ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – AUTO DE INFRAÇÃO – IRREGULARIDADE – FALTA DE DESCRIÇÃO DO FATO QUE CONFIGURA INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO AMBIENTAL – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – AUSÊNCIA DE EMBASAMENTO LEGAL – RETIFICAÇÃO DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 91/06 DO IBAMA – MERA CORREÇÃO – BENEFÍCIO AO PARTICULAR 1 Por afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, padece de nulidade o auto de infração que não descreve de forma detalhada os fatos ou circunstâncias que configuram infração à legislação ambiental. 2 Defensável se mostra a tese de retroatividade da Retificação da Instrução Normativa n. 91/06 do IBAMA. Isso porque, além ser perceptível que o objetivo do administrador foi apenas corrigir a redação anterior com o propósito de direcionar a interpretação da norma ao verdadeiro interesse da Administração, convém ponderar que a nova formulação do dispositivo aparenta ser mais favorável ao particular.
(TJ-SC – AC: 20120417903 Balneário Camboriú 2012.041790-3, Relator: Luiz Cézar Medeiros, Data de Julgamento: 13/08/2013, Terceira Câmara de Direito Público)
RELATÓRIO
Ajuizada “ação anulatória de débito c/c declaratória de inexistência de relação jurídica tributária/administrativa com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de mérito” contra a Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente – FATMA, relatando que no dia 3.11.2007 foi abordado e autuado pela Polícia Ambiental do Estado de Santa Catarina por transportar espécie de camarão proveniente de pesca proibida.
Em suas razões, sustentou, em síntese: (a) “o camarão que estava adquirindo, não transportando, era o Barba Ruça, vulgo, ‘ferrinho’, e não estava enquadrado dentro dos espécimes de pesca proibida”, pois “o camarão que estava proibido para pesca (pela norma dispositiva no auto) era o sete-barbas, o qual sequer é encontrado dentro da região de pesca citada ou mesmo onde o barco/comerciante […], que também foi penalizado, atua […]”(fl. 11); (b) seis dias depois da confecção do auto houve uma Retificação na Instrução Normativa n. 91/06, sendo que nesta “o legislador deixou clara a permissão de comercialização do camarão de que o autuado foi surpreendido comprando (o barba ruça)” (fl. 12); (c) “no caso vertente o autuado ainda estava carregando caixas para pesagem e verificação, sequer tinha ocorrido o pagamento”, ademais, “o art. 3º da Instrução Normativa n. 91/2006 diz: ‘o transporte interestadual’, ou seja, para haver infração deve ser pego/autuado em rodovia, transportando a carga defesa” (fl. 17); e (d) não houve justiça na aplicação da multa, eis que “o agente autuador considerou o valor mínimo (R$ 700,00) acrescido de R$ 10,00 (dez reais) por quilo”; entretanto, “não houve pesagem da mercadoria […], surgindo da aplicação apenas uma suposição pela capacidade sugerida nas caixas” (fl. 19).
Deferido o pleito de concessão de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 56-59) sob condição de depósito prévio do valor do auto de infração.
Após a manifestação do autor (fls. 63-65), o Julgador a quo retirou o condicionamento do depósito para a concessão da medida liminar (fl. 66).
A FATMA postulou a reconsideração da decisão que deferiu o pleito de concessão de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 85-87).
Citada, a ré deixou transcorrer o prazo para contestação (fl.116)
Sentenciando o feito, o Meritíssimo Juiz julgou procedente o pedido autor, consignando no dispositivo da decisão:
“Em face do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por Aurino Antônio dos Santos contra a Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente FATMA, para o fim de ANULAR o auto de infração n 23123/A, bem como para DECLARAR inexigível a multa imposta no mesmo no valor de R$ 19.700,00 (dezenove mil e setecentos reais).
Condeno a parte requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais arbitro em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), considerando a natureza da causa, o tempo despendido da demanda, e o trabalho desenvolvido pelo causídico.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Decisão não sujeita a reexame necessário” (fl. 123).
Irresignada, a requerida interpôs apelação, aduzindo, em suma: (a) “os autos e termos de infração e embargo são atos administrativos derivados do poder de polícia da administração pública e, portanto, gozam de presunção de veracidade e legitimidade” (fl. 129); (b) “não há irregularidade no procedimento fiscalizatório infracional questionado, eis que foram observados todos os ditames legais cabíveis e aplicáveis para com a situação” (fl. 129); (c) “o Auto de Infração questionado demonstra claramente os dispositivos legais infringidos pelo autor, não só pela expressa colocação da conduta lesiva do auto, bem como pela referência legal firmada, que estabelece os critérios de fixação das multas aplicadas” (fl. 129); (d) “acerca da espécie de camarões apreendidos, tal situação foi vislumbrada pela equipe da Polícia Militar Ambiental, tendo sido, inclusive, constatada no Termo de Declaração firmado pelo próprio infrator, ora autor da ação” , ademais, “em tal termo, foi consignado que a carga do camarão em questão tratava-se da espécie ‘ferrinho’, ou seja, o camarão barba ruça, Artemisa Longinaris” (fl. 129); (e) “pode ser observado claramente pelo auto de infração em comento que a situação em testilha aconteceu em 03/11/2007, sendo assim, à época, vigorava a Instrução Normativa do IBAMA n. 91/2006, que proibia a pesca da espécie de camarão em questão” (fl. 130); e (f) a necessidade de reforma da decisão no que concerne ao valor dos honorários advocatícios.
Ofertadas contrarrazões (fls. 161-166), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça para julgamento.
VOTO
1 Trata-se de recurso de apelação por intermédio do qual se discute o acerto da decisão a quo que julgou procedentes os pleitos de anulação do Auto de Infração Ambiental n. 23123/A e de inexigibilidade da multa arbitrada no valor de R$ 19.700,00, formulados por Aurino Antônio dos Santos contra a Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente, em função da existência de vícios nas medidas administrativas realizadas pela ré quando da autuação do autor por “transportar espécimes (camarão) proveniente de pesca proibida” (fl. 27).
2 Não merecem ser acolhidas as razões explicitadas pelo órgão ambiental no presente recurso.
Depreende-se do Auto de Infração Ambiental n. 23.123, lavrado pela Companhia de Polícia de Proteção Ambiental – CPPA, que o autor foi autuado na data de 3.11.2007 pelos fundamentos a seguir transcritos:
“Descrição sumária da infração: Transportar espécimes (camarão) proveniente da pesca proibida.
Coordenadas Geográficas Lat. 27º 50′ 943” – S / Long. 048º 34′ 889” – W.
Infração de acordo com OC/O: Art. 70, Lei Fed. 9.605/98. Art. 2º, I, II, IV, IX c/c Art. 19, parágrafo único, III, Lei Fed. 3.179/99. Art. 3º, Instrução Normativa 91/2006. Valor da Multa:19.700,00″ (fl. 27).
Ora, com o intento de primar pelos direitos da parte à ampla defesa e ao contraditório, não há dúvida de que o auto de infração deveria preocupar-se com a descrição detalhada dos fatos ou circunstâncias que configuram infração à legislação ambiental. Senão impossível, a manifestação do autuado contra o ato administrativo se denota verdadeiramente difícil quando não constam no referido documento as particularidades da situação alvo de penalidade administrativa.
Dessarte, em que pese as presunções de legitimidade e veracidade de que goza o auto de infração, observa-se que, in casu, este deixou de especificar a espécie de camarão transportada pelo autor e, pois, apreendida pela Polícia de Proteção Ambiental. Essa informação mostrava-se de fundamental importância a partir da constatação da existência de vários espécimes do citado crustáceo e do fato de que cada qual possuir a sua normativa e, assim, a sua época de defeso.
Salienta-se que os dispositivos citados na autuação, especialmente o art. 3º da Instrução Normativa n. 91/2006, também não orientam o espécime de camarão apreendido e, pois, deixam de indicar as circunstâncias da infração.
Nesse pensar, cotejando os princípios postos em conflito, notória é a irregularidade do auto de infração ora discutido que, ao descrever a conduta do autor, omitiu aspectos essenciais para configurar a violação à norma ambiental.
De outro lado, ainda que se cogitasse da plenitude da defesa, tendo em vista o “Termo de Declaração” prestado pelo autuado (fl. 28) ou as razões da defesa administrativa (fls. 39-50), convém argumentar que a autuação sub judice carece de amparo legal após a Retificação da Instrução Normativa n. 91/2006 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
Partindo da premissa de que a espécie de camarão apreendida era a designada “barba ruça” (Artemesia longinaris), segundo argumentam as partes, cabe mencionar que a captura desse crustáceo era admitida às embarcações que possuíam permissão para a pesca de “camarões-rosa” ou “sete-barba”, conforme se evidencia do dispositivo da Portaria n. 97/1997 do IBAMA:
“Art. 1º Nas águas sob jurisdição nacional compreendida entre o paralelo de 18º 20′ S (limite dos Estados da Bahia com o do Espírito Santo) e a fronteira do Brasil com o Uruguai (conforme estabelecido pelo Decreto nº 75.891, de 23 de junho de 1975), a frota arrasteira que opera na captura de camarões-rosa (Penaeus paulensis, P. brasiliensis e P. subtilis) ou sete barbas (Xiphopenaeus kroyeri) e respectiva fauna acompanhante, fica limitada:
I) às embarcações, em efetiva operação, devidamente inscritas no Registro Geral da Pesca e já detentoras de Permissão de Pesca na modalidade de arrasto (camarão rosa/fauna acompanhante ou camarão sete barbas/fauna acompanhante); e
II) às embarcações, por construir ou em construção, habilitadas com Permissão Prévia de Pesca para Embarcação a Construir (PPPEC) na modalidade de arrasto (camarão rosa/fauna acompanhante ou camarão sete barbas/fauna acompanhante), desde que inscritas no Registro Geral da Pesca no prazo de vigência da PPPEC.
Parágrafo Único As embarcações camaroneiras permissionadas na forma do presente artigo, terão direito também, à captura dos camarões verdadeiro (Penaeus schmitti), santana (Pleoticus muelleri) e barba ruça (Artemesia longinaris)”. [grifou-se]
Ocorre que, a Instrução Normativa n. 91/2006 do IBAMA suspendeu a aplicação do supramencionado parágrafo único, proibindo, assim, a captura do espécime “barba ruça” durante o período de defeso estabelecido para o camarão “sete barbas”, isto é, entre 1º de agosto a 31 de dezembro, consoante se extrai:
“Art. 1º Proibir, anualmente, no período de 1º de outubro a 31 de dezembro, o exercício da pesca de arrasto com tração motorizada para a captura de camarão sete barbas (Xiphopenaeus kroyeri), na área compreendida entre os paralelos 18º 20’S (divisa dos estados da Bahia e Espírito Santo) e 33º 40’S (Foz do Arroio Chuí, estado do Rio Grande do Sul).
Parágrafo único. O desembarque da espécie mencionada no caput deste artigo, será tolerado somente até o terceiro dia útil após o início do defeso. […]
Art. 4º Suspender, a aplicação do Parágrafo único do art. 1º da Portaria IBAMA Nº 97/97, de 22 de agosto de 1997, durante o período de defeso estabelecido no art. 1º desta Instrução Normativa“. [grifou-se]
Posteriormente, entretanto, a redação original da citada instrução foi corrigida pelo IBAMA, segundo se observa do teor da Retificação:
“ONDE SE LÊ: Art. 4º: Suspender, a aplicação do Parágrafo único do art. 1º da Portaria IBAMA Nº 97/97, de 22 de agosto de 1997, durante o período de defeso estabelecido no art. 1º desta Instrução Normativa.
LEIA-SE: Art. 4º Durante o período de defeso estabelecido no art. 1º desta Instrução Normativa, permitir, à frota de arrasto que opera na captura de camarão sete barbas e respectiva fauna acompanhante, devidamente legalizada, a captura dos camarões santana/vermelho (Pleoticus muelleri) e barba ruça (Artemesia longinaris), nas áreas em que não ocorra concomitante o camarão sete barbas”. [grifou-se]
Ora, a despeito de a autuação ter sido operada antes da publicação da sobredita retificação da Instrução Normativa n. 91/2006, mostra-se perceptível que a finalidade do administrador não foi inaugurar direitos ou deveres no âmbito normativo, mas tão somente corrigir a redação anterior com o fim de direcionar a interpretação da norma ao verdadeiro interesse da Administração Pública.
Defensável, por conseguinte, denota-se a tese da retroatividade da referida correção ao texto legal, até porque, evidencia-se que a nova formulação do dispositivo aparenta ser mais favorável ou benéfica ao particular.
Nesse contexto, considerando que inexiste nos autos demonstração da situação de exclusão da permissão, ou seja, de que na área em que ocorreu a captura do camarão “barba ruça” também existia a espécie “sete barbas”, certo é que o auto de infração em testilha perdeu, claramente, o fundamento legal após a retificação da mencionada Instrução Normativa editada pelo IBAMA.
De todo o exposto, seja em razão da ausência da devida descrição das circunstâncias em que ocorreu a suposta infração ou ainda pela ausência de embasamento na legislação ambiental, é indubitável a irregularidade do Auto de Infração Ambiental n. 23123 (fl. 27), de forma que a sua anulação, bem assim a declaração de inexigibilidade da multa aplicada são medidas imperativas in casu, consoante determinado pelo Magistrado a quo na sentença recorrida.
3 Em relação ao valor arbitrado a título de honorários advocatícios, oportuno esclarecer que, cotejando os § 3º e § 4º do Código de Processual Civil e atentando-se à complexidade da ação, mostra-se apropriado manter o importe de R$ 1.500,00 fixado, sob pena de aviltar o trabalho do causídico.
4 Ante o exposto, nego provimento ao recurso.