APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – AMBIENTAL – POLUIÇÃO SONORA – AUTO DE INFRAÇÃO – INEXISTÊNCIA DO REGISTRO DE VOLUME DO SOM AFERIDO – REQUISITO DA LEI MUNCIPAL 3.1819/99 – INEXISTÊNCIA DO REGRISTRO DO GRAU DA INFRAÇÃO – AUTO VICIOSO – NULIDADE – RECURSO DESPROVIDO – SENTENÇA RATIFICADA. 1 – Embora o auto de infração seja ato administrativo dotado de imperatividade, tem presunção relativa de legitimidade e de legalidade, com a admissão de prova em contrário. Assim, se não observados os requisitos legais de validade, a nulidade se impõe. 1 – Para se ter como regular a autuação por poluição sonora no Município de Cuiabá, é imprescindível que do auto de infração conste o volume do som aferido, de modo a enquadrar a irregularidade constatada, conforme tabela I, da Lei Municipal n. 3.819/99, segundo disposto no art. 11 do referido diploma legal. Da mesma forma, o agente de fiscalização deve registrar o grau da infração, segundo a Tabela II, da mesma lei, conforme exige o art. 18.
(TJ-MT 00004042620178110082 MT, Relator: JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA, Data de Julgamento: 09/09/2020, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Data de Publicação: 25/09/2020)
RELATÓRIO
Reexame necessário de sentença com Recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Cuiabá, em face da sentença prolatada nos autos do Mandado de Segurança impetrado, onde Juiz concedeu a segurança para declarar a nulidade do auto de infração, julgando extinto o feito. Em suas razões recursais, alega o apelante que a autuação se deu de forma legal; que o procedimento fiscalizatório culminou na medida administrativa cautelar de interdição temporária e parcial do estabelecimento, com fulcro no art. 721, IV e art. 732, ambos da Lei Complementar Municipal n. 004/92, diante da constatação de ruído acima do permitido em lei. Argumenta que a conduta do autuado/apelado expôs a perigo eminente a saúde pública e meio ambiente, além de ter sido constatada exploração de atividade sonora sem cumprimento das disposições legais, porquanto desprovida de licença especial. Por isso, sustenta que a sentença merece reforma, e pede o provimento do apelo, para que seja denegada a segurança. Não foram apresentadas as contrarrazões (certidão de fl. 106). A douta Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo provimento do recurso, a fim de que seja mantida integralmente a sentença recorrida (fls. 114-118-TJ). É o relatório.
VOTO
Na origem, o apelado impetrou a ação mandamental visando a anulação do auto de infração n. 18472, que foi lavrado sob a alegação de perturbação ao sossego e bem estar público, em razão da produção sonora acima do limite permitido pela Lei Municipal n. 3.819/99.
A constatação da poluição sonora teria sido feita na oportunidade em que os agentes municipais fizeram a fiscalização.
O Juiz sentenciante concedeu a segurança, sob o fundamento de que o auto de infração não registrou o volume do som aferido, de modo a enquadrar a irregularidade constatada, conforme tabela I, da Lei Municipal n. 3.819/99, segundo disposto no art. 11 do referido diploma legal. Justificou, outrossim, que o agente de fiscalização deixou de registrar o grau da infração, segundo a Tabela II, da mesma lei, conforme exige o art. 18. Por isto, sustentou que o auto de infração foi viciado em sua forma e, portanto, nulo.
A sentença não merece qualquer reparo. É que, como ressaltou o douto magistrado, embora se mostre legítima a atuação da Administração Pública, com a finalidade de fiscalizar as atividades desenvolvidas pela impetrante, as eventuais irregularidades praticadas no desenvolvimento de sua atividade econômica devem ser apuradas e, conforme o caso, aplicar as medidas administrativas cabíveis, de acordo com a legislação aplicável, visando atender aos comandos legais, sob pena de nulidade, como no presente caso.
Com efeito, o art. 225, § 3º, da Constituição Federal, dispõe que:
“Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(…) § 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Por sua vez, a Lei Municipal n. 3.819/99, estabelece que:
“Art. 3º. Para os efeitos da presente lei, consideram-se aplicáveis as seguintes definições: I – Poluição Sonora: toda emissão de som que, direta ou indiretamente, seja ofensiva ou nociva à saúde, à segurança e ao bem-estar da coletividade ou transgrida as disposições fixadas nesta lei; […]
Art. 5º. Fica proibido perturbar o sossego e o bem-estar público através de distúrbios sonoros ou distúrbios por vibrações”. […]
Art. 10 A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, prestação de serviços, inclusive de propaganda, bem como sociais e recreativas, obedecerá aos padrões e critérios estabelecidos neste Regulamento.
Art. 11 – Ficam estabelecidos os seguintes limites máximos permissíveis de ruídos: I – Independentemente do ruído do fundo, o nível de som proveniente da fonte poluidora, medido dentro dos limites reais da propriedade onde se dá o suposto incômodo, não poderá exceder os níveis fixados na tabela I, que é integrante desta Lei. II – o nível de som proveniente da fonte poluidora, medido dos limites reais da propriedade onde se dá o suposto incômodo, não poderá exercer 10 decibéis-dB-A o nível do ruído de fundo existente no local.
Parágrafo único: Quando a propriedade onde se dá o suposto incômodo tratar-se de escola, creche, biblioteca pública, cemitério, hospital, ambulatório, casa de saúde ou similar, deverão ser atendidos os limites estabelecidos par a ZR, independentemente da efetiva zona de uso. […]
Art. 13 – A medição do nível de som será feita utilizando a curva de ponderação A com circuito de resposta rápida, e o microfone deverá estar afastado no mínimo de 1,5m (um metro e cinquenta centímetros) do solo. […]
Art. 15 – Os equipamentos e o método utilizado para a medição e avaliação dos níveis de som e ruído obedecerão às recomendações da EB 386/74 – ABNT ou as que lhe sucederem. […]
Art. 17 – Aos infratores dos dispositivos da presente Lei, serão aplicadas as seguintes penalidades, sem prejuízos das combinações cíveis e penais cabíveis: I – Advertência por escrito, em que o infrator será notificado para fazer cessar a irregularidade, sob pena de imposição de outras sanções previstas nesta Lei; II – Multas; III – Suspensão das atividades até correção das irregularidades; IV – Cassação de alvará e licença concedidas, a ser executada pelos órgãos competentes do executivo municipal em especial a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá.
Parágrafo único: Nos casos de infração a mais de um dispositivo legal serão aplicadas tantas penalidades quantas forem as infrações.
Art. 18 – Para efeito da aplicação de penalidades, as infrações aos dispositivos deste regulamento serão classificadas como leves, graves ou gravíssimas conforme disposto na Tabela número II. […]
TABELA I TIPO DE ÁREA PERÍODO DO DIA DIURNO VESPERTINO NOTURNO RESIDENCIAL (ZR) 55dBA 50dBA 45dBA DIVERSIFICADO (ZD) 65dBA 60dBA 55dBA INDUSTRIAL (ZI) 70dBA 60dBA 60Dba TABELA II CLASSIFICAÇÃO DE INFRAÇÕES CLASSIFICAÇÃO OBSERVAÇÃO Grave Explosivo Leve Até 10dB (dez decibéis) acima do limite Grave Mais de 10dB a 40 acima do limite Gravíssimo Mais de 40 dB acima do limite” (destaquei) De acordo com a lei, é inarredável a conclusão de que a emissão de ruídos acima dos limites suportáveis pelo ser humano pode causar sérios danos à saúde.
Ademais, também é verdade que as atividades potencialmente nocivas ao direito ambiental, bem como, no caso, ao direito de vizinhança e de terceiros, que impõe o dever de obediência às regras comezinhas de respeito às limitações próprias necessárias ao resguardo do bem estar social, da segurança e da incolumidade pública, devem sofrer rigorosa fiscalização por meio dos órgãos competentes da administração pública.
No caso, o agente de fiscalização do Município de Cuiabá (MT) lavrou o Auto de Infração n. 18462 em face da impetrante, em virtude da infringência ao disposto nos artigos 1º, 2º e 5º, todos da Lei Municipal n. 3.819/99.
No entanto, do ato impugnado – Auto de Infração n. 18462 (fl. 22) –, infere-se que o agente de fiscalização não registrou o som aferido de modo a enquadrar a irregularidade constatada quando da fiscalização à Tabela I da LM n. 3.819/99, conforme dispõe o art. 11, ou seja, deixou de atender requisitos de validade do ato administrativo, inclusive a possibilitar elementos para a ampla defesa.
Não bastasse, o agente de fiscalização, igualmente, deixou de registrar o grau da infração segundo a classificação contida na Tabela II da LM n. 3.819/99, conforme disciplina o art. 18, ou seja, deixou de atender mais um requisito de validade do ato em questão.
Aliás, conforme consta da sentença, os documentos trazidos pelo Município de Cuiabá (MT) não dão conta de que a medição observou o estatuído no art. 13, da LM n. 3.819/99.
Desta forma, indubitavelmente, o não atendimento de tais requisitos, acabou por repercutir na irregularidade formal do ato administrativo, retirando as presunções de veracidade e legitimidade do ato impugnado, não havendo amparo, inclusive, na alegação do Município de Cuiabá (MT) de que foi constatada atividade exercida de modo ilegal, em razão da suposta constatação de poluição sonora no local.
Importante destacar o que foi asseverado na sentença, no sentido de que a anulação do ato não tem o condão de conceder um salvo-conduto em favor da impetrante, tampouco está se reconhecendo que os eventos por ela realizados não causam qualquer tipo de incômodo aos moradores da região.
Pelo contrário, há de ser reconhecida como legítima a atuação da Administração Pública com a finalidade de fiscalizar as atividades desenvolvidas pela impetrante.
No entanto, forçoso é admitir que uma vez não observada a regularidade formal do ato, ele se torna nulo, anulando, por consequência, a atuação do Município. Neste sentido:
APELAÇÃO. Mandado de segurança. Sentença de concessão. Apelo da Municipalidade impetrada pleiteando a alteração do panorama decidido. Sem razão. Multa ambiental em decorrência da emissão de poluição sonora acima dos limites permitidos. Ausência de preenchimento integral do auto de infração no momento da aplicação da multa ora em debate. Inexistência da individualização do equipamento utilizado para a dosimetria do ruído. Preenchimento posterior que não comprova a presença de dosímetro no tempo dos fatos. Ausência de requisitos formais de legalidade do ato. Recurso desprovido.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo e, em reexame, ratifico a sentença. É como voto.