ADMINISTRATIVO. DESMATAMENTO DE FLORESTA PRIMÁRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. COORDENADAS GEOGRÁFICAS QUE INDICAM LOCALIDADE SITUADA FORA DA ÁREA DE PROPRIEDADE DO SUPOSTO INFRATOR. NULIDADE DO AUTO E DAS PENALIDADES DE MULTA E DE EMBARGO POR ELE IMPOSTAS.
I – Ainda que a propriedade rural do autuado esteja localizada nas adjacências da enorme área desmatada (179 hectares), essa circunstância, por si só, não é capaz de refutar a imputação da prática de infração administrativa ambiental, imposta àquele que pratica e se beneficia da grave infração ambiental; porquanto a imputação desta responsabilidade administrativa ambiental não pressupõe a condição de proprietário e/ou possuidor de imóvel.
II – Contudo, no caso dos autos, havendo significativas dúvidas acerca da autoria da infração não há como se lhe imputar responsabilidade pelo ilícito administrativo, devendo-se reconhecer a nulidade dos atos administrativos que lhe impuseram as penalidades de multa e de embargo de atividades.
III- Apelação desprovida. Sentença confirmada. (TRF-1 – AC: 00045524420134013603, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 12/12/2018, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 22/01/2019)
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Sinop/ MT, nos autos da ação ajuizada sob o procedimento ordinário em desfavor do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS – IBAMA, objetivando a anulação dos Autos de Infração nos 353079-D e 353080-D, do Termo de Embargo/Interdição no 298920-C, e dos respectivos processos administrativos nº 0205400110707/2004-15 e nº 02054.001097/2004-18, lavrados pelo IBAMA, em razão do desmatamento e queimada de uma área de 179,37 hectares, sem autorização do órgão ambiental competente.
O magistrado sentenciante julgou procedentes os pedidos deduzidos na inicial, sob o fundamento de que o desmatamento de mata nativa imputado ao autor pelo IBAMA não ocorreu nos limites da fazenda de sua propriedade, mas sim em outro imóvel rural que não lhe pertence.
Concluiu que não sendo o demandante o responsável pela infração ambiental, são nulos os Autos de Infração e Termo de Embargo lavrados erroneamente contra ele (fls. 475/476-v).
Em suas razões recursais (fls. 484/501), o IBAMA sustenta, em resumo, que “não existem dúvidas de que o conjunto fático-probatório corrobora que a parte cometeu a infração ambiental de destruir, incêndio e desmate da floresta objeto de especial preservação (Floresta Amazônica), sem autorização do órgão ambiental, impondo a autuação e a medida de embargo.”
Alega que “a mera expedição do CAR não significa atendimento as normas ambientais, visto que não se confunde com a indispensável e prévia licença ambiental única (LAU)”. Requer, portanto, o provimento da apelação para reformar integralmente a sentença recorrida.
Com as Contrarrazões de fls. 505/521 e o parecer da douta Procuradoria Regional da República, opinado pelo desprovimento da apelação, subiram os autos a este egrégio Tribunal.
Este é o relatório.
VOTO
A controvérsia discutida nos presentes autos versa sobre o controle de legalidade dos atos e procedimentos praticados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, no exercício do poder de polícia ambiental.
Consoante acervo documental dos autos, o autor foi autuado por duas infrações ambientais distintas: a) destruir 179,37 hectares de floresta nativa na Amazônia Legal, sem autorização do órgão ambiental competente, retratado no auto de infração nº 353079/D (artigos 70, c/c 50, da Lei nº 9.605/98; c/c artigos 2º, incisos II e VII, art. 37 do Decreto nº 3179/99); b) provocar incêndio em 179,37 de floresta nativa na Amazônia Legal, sem autorização do órgão ambiental competente, retratado no auto de infração nº 353080-D (artigos 70 c/c 41 da Lei nº 9605/98; c/c artigo 2º, incisos II e VII do Decreto nº 3.179/99 e art. 27 da Lei Federal nº 4.771/65).
Compulsando detidamente o acervo documental dos autos, algumas premissas devem ser registradas.
Primeiramente, o autor não trouxe aos autos nenhuma autorização para desmatamento e queimada para áreas de sua propriedade, porquanto todos os documentos de autorização de desmatamento, emitidos pelo IBAMA e juntados a estes autos de forma repetida, reportam-se aos anos de 1996 a 1999 (vide fls. 131/132, 134, 138, 141, 144, 147, 150, 209, 213, 217, 221, 225, 229, 233, 288/289, 291, 295, 298, 301, 304, 307), sendo que a maioria das folhas referidas se referem a cópias reiteradas de documentos.
Neste particular, também não socorre ao autuado a referida LAU (Licença Ambiental Única), obtida junto à SEMA-MT, nº 8147/2011, que só foi emitida no ano de 2011, ou seja, quase 07 anos depois da infração; sendo digno de registro que a referida licença não tem o condão de retroagir para fazer apagar infração que efetivamente existiu, no tempo e no espaço, consoante farta documentação nos autos, dentre as quais relatórios de inspeção, imagens de satélite e fotografias do desmatamento de 2004.
Em segundo lugar, a duas comunicações de queimada controlada juntadas pelo autuado (um único documento, cujas cópias foram juntadas às fls. 133, 135, 211, 215 e 290), só se limitam a declinar a autorização para queimada controlada de 449 hectares, em área de pastos já formados, razão pela qual não poderiam se referir a queimadas perpetradas para consolidar desmatamento não autorizado pelos órgãos ambientais competentes, tal como retratado nos autos de infração nº 353079 e 353080 (reproduzidos reiteradamente às fls. 71, 90, 92, 125, 127, 181, 246, 248, 282, 284), ambos lavrados para um mesmo polígono e a partir de mesma imagem de satélite e que subsidiaram o termo de embargo que recaiu sobre a exata área de desmatamento seguido de incêndio, ou seja, a área versada na autuação (vide coordenadas do respectivo termo de embargo, comparativamente às coordenadas dos autos de infração, fls. 89, com cópia reiterada às 127, 181, 245, 284).
Em terceiro lugar, assiste razão ao IBAMA quando afirma que, documentos de titulação da propriedade do autor, existentes em data anterior à autuação impugnada, NÃO TRAZEM DADOS SOBRE AS COORDENADAS GEOREFERENCIAS.
Dito de outra forma, o contrato de compra e venda de imóvel rural, por instrumento público, área denominada Fazenda Alto Xingu, bem como sua respectiva matrícula imobiliária de fls. 207/208 e 268/281, documentos lavrados em 1979 e 1996.
Já a certidão imobiliária de fls. 57/59, data de 19/04/2011, quando averbado o levantamento georeferencial da área titulada pelo autor; ou seja, averbação posterior à data da infração.
É fácil perceber que, ausentes informações seguras acerca das coordenadas georeferenciais da Fazenda Alto Xingu, o trabalho da fiscalização foi dificultado sobremaneira, dando margem para infindáveis discussões acerca da autoria da infração.
É também digno de nota que a posse e propriedade não são premissas para imputação de responsabilidade administrativa por infrações ao meio ambiente. Basta pensar no indevido desmatamento e uso alternativo de solo em terras indígenas, unidades de conservação e terras devolutas que podem ou não ser destinadas a reforma agrária.
Há que se registrar ser muito comum, na região de Amazônia Legal, a falta de titulação da posse ou propriedade de imóveis rurais, bem como a documentação de área em nome de terceiro, com vistas a evitar a imposição de sanções administrativas, penais e cíveis, relativamente ao ilícito desmatamento e irregular uso alternativo do solo.
Assim, não é raro pessoas serem utilizadas como “laranjas”, declarando-se responsáveis pelas infrações ambientais, para manter impune aquele que desenvolve atividade ilícita, beneficiando-se economicamente da exploração predatória dos recursos naturais; seja esta na ocupação ilícita de terras públicas, conhecida por “grilagem”; seja pela exploração ilegal de madeira; seja pelo desmatamento ilícito (uso alternativo do solo, nos termos do art. 3º, VI do Código Florestal), para fins de exploração econômica agropecuária.
Em apertadíssima síntese, ainda que a Fazenda Alto Xingu esteja localizada nas adjacências da enorme área desmatada (179 hectares, o que equivale a 179 campos de futebol, com grandes impactos revelados pelas fotografias de fls. 195), essa circunstância, por si só, não é capaz de refutar a imputação de responsabilidade administrativa ambiental, imposta àquele que pratica e se beneficia da grave infração ambiental.
Feitas todas estas considerações, o fato é que a infração cometida no ano de 2004, ou seja, há mais de 14 anos, apresenta sérias dúvidas acerca da sua autoria. A incerteza da autoria ficou devidamente registrada no documento de fls. 170, em termos:
O polígono da propriedade do autuado foi traçado a partir de informações fornecidas pelo próprio. Não há informações suficientes na matrícula do imóvel, para refazer os limites da fazenda.
A adesão do autor ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) data de 09/11/2012, consoante fls. 522/524, em cujo teor consta a celebração de termo de ajustamento de conduta ambiental.
Assim, não obstante os fundamentos deduzidos pelo IBAMA, mormente quanto às inúmeras teses apresentadas pelo autor, para sustentar a nulidade dos autos de infração – teses estas que não encontram acolhimento da jurisprudência que vem se firmando em matéria de infrações ambientais – a pretensão recursal da apelante não merece ser acolhida, porquanto, na hipótese dos autos, o autor logrou êxito em demonstrar sérias dúvidas acerca da autoria da infração ambiental.
Conforme se extrai do documento de fl. 168, o próprio analista ambiental do IBAMA afirmou que “observa-se pelo mapa de fl.92 e imagens de satélite georreferenciadas, que a área objeto dos autos de infração Nº 353079/D, Nº 353080/D e do Termo de Embargo e Interdição- TEI Nº 0298920/C encontra-se na adjacência dos limites da Fazenda Alto Xingu, ou seja, fora dos limites dela, segundo as informações e limites da propriedade apresentados na fl. 59. A área objeto das autuações e do embargo encontram-se mais próximas da Fazenda Dom Benjamim II”.
Assim sendo, não há como se imputar ao autor a responsabilidade por eventual desmatamento ocorrido, devendo-se reconhecer a nulidade dos referidos autos de infração e termo de embargo.
Com estas considerações, nego provimento à apelação do IBAMA, para confirmar a sentença recorrida, nos termos da fundamentação acima.
É como voto.