A ação objetivando a anulação do Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo emitidos pelo IBAMA foi ajuizada pelo autuado sob a alegação de que a área objeto da infração não se enquadraria na definição de dunas (notadamente pela ausência de vegetação) e que as dunas não seriam área de preservação permanente, e que a área era urbanizada e o imóvel foi comprado em 1989.
Em seu pedido final requereu que fossem julgados insubsistentes o Auto de Infração Ambiental e o Termo de Embargo, arquivando-se o processo administrativo, o que foi acolhido pelo magistrado quando julgou o a ação anulatória.
Irresignado, o IBAMA apelou alegando que teria sido constatada intervenção em área de preservação permanente, composta por duna (duna frontal), onde foi retirada parte de sua cobertura vegetal (com função fixadora de duna) para construção de cerca/muro, com mourões de eucaliptos e posterior aterramento.
Também defendeu que para a aplicação de sanções de natureza civil ou administrativa, não se mostra necessária comprovação de dolo ou culpa do agente infrator, mas somente materialidade e autoria da infração, com exceção dos casos expressamente dispostos em lei.
O IBAMA ainda sustentou que a sua atuação na aplicação do Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo se deu de forma supletiva, à falta de atuação dos demais órgãos de fiscalização ambiental e pelas consequências dos seus atos ao meio ambiente local.
Por fim, o IBAMA requereu o provimento do recurso de apelação para reformar a sentença que declarou a nulidade do Auto de Infração Ambiental e do Termo de Embargo, o que não foi acolhido pelo Tribunal que manteve a sentença.
1. EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. NATUREZA ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NULIDADE.
1. Integralmente mantida a sentença, uma vez que a solução dada à lide – ao devidamente apreciar a infração como de natureza administrativa (e não cível), a qual pressupõe a responsabilidade subjetiva – encontra-se conforme aos elementos presentes nos autos e aos ditames da razoabilidade e proporcionalidade.
2. Conforme consagrado pelo E. STJ, “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”. (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012).
3. A reparação ambiental (esta sim, de natureza cível), se devida, deve ser buscada por meio de ação própria.
(TRF-4 – AC: 50222887920134047200 SC 5022288-79.2013.4.04.7200, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 09/02/2021, TERCEIRA TURMA).
2. LEIA O VOTO QUE MANTEVE A SENTENÇA DE NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO E TERMO DE EMBARGO
Merece ser integralmente mantida a sentença que declarou a nulidade do auto de infração ambiental e termo de embargo aplicados pelo IBAMA, nos termos em que fundamentada pela Juíza Federal da 6ª Vara Federal de Florianópolis:
“Inicialmente, aponto que prescindível ao deslinde da causa a complementação do laudo, conforme demais quesitos formulados pela parte autora, haja vista dizerem respeito a questões já respondidas (caracterização das dunas e da vegetação), bem como estarem esclarecidas nos documentos acostados aos autos (tal como a autorização muncipal).
O Auto de foi lavrado com a seguinte descrição da infração e, como fundamento, foi apontado o art. 43 do Decreto n. 6.514/08:
“Destruir área de preservação permanente (restinga fixadora de dunas)”.
Art. 43. Destruir ou danificar florestas ou demais formas de vegetação natural ou utilizá-las com infringência das normas de proteção em área considerada de preservação permanente, sem autorização do órgão competente, quando exigível, ou em desacordo com a obtida:
Assim como ocorre na seara penal, a tipicidade da conduta também é requisito para que se configure a infração administrativa. O agente ambiental, ao lavrar a autuação, é obrigado a informar corretamente o ato acoimado de infrator e subsumi-lo corretamente nas normas ambientais pertinentes. Vale frisar, pois, que os elementos do tipo descrito como infração administrativa devem restar configurados de forma pontual.
Sobre a coincidência de tratamento e análise da infração administrativa e penal, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais, o que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção (…)” (Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 804).
Resulta concluir que, no caso do dispositivo apontado na infração (art. 43 do Decreto n. 6.514/08), faz-se necessário que esteja comprovado que houve destruição de vegetação e também que esse ato não tenha sido autorizado pelos órgãos públicos.
A perícia realizada nos autos constatou que de fato o local se caracteriza como de preservação permanente (restinga fixadora de dunas). O imóvel da autora confronta com terreno de marinha, este livre de edificações e composto de dunas com vegetação de restinga.
Por um lado, houve constatação de remoção de vegetação de restinga para a construção de mourões na área frontal do imóvel, ou seja, nas dunas frontais. É o que se verifica pelo Relatório de Fiscalização Ambiental que embasou o auto de infração.
Igualmente, tal circunstância foi atestada na perícia realizada nos autos. A perita, baseando-se em imagem de satélite confirmou que, anteriormente à intervenção, havia vegetação de restinga (fixadora de dunas) na área.
Todavia, de outra parte, a retirada de restinga e a construção do muro deu-se em decorrência de obra de contenção (mourões de eucalipto) devidamente autorizada pelo Município.
Conforme se lê na autorização, percebe-se que, em virtude do avanço das marés naquela região, foi autorizada a obra emergencial requerida pela autora.
Inclusive estabeleceu-se, na oportunidade, o material que deveria ser utilizado na construção (eucalipto, manta geotextil, cabo de alumínio, colocação de grama), ressaltando-se que deveria se localizar junto à faixa litorânea e deveria estar limitada à metragem do terreno do imóvel.
Com efeito, a grande ressaca que assolou as praias do leste da Ilha de Santa Catarina em 2010 é fato público e notório, fartamente divulgada pela imprensa e atingindo de forma mais grave ainda a vizinha Praia da Armação.
Foi o que motivou a Prefeitura Municipal a autorizar obras emergenciais de contenção aos particulares com residências próximas ao mar, em que pesem, todavia, não serem realizadas com a melhor técnica (conforme apontado pela perita), nem terem o aval do órgão ambiental.
Não obstante a constatação de dano ambiental, não se verifica a existência da responsabilidade subjetiva pelo dano, para caracterizar a infração ambiental e autorizar a aplicação da sanção. A reparação ambiental, se devida, deve ser buscada por meio de ação própria.
Havendo licença do órgão municipal para a realização de contenção, em atendimento a apelo de moradores da região, inclusive à autora, e efetuada esta conforme o projeto autorizado, não se pode concluir pela ocorrência de infração ambiental. Portanto, deve ser declarada nula a autuação.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, declarando nulo o Auto de Infração e Termo de Embargo, lavrados em nome da autora.
Tenho que a sentença supracitada não comporta reparos, estando integralmente de acordo com o entendimento deste Regional.
A solução dada à lide – ao devidamente apreciar a infração como de natureza administrativa (e não cível), a qual pressupõe a responsabilidade subjetiva – encontra-se conforme aos elementos presentes nos autos e aos ditames da razoabilidade e proporcionalidade.
Conforme consagrado pelo E. STJ, “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”. (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012)
Outrossim, conforme bem constou da sentença guerreada, a reparação ambiental (esta sim, de natureza cível), se devida, deve ser buscada por meio de ação própria.
No caso concreto, em que se discute infração de natureza administrativa e que requer a ausência de licença do órgão municipal, não é válido o auto de infração.
Isso porque o réu ignorou a existência de licença ambiental para a realização de contenção, tendo em vista que a Prefeitura Municipal de Florianópolis autorizou obras emergenciais de contenção aos particulares com residências próximas ao mar em razão das ressacas (ou marés de tempestades) que destruíram o local.
Assim, entendo pela manutenção integral da sentença, por ter conferido à demanda solução razoável, proporcional e em conformidade com a legislação aplicável.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
3. VOTO-VISTA – RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL É SUBJETIVA
O art. 225, § 3º, da CF/88 prevê a tríplice responsabilização ambiental, estando, portanto, o causador de danos ambientais, sujeito à responsabilização administrativa, cível e penal, de modo independente e simultâneo:
Art. 225 (…) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A responsabilidade civil por dano ambiental é OBJETIVA. Por outro lado, as responsabilidades penal e administrativa são de natureza SUBJETIVA.
Com efeito, a responsabilidade por danos ambientais na esfera cível é objetiva. Isso significa, por exemplo, que, se o Ministério Público propuser uma ação contra determinado poluidor, ele não precisará provar a culpa ou dolo do réu.
Lado outro, para a aplicação de penalidades administrativas não se obedece a essa mesma lógica. A responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração.
Assim, adota-se a sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, deverá ser comprovado o elemento subjetivo do agressor, além da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, caput e § 1º, da Lei nº 6.938/81. No § 1º do art. 14 está prevista a responsabilidade na esfera cível. Lá ele fala que esta é independente da existência de culpa:
Art. 14 (…) § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Já o caput do art. 14, que trata sobre a responsabilidade administrativa, não dispensa a existência de culpa. Logo, interpreta-se que ele exige dolo ou culpa:
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios;
II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;
III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
IV – à suspensão de sua atividade.
A aplicação e a execução das penas (responsabilidade administrativa) limitam-se aos transgressores (somente podem ser aplicadas a quem efetivamente praticou a infração).
A reparação ambiental, de cunho civil, pode atingir todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, V, da Lei nº 6.938/81).
Assim, o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem.
Nesse sentido, recente pronunciamento do STJ:
A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva. A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
Assim, a responsabilidade CIVIL ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, a responsabilidade é SUBJETIVA.
STJ. 1ª Seção. EREsp 1318051/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/05/2019 (Info 650)
No caso dos autos, não se demonstrou o elemento subjetivo (dolo/culpa em degradar), além de inexistir a elementar objetiva “falta de autorização” exigida pelo tipo administrativo-penal, visto que, no caso concreto, a parte detinha a licença para a realização de contenção, expedida pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, que autorizou obras emergências de contenção aos particulares com residências próximas ao mar. Desta forma, o auto de infração, de fato, revela-se nulo.
Como bem salientado tanto pelo eminente relator quanto pelo juiz singular, a responsabilização civil ambiental (mais ampla e objetiva) está aberta à via adequada. Ou seja, o Estado (pode e deve) buscar a recomposição possível do meio ambiente, contudo limitada à análise do auto de infração, verifica-se que ele não pode subsistir.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.