O autor interpôs recurso de apelação contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em demanda ajuizada objetivando a anulação do auto de infração ambiental lavrado pelo ICMBio.
Isso porque, o auto de infração ambiental do ICMBio foi lavrado pelos fatos de auto de infração aplicado em data anterior pelo Instituto de Meio Ambiente – IMA.
Neste caso, prevalece o auto de infração ambiental lavrado pelo órgão estadual em razão de sua atribuição para o licenciamento ou autorização, resta prejudicada a multa ambiental aplicada por órgão fiscalizador federal com suporte fático idêntico, sob pena de bis in idem.
1. EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PENALIDADE. ICMBIO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE E DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. DESCONSTITUÍDA. NULIDADE. BIS IN IDEM.
1 – O auto de infração constitui ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade, com a admissão de prova em contrário. Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação.
2 – Hipótese em que a prova testemunhal – especialmente a oitiva do servidor responsável pelo auto de infração estadual, lavrado pelo órgão licenciador – e bem assim a prova documental juntada aos autos, dão conta de que a autuação levada a efeito pelo ICMBio tem por objeto os mesmos fatos considerados na autuação promovida pela FATMA/IMA.
3 – Nos termos dos artigos 76 da Lei nº 9.605/1998 e 17, § 3º, da Lei Complementar nº 140/2011, lavrado auto de infração ambiental por órgão estadual que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização e efetuado o pagamento da respectiva multa, resta prejudicada a multa aplicada por órgão fiscalizador federal com suporte fático idêntico.
4 – Ilidida a presunção de veracidade e legalidade da autuação lavrada pelo ICMBio, merece ser anulado o auto de infração, sob pena de bis in idem.
(TRF-4 – APL: 50019203920194047200 SC 5001920-39.2019.4.04.7200, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 09/06/2021, QUARTA TURMA)
2. LEIA O VOTO QUE ANULOU MULTA DO ICMBIO
Pretende o apelante, com este recurso, a declaração de nulidade do Auto de Infração Ambiental do ICMBio e as consequências dele decorrentes. A sentença assim julgou a ação anulatória:
Conforme bem exposto na Nota Técnica juntada aos autos, não há que se falar em dupla autuação no caso em tela, uma vez que existe um lapso temporal de mais de quatro anos entre a lavratura do auto de infração do ICMBIO e da FATMA, tratando-se, portanto, de eventos distintos, ainda que possam ser tidos por similares:
“Observa-se que existe um lapso temporal de mais de quatro anos entre a lavratura do auto de infração do ICMBio e da FATMA. O posto esteve embargado e voltou a funcionar após a emissão da Licença de Operação emitida pela FATMA. Os dados constantes do relatório da FATMA não apresentam informações sobre a origem da contaminação.
Os dados que serviram de base para a autuação da FATMA são resultantes de análises efetuadas nos anos de 2012 e 2013, ao passo que o ICMBio lavrou o auto de infração com base em análises de amostras coletadas no ano de 2011.
Do acima exposto pode-se concluir, especialmente considerando os distintos períodos que foram feitas as análises, que se trata de eventos distintos, ou seja mais de uma infração ambiental, quer seja de natureza igual ou não, contudo ocorridas em momentos diferentes, ou que se trata de infração permanente, autuada e embargada pelo ICMBio, a qual o infrator não fez cessar, sendo posteriormente autuado pelo órgão licenciador.” Assim, trata-se de eventos distintos, não havendo bis in idem.
Por outro lado, ainda que existisse dupla autuação, o que não é o caso, deve prevalecer o auto de infração do ICMBIO, pois lavrado em primeiro lugar. Observa-se que uma das autuações do ICMBIO se deu em razão de a autora não possuir licença ambiental de operação, o que foi objeto do auto de infração ambiental.
Portanto, para as atividades licenciáveis, mas não efetivamente licenciadas, prevalecerá o auto de infração primeiramente lavrado.
Por final, tendo em vista que a infração ocasionou dano à Estação Ecológica de Carijós, não há que se falar em irregularidade na atuação do ICMBIO, devendo o auto de infração ser considerado válido.
Por final, o dano à Estação Ecológica é um fato incontroverso e que não restou analisado na autuação do IMA. Assim, agiu o ICMBIO estritamente dentro de sua competência, até porque o licenciamento realizado a posteriori foi ineficiente, tendo gerado nova autuação pelo IMA. Assim, não existe fundamento legal para a anulação solicitada pela parte autora.
A despeito dos ponderáveis fundamentos invocados na origem, tenho que o decisum comporta reforma.
O auto de infração constitui ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade, com a admissão de prova em contrário.
Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação.
Compulsando os autos, percebe-se que o ente licenciador (FATMA/IMA) aplicou a penalidade pelo mesmo fato objeto da autuação pelo ICMBio.
Isso porque o depoimento do servidor do IMA – que lavrou a autuação estadual e que, portanto, esteve próximo aos fatos – deixa claro que esta não decorreu de novas ou diferentes contaminações, mas das mesmas autuadas pelo ICMBio.
No mesmo sentido foi o depoimento do engenheiro sanitarista e ambiental, da empresa de engenharia contratada para a realização de consultoria de licenciamento ambiental.
Tenho, portanto, que é aplicável à hipótese o artigo 76 da Lei nº 9.605/1998, segundo o qual:
Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
O pagamento da multa aplicada pelo ente licenciador, a propósito, está em consonância com o disposto no artigo 17 da Lei Complementar nº 140/2011:
Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§1º Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.
§2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.
§3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
Da leitura conjunta dos dispositivos, o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização e o pagamento da respectiva multa prevalecem frente a autuação e a multa correspondente aplicada pelos órgãos fiscalizadores federais. É, justamente, o que ocorreu no caso em tela.
Dessa forma, tenho que restou ilidida a presunção de veracidade e legalidade da autuação lavrada pelo ICMBio, merecendo ser anulado o auto de infração, sob pena de bis in idem. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ICMBIO. FATMA. NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO EMITIDO. HIPÓTESE DE BIS IN IDEM CONFIGURADA. 1. Hipótese em que se mantém a sentença que entendeu pela ocorrência, no caso, de dupla sanção pelo mesmo fato, tornando nula a multa fixada pelo ICMBio, em razão de ter ocorrido o chamado “bis in idem”. 2. Não tendo o apelante trazido elementos passíveis de elidir as conclusões sentenciais, nada há a reparar na bem prolatada sentença, razão pela qual se nega provimento à apelação. (TRF4, AC 5036897-33.2014.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 05/04/2018)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. IBAMA. AUTOS DE INFRAÇÃO. CULTIVO DE ARROZ EM ÁREA EMBARGADA. HIPÓTESE DE BIS IN IDEM CONFIGURADA. 1. Caso em que os autos de infração lavrados pelo IBAMA decorrem da mesma causa (cultivo de arroz em área embargada), de modo que a aplicação de sanção dupla configura o chamado bis in idem. 2. Não tendo o apelante trazido elementos passíveis de elidir as conclusões sentenciais, nada há a reparar na bem prolatada sentença, razão pela qual deve a mesma ser mantida por seus próprios fundamentos. (TRF4, AC 5009998-97.2016.4.04.7209, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 18/04/2018)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. FEPAM. DEP. NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO EMITIDO. HIPÓTESE DE BIS IN IDEM CONFIGURADA. 1. Hipótese em que se mantém a sentença que entendeu que ocorreu, no caso, dupla sanção pelo mesmo fato, tornando nula a multa fixada no segundo auto de infração, em razão de ter ocorrido o chamado “bis in idem”. 2. Não tendo o apelante trazido elementos passíveis de elidir as conclusões sentenciais, nada há a reparar na bem prolatada sentença, razão pela qual se nega provimento à apelação. (TRF4 5003827-36.2011.4.04.7101, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 19/12/2016)
Reformada a sentença para declara a nulidade do auto de infração ambiental aplicado pelo ICMBio ante a ocorrência de bis in idem.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.