ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUTUAÇÃO. MULTA. PENA DE PERDIMENTO DA EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE.
A apreensão dos instrumentos do crime é medida que deve guardar proporção com o dano causado, de forma que não se apresenta razoável a apreensão da embarcação, equipamento de elevado custo, se a reparação do dano exija diminuta alocação de recursos e o autuado seja pessoa economicamente hipossuficiente.
(TRF4, AC 5036236-54.2014.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 29/09/2017).
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por MARA LUCINDA SCHEMES FERREIRA e DENIZIO FERREIRA em face do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, objetivando, em relação à autuação sofrida pela prática de pesca ilegal, a anulação da penalidade de perdimento da embarcação e demais objetos apreendidos, em razão da desproporcionalidade de tal pena.
Após regular trâmite do feito, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente a demanda, para anular a pena de perdimento da embarcação, definindo os autores como fiéis depositários da embarcação até o trânsito em julgado da sentença.
De outro lado, julgou improcedente o pleito de restituição da rede de pesca ilegal e, face à sucumbência recíproca, registrou que cada parte deve arcar com os honorários de seu próprio patrono.
Irresignado, o ICMBIO veiculou apelação, sustentando, em síntese, que a embarcação foi o meio essencial para a prática da infração, devendo esta restar apreendida, conforme determina o art. 72, IV, da Lei nº 9.605/98 e arts. 105 e 134 do Decreto nº 6.514/08.
Oportunizada a apresentação de contrarrazões recursais, o feito foi remetido a esta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação. É o relatório.
VOTO
Uma vez que concordo totalmente com o entendimento adotado pelo Juízo a quo quando da prolação da sentença combatida, peço vênia e integro, nas razões de decidir do apelo, a fundamentação constante no referido decisum, assim vertida:
[…] Verifico que os autores são pessoas humildes e que nunca cometeram uma infração ambiental. Por outro lado, não chegaram a pescar ou trazer grande prejuízo ao meio ambiente.
Neste sentido, a aplicação de multa já revela-se suficiente para educar e evitar novas infrações, devendo o perdimento da embarcação ser realizado apenas em caso de reincidência. Saliente-se que os réus obtem o seu sustento da pesca.
Por conseguinte, é possível aplicar o Princípio da Proporcionalidade, já que infração ambiental não foi grave, ficando os autores como fiéis depositários da embarcação, mantendo-se a apreensão quanto à rede, que constitui artefato ilegal. É o que vem decidindo a Jurisprudência:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PESCA COM PETRECHO PROIBIDO (COMPRESSOR). CAPTURA DE LAGOSTA. LEI 9.605/2008. INFRAÇÃO AMBIENTAL. EQUIPAMENTO E EMBARCAÇÃO APREENDIDOS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE. PROPRIETÁRIO. DEPOSITÁRIO FIEL. ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO REFERENCIADA (“PER RELATIONEM”). AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ENTENDIMENTO DO STF. 1. Cuida-se de apelação e remessa obrigatória de sentença que concedeu parcialmente a segurança pleiteada para determinar a entrega do barco e do GPS, apreendidos por agentes do IBAMA, à impetrante, que ficará na qualidade de fiel depositária, até o trânsito em julgado da decisão final no presente mandado de segurança, sob o fundamento de que a perda da propriedade da embarcação, sem que haja prova de reincidência e indícios de que venha a ser novamente utilizado para infringir a legislação ambiental, é desproporcional à ofensa ao bem jurídico protegido. 2. A mais alta Corte de Justiça do país já firmou entendimento no sentido de que a motivação referenciada (“per relationem”) não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais. Adota-se, portanto, os termos da sentença como razões de decidir. 3. “É fato que existe previsão legal para a apreensão e mesmo a alienação dos instrumentos, petrechos e veículos utilizados para a prática de infração ambiental. Com efeito, estabelece o art. 70, caput, da Lei nº 9.605, de 12.02.1998, Lei dos Crimes Ambientais, in verbis: Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. 4. “Para tais práticas, de caráter puramente administrativo, prevê a indicada lei de regência as penas, por exemplo, de multa, advertência e, também, a apreensão de veículos de qualquer natureza utilizados na infração, consoante se vê no art. 72, inciso IV”. 5. “Creio que a interpretação da referida norma, todavia, para que possa coadunar-se com a ordem constitucional, deve-se dar à luz do princípio da proporcionalidade. A perda da propriedade de um veículo, no caso, um barco, o qual foi eventualmente utilizado na prática de uma infração ambiental, sem que haja prova de reincidência e indícios de que venha a ser novamente utilizado para infringir a legislação ambiental, parece-me desproporcional à ofensa ao bem jurídico protegido”. 6. “Nada obstante, apesar de ser favorável à liberação do barco a favor da autuada, penso que, ad cautelam, tal liberação deva dar-se, com a assunção, pela impetrante, do encargo de depositária fiel, até que ocorra o trânsito em julgado do presente mandamus. Após o trânsito em julgado e sendo confirmada a concessão da segurança em favor da impetrante, esta ficará liberada do ônus de fiel depositária”. 7. “Ressalte-se que a entrega do bem apreendido em depósito é medida que foi prevista pela própria Administração, por absoluta necessidade de adequação do poder de polícia enumerado na legislação ambiental com o princípio da proporcionalidade. Desse modo, é que o Decreto nº 6.514/08, em seus artigos 105 e 1061, prevê a possibilidade de os bens apreendidos ficarem sob a guarda do próprio autuado, na qualidade de depositário fiel”. 8. “Assim, entendo ser possível a parcial concessão de segurança no sentido de que o barco e o GPS em questão sejam entregues à sua proprietária, que deverá aceitar o encargo de fiel depositária, assumindo o compromisso de não dispor do bem e de não voltar o barco a ser utilizado na prática de qualquer ato lesivo ao meio ambiente, sob pena de revogação do benefício”. 9. “Saliente-se que a liberação restringe-se ao aspecto administrativo, nada obstando que eventual processamento e julgamento no Juízo Criminal gerem ordem de constrição dos referidos bens”. Apelação e remessa obrigatória improvidas. (APELREEX 00091659320104058100, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::10/10/2013 – Página::156.)
Efetivamente, não obstante a Lei nº 9.605/98, em seu art. 72, preveja a penalidade de perdimento, dentre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, deve ser analisada a proporcionalidade de sua aplicação no presente caso.
Nesse sentido, aduziu o autor que exerce a profissão de pescador, assim como sua esposa e seu filho, tendo sido a primeira vez que vieram a sofreram uma autuação ambiental.
Ademais, os autores são representados pela Defensoria Pública da União na presente demanda, circunstância igualmente a indicar a sua hipossuficiência financeira.
Nesta situação, o perdimento da embarcação revela a desproporcionalidade do ato, tendo em vista que, embora estivesse infringindo a legislação vigente, não chegou a haver dano ambiental e tampouco figurava o autuado na condição de reincidente.
A multa aplicada pelo ICMBio é suficiente para satisfazer os objetivos da aplicação de uma sanção administrativa, quais sejam: prevenir e reprimir a violação das normas de proteção ambiental.
A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a desproporção entre o valor dos instrumentos de crimes e o dano causado não justifica a aplicação de sanção extrema:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. APREENSÃO DE VEÍCULO. LIBERAÇÃO. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ.
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- Embora exista previsão legal para apreensão do veículo utilizado na prática de infração ambiental, a medida deverá ser aplicada de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do disposto no art. 6º da Lei n. 9.605/98.
- O Tribunal de origem, na apreciação da matéria, entendeu que a referida embarcação é ferramenta de trabalho e sustento do agravado.
- O reexame das conclusões do acórdão a propósito da razoabilidade da apreensão do veículo atrai o impeditivo da Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
- Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AgRg no AREsp 498497 / CE, 2[ Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 29/05/2015)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. EMBARCAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE TERMO DE APREENSÃO. LIBERAÇÃO DE EMBARCAÇÃO UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO.
Nada há a reparar na sentença recorrida, porquanto, como bem observado, a embarcação utilizada pelo impetrante era o seu principal instrumento de trabalho, revelando-se desproporcional o ato administrativo que determinou a sua apreensão, mormente na hipótese em análise, em que não restou comprovada a formalização do termo de apreensão respectivo.
(TRF4, REOAC 5001875-51.2013.404.7101/RS, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 24/06/2015)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS. PROPORCIONALIDADE COM O DANO.
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- A apreensão dos instrumentos do crime é medida que deve guardar proporção com o dano causado, de forma que não se apresentaria razoável a apreensão de equipamento de elevado custo se a reparação do dano, acaso determinada na sentença, exija diminuta alocação de recursos.
- Recurso e remessa oficial improvidos.
(AMS nº 1998.04.01.022752-3/SC, 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relator desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 06/09/00, p. 203).
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. TERMO DE APREENSÃO E DEPÓSITO. ANULAÇÃO. LIBERAÇÃO DE EMBARCAÇÃO UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO. PRECEDENTES. Nada há a reparar na sentença recorrida, porquanto, como bem observado, a apreensão da embarcação utilizada pelo impetrante era o seu principal instrumento de trabalho, revelando-se desproporcional o ato administrativo. Nesse sentido: APELREX n.º 5000.495-61.2011.404.7101/RS, D.E. 05/11/2012; APELREX n.º 5000.429-81.2011.404.7101/RS, D.E. 21/11/2011. (TRF4, APELREEX 5001438-10.2013.404.7101, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 16/01/2014)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL HÍGIDA. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. PENA DE PERDIMENTO DA EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. DANO AMBIENTAL DE PEQUENA MONTA. 1.- O auto de infração goza de presunção de legitimidade e legalidade e não há nos autos qualquer elemento que demonstre irregularidades na sua imposição. 2.- No processo em tela, o dano ambiental não foi de grande monta, por se tratar de apenas cinco garoupas, e a pena de perdimento da embarcação mostra-se desproporcional. A multa aplicada pelo IBAMA e a apreensão dos demais petrechos (todos relacionados diretamente com a pesca) são suficientes para satisfazer os objetivos da aplicação de uma sanção administrativa, quais sejam: prevenir e reprimir a violação das normas de proteção ambiental. (TRF4, AC 5010456-54.2010.404.7200, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, juntado aos autos em 29/07/2011)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUTUAÇÃO. MULTA. QUITAÇÃO. PENA DE PERDIMENTO DA EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE. INSTRUMENTO DE TRABALHO E SUSTENTO FAMILIAR. . A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos causados, especialmente nos casos em que a embarcação apreendida constitui principal instrumento de trabalho do autor e sustento da família. Precedentes dos Tribunais. Mantida a sentença de improcedência. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5019049-33.2014.404.7200, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/11/2015)
Nesse diapasão, verifica-se que a decisão proferida pelo Juízo a quo não merece qualquer reproche, devendo ser mantida, em todos os seus termos.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
É o voto.