAMA.
Entendo de maneira diversa, eis que este Tribunal, em variadas oportunidades, já afirmou a possibilidade de atuação do IBAMA, ainda que expedida licença ambiental pelo órgão fiscalizador ambiental estadual. A esse propósito, confira-se a Apelação Cível nº 200.72.14.000098-1/SC, Rel. Des. Valdemar Capeletti, entre outros.
Assim, não constato, prima facie, a ilegitimidade do IBAMA, o que é matéria a ser solvida no mérito da ação, porquanto nesse momento discute-se apenas a possibilidade de suspender ou não o embargo.
O certo é que há divergência entre a autorização expedida pelo órgão estadual e o embargo aviado pelo IBAMA, no sentido de haver dano ambiental, pelo que há de verificar; (a) efetivamente está presente a hipótese do dano ambiental, tal como descrito no embargo e; (b) se esse dano ambiental é de tal extensão a que, utilizando-se do instituto da precaução, ocorrer a paralização da obra.
Em face dessa divergência central constante na presente demanda, qual seja, se a construção do empreendimento está, ou não, em local compreendido por área de dunas cobertas pela vegetação de restinga (que é necessário para verificação da hipótese “a”), o então Relator deste feito determinou e foi realizada perícia por engenheiro civil nomeado pelo juízo a quo (fls. 123/170).
O Código Florestal (Lei n.º 4.771/65), em seu artigo 2.º, alínea f, define restinga como área de preservação permanente, nos seguintes termos:
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (…)
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
Ora, a restinga protegida é aquela com o fim de fixar dunas ou estabilizar mangues, portanto definida segundo a sua função ambiental, ficando condicionada a uma análise do caso concreto.
A partir da análise pericial realizada no local em que está sendo construído o Condomínio Residencial Praia da Barra, observa-se que o perito visualizou que a obra em questão está dividida em duas áreas, as quais denominou em área 1 e 2.
Com relação a área 01, o perito anotou “Área de 22.237,72m2 considerada área de preservação permanente (DUNAS) a ser recuperada, preservada e protegida pelo empreendedor.” (fls. 136). Portanto, estando esta área protegida e preservada pelo empreendedor, não pode ser causa do embargo do IBAMA.
Com relação a área 02, o perito anotou “Área de 39.708,90m2 para a implantação da estrutura do Condomínio Praia da Barra incluindo a área dos 24 (vinte e quatro) lotes, áreas para a praça, circulação de pedestres e de veículos.” (fls. 136).
Logo, separada a área 01, que está preservada e protegida, o embargo somente pode ser admitido em relação a área 02.
Com relação a esta área, segundo parecer do perito, “tendo em vista às interferências antrópicas no local devido às obras executadas, principalmente as de terraplanagem, dificultam a análise pela vegetação, não podendo nesta perícia preliminar enquadrar como de preservação permanente, pois não apresentam visualmente qualquer fisionomia que possa indicar tal situação dada a sua total descaracterização do que seria originalmente esse ecossistema” (fl. 149).
Mas conclui o perito (fls. 158) “Por fim, não há como concluir de fato que houve supressão de vegetação de restinga na ÁREA 02 (Figura 9), local onde está sendo materializado o Condomínio Praia da Barra, e que deveria ser apresentada medida(s) mitigadora(s) para tal supressão.”
Ao final concluiu o perito que o empreendimento está sendo edificado em área totalmente descaracterizada da condição original, não se definindo com base na vegetação o ecossistema existente (fls. 161).
Portanto, resta dúvida acerca de o local em que estava sendo edificado o condomínio residencial pela agravante ser área de preservação permanente, pois não caracterizada plenamente ser o local de restinga, e como tal digna de proteção.
Isto porque o Código Florestal (Lei n.º 4.771/65), em seu artigo 2.º, alínea f, define restinga como área de preservação permanente, nos seguintes termos:
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (…)
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
Ora, a restinga protegida é aquela com o fim de fixar dunas ou estabilizar mangues, portanto definida segundo a sua função ambiental, ficando condicionada a uma análise do caso concreto. Esta situação em momento algum ficou definida na área do empreendimento.
Portanto, aliado a este fato (não comprovação de se tratar de restinga fixadora de dunas), considerando que o empreendimento possui todos os relatórios ambientais do órgão estadual e licença construtiva da municipalidade e considerando que o fato do empreendimento estar em APA não significa área non edificandi, mas sim que devem ser observadas uma série de condicionantes para a construção, todas elas seguidas pelo empreendedor, entendo que o embargo, tal como posto, não pode subsistir para o fim de impedir a continuidade do empreendimento.
Isto porque, se de um lado há o interesse do agravante de concluir a obra que, segundo afirma, está em seu final (e as fotografias realizadas pela perícia o confirmam), tendo procedido, antes de seu início, com todo o cuidado obtendo do órgão ambiental estadual LAP e LAI, bem como licença do município onde sediado o empreendimento, tendo ocorrido inclusive comunicação ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que é o responsável pela APA da Baleia Franca e de outro lado o interesse do IBAMA em manter o embargo da obra, o qual não está fundamentado em estudos técnicos, mas sim em uma alegação genérica (está o empreendimento em área não edificável por ser área de restinga) a qual, como visto antes, é colocada em dúvida pelos elementos apresentados pelo laudo pericial, porquanto este (a) identificou claramente que a área de dunas está protegida e preservada e (b) não confirmou que a área onde está sendo localizado o empreendimento caracteriza-se como área de restinga fixadora de dunas, deve prevalecer o interesse daquele que parece possuir maior possibilidade de exercício do bom direito, que, no caso concreto, entendo ser da agravante, eis que não presente a hipótese “a”, qual seja, o manifesto dano ambiental.
Neste sentido, reproduzo decisões desta Corte, in verbis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE. INTERRUPÇÃO DE OBRA. 1. Sob pronto exame, não há prova inequívoca que abalize a pretensão da agravante, o que, por si só, é suficiente para desenganar o pleito. 2. A interrupção pura e simples da obra, além do significativo prejuízo a ser suportado pela empresa construtora, não contribuiria de modo relevante para a reparação do meio ambiente que se diz atacado, porquanto a estrutura existente continuará figurando na paisagem da orla, com todos os alardeados reflexos ambientais. 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2003.04.01.035458-0, 3ª Turma, Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, D.J.U. 17/12/2003) (grifamos)
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ORLA MARÍTIMA. RESTINGA. O art. 2º, alínea “f”, do Código Florestal, define como área de preservação permanente, nas restingas, as formas de vegetação fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues. O preceito fundamental é a efetiva função ambiental que a área desempenha, hipótese na qual a área de proteção estende-se tanto quanto for necessário para a preservação ambiental, sem limites predeterminados. Reconhecida a nulidade do auto de infração, baseado no artigo 3º, VII, da Resolução 04/85 do CONAMA, a qual adota critério abstrato (300 metros), sem base legal no Código Florestal. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.04.004253-8, 4ª Turma, Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, POR UNANIMIDADE, D.E. 27/11/2007) (grifamos)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO E DE TERMO DE EMBARGO RELATIVOS A IMÓVEL OBJETO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA COM O PROPÓSITO DE IMPEDIR EDIFICAÇÃO DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO EMBARGO AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inobservância do decidido na ação civil pública, implicando contrariedade à ordem judicial, ainda que inominada ou implícita. A questão de a área sob edificação ser de preservação permanente não comporta decisão no presente porque se acha em discussão na mencionada ação civil pública, ao passo que o embargo do referido empreendimento acarreta dano específico, concreto e atual a quem o promove. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.016921-9, 4ª Turma, Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, POR MAIORIA, D.E. 10/06/2008 (grifamos)
O Superior Tribunal de Justiça, na decisão abaixo reproduzida, igualmente afasta a hipótese de embargo à obra em casos similares ao ora analisado:
ADMINISTRATIVO E DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO. LAUDO EXPEDIDO PELO IBAMA. INCERTEZA QUANTO À DEGRADAÇÃO DE ÁREA AMBIENTAL. EMBARGO A EXECUÇÃO. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 10 DA LEI N. 6.938/81. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. Não caracterizada, em nenhum momento, no quadro probatório prontamente definido pelo decisório recorrido, a possibilidade concreta de existência de dano ambiental, não há razão, ao menos diante do panorama fático delineado – o qual não pode ser reexaminado na via do especial (Súmula n. 7/STJ) -, que justifique o embargo da construção de edifício e que dê margem à negativa de vigência do disposto no art. 10 da Lei n. 6.938/81.
2. Recurso especial não-provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 660.580 – CE (2004/0060695-1) RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA DJ: 21/11/2005) (grifamos)
Nesse passo, entendo que merece provimento o presente agravo de instrumento, a fim de suspender os efeitos do auto de infração n.º 448.102 e termo de embargo/interdição n.º 424.174.”
Cabe ponderar, por fim, que a continuidade do empreendimento foi autorizada pelo Poder Judiciário, tendo o empreendedor agido de boa-fé.
Assim, considerando-se que (a) parte da área do empreendimento foi preservada; (b) não há certeza quanto a ter ou não ocorrido supressão de vegetação de preservação permanente; (c) ser inviável, no momento, buscar tal certeza; (d) o empreendedor deu seguimento ao empreendimento amparado em decisão judicial; (e) ser impossível a restauração ecológica na atual fase do empreendimento; e, ainda, que (f) o entorno do empreendimento está igualmente urbanizado, é de ser aplicado ao caso concreto o princípio do fato consumado, segundo o qual situações fáticas já consolidadas com ausência de má-fé devem ser preservada em nome da segurança jurídica.
Com esses fundamentos, julgo procedente a ação para desconstituir o Auto de infração ambiental e o Termo de Embargo/Interdição.
Ante o exposto, divergindo do relator, voto por dar provimento à apelação.