DIREITO ADMINISTRATIVO. IBAMA. MULTA. AÇÃO ANULATÓRIA NA PENDÊNCIA DE EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DAS PENAS. ILEGITIMIDADE. PRETENSÃO PUNITIVA. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. Preliminar: o recorrente alega que, após o ajuizamento do executivo fiscal, a defesa deveria ser veiculada apenas pela via dos embargos à execução, meio de impugnação próprio contra a execução fiscal.
2. In casu, a parte executada pode adotar em sua defesa toda e qualquer medida ou ação judicial que entender cabível, desde que sua pretensão não esteja atingida pela prescrição/decadência ou coisa julgada. Assim, a pretensão da parte autora encontra-se amparada pelo princípio constitucional da inafastabilidade do acesso à Justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, não sendo a simples existência da possibilidade de oposição de embargos à execução situação hábil a afastar tal garantia.
3. Aliás, a possibilidade de se discutir a dívida fiscal mediante ação anulatória de débito é questão pacificada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda que, em tal hipótese, não se reconheçam os efeitos suspensivos próprios da ação de embargos à execução (REsp 1316871/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2012, DJe 24/09/2012).
4. A hipótese dos autos trata de ação anulatória objetivando a invalidação do auto de infração nº 478977/D, lavrado em 19/10/2006, cuja infração é descrita como “Promover construção em solo não edificável (área de preservação permanente), conforme Laudo Técnico IL. 10, 11 e 14 – Proc. nª 03901/04)”, encontrando-se tal condutada capitulada no art. 70 da Lei nº 9.605/98, no art. art. 51 do Decreto nº 3.179/99 e no art. 2º da Lei nº 4771/65. A multa, atualmente majorada, atinge o valor de R$ 25.900,76 (vinte e cinco mil, novecentos reais e setenta e seis centavos).
5. “Como repetidamente esclarecido, o presente feito busca a anulação da multa n.º 478977/D, lavrada em 19/10/2006, por construção em solo não edificável (área de preservação permanente) nas coordenadas 03º 46′ 390″ – S e 038º 26′ 137″ – O (id. 4058100.2157956, fl. 2), com base no Laudo Técnico nº 018/05 COLIQ/GEREX/IBAMA/CE, cuja vistoria se deu em 24/03/2005 (id. id. 4058100.2158142, fls. 9-11). Sustenta, o requerente, contudo, que não realizou qualquer obra no imóvel, que já se encontra em fase avançada de deterioração, tendo apenas adquirido sua posse no ano 2000, quando este ainda funcionava como um bar.”
6. “Primeiramente, observa-se que o imóvel em comento, denominado Barraca Nativos em Sabiaguaba, encontra-se inscrito na Secretaria do Patrimônio da União (RIP n.º 1389.0015494-60) desde 1996 em nome da ocupante Vilma Junqueira Perez, constando parcelas de taxa de ocupação, pagas e vencidas, entre 1995 e 2003 (id. 4058100.2158167, fls. 15-17). Desde o seu cadastro, em nome de terceiro, a área do terreno já era apontada como 147 metros quadrados.”
7. “Ainda, extrai-se de diversos documentos anexados aos autos, relativos a reportagens, coleta de depoimento do requerente no Ministério Público Federal e outros, que o estabelecimento do demandante no local em foco teria ocorrido somente por volta do ano de 1999, iniciando-se, somente a partir daí, o desenvolvimento de atividades voltadas à educação ambiental, que culminaram na fundação do Museu do Mangue.”
8. “Vale dizer, conquanto não haja comprovação nestes fólios da data precisa da posse do imóvel pelo autor, há um conjunto probatório demonstrando que esta somente teria ocorrido após edificação do bem, presumivelmente pela pessoa apontada no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União em 1996.”
9. “Há de ressaltar também, nesse tocante, que a própria Autarquia Ambiental não aponta qualquer elemento indicativo ou mesmo defende ter o Autor efetuado a construção objeto de autuação, ancorando-se, apenas, nas teses de que “o adquirente do imóvel é responsável pelo passivo ambiental do imóvel adquirido” e de que “um fato consumado não pode ser considerado excludente de responsabilização ambiental”.
10. “Todavia, a questão pertinente ao caso não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental. A respeito desta, a jurisprudência, entendendo ser plenamente aplicável o princípio da intranscendência das penas, não considera possível a cobrança de multa administrativa contra quem não praticou diretamente a conduta lesiva, exigindo o elemento subjetivo e o nexo causal entre a conduta e o dano.”
11. “Isto é, o demandante, ainda que tenha adquirido a propriedade do bem construído com desrespeito às normas ambientais, não deve ser punido pela conduta de terceiro contrária àquelas, embora possa ser responsabilizado civilmente pelos danos daí resultantes e mesmo pela cessação e reparação destes.”
12. “Destarte, considerando-se que o executado não praticou diretamente a conduta lesiva, patente é sua ilegitimidade para responder pela autuação em discussão.”
13. “Ressalte-se ademais que, embora os argumentos acima lançados sejam suficientes para anular o indigitado auto de infração, conduzindo, por si só, à procedência desta ação, cumpre registrar, ainda, que mesmo se considerarmos o prazo de oito anos para o exercício da pretensão punitiva no caso sub examine, estaria patente o advento da prescrição, já que o auto data de outubro de 2006 e o imóvel já se encontrava registrado na SPU desde julho de 1996, passando-se mais de 10 anos da data de registro do domínio do imóvel, podendo sua edificação, ainda, ter ocorrido bem antes desse período, tendo em vista que a ocupação da Sabiaguaba ocorreu majoritariamente nos anos 80, conforme laudo social anexado.”
14. Apelação improvida. (PROCESSO: 08165089720164058100, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL MANUEL MAIA DE VASCONCELOS NETO (CONVOCADO), 4ª TURMA, JULGAMENTO: 20/10/2020)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA contra sentença que julgou procedente pretensão formulada pelo autuado para invalidar a multa oriunda do auto de infração nº 478977/D, lavrado em 19/10/2006, cuja infração é descrita como “Promover construção em solo não edificável (área de preservação permanente), conforme Laudo Técnico IL. 10, 11 e 14 – Proc. nª 03901/04)”, encontrando-se tal condutada capitulada no art. 70 da Lei nº 9.605/98, no art. art. 51 do Decreto nº 3.179/99 e no art. 2º da Lei nº 4771/65.
Às suas razões, a recorrente alega, preliminarmente, inadequação da via processual eleita, uma vez que, deflagrada a ação de execução fiscal desde 11/04/2016, e tendo sido oportunizada a defesa, termina sendo inadequado o manejo de ação anulatória do crédito posteriormente.
No mérito, ressalta que a equipe de fiscalização do IBAMA lavrou o auto de infração nº 478977/D, com multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por promover construção em solo não edificável (Área de Preservação Permanente), e do qual se extraiu a Certidão de Dívida Ativa – CDA que aparelha a execução fiscal nº 0802527-98.2016.4.05.8100
Aduz que, segundo o laudo técnico nº 018/05 COLIQ/GEREX/IBAMA /CE, o imóvel em questão está encravado em área de preservação permanente – APP.
Destaca que, a expressão “promover construção” deve aqui ser interpretada como comportamento ou conduta de ação permanente, de forma que seja quem efetivamente construiu, mas ainda quem recebeu a posse e manteve a construção estariam praticando a infração ambiental, tal como se deu aqui.
Assevera que os deveres associados às áreas de preservação permanente e de reserva legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse e, por este motivo, não cabe falar em má-fé, culpa ou nexo causal como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa degradada.
Finaliza a sua exposição defendendo a impossibilidade de se aplicar a prescrição, uma vez que, dada a natureza da infração ambiental aqui tratada, enquanto houver intervenção na área, a conduta ilícita permanece, circunstância que impede a ocorrência da prescrição, cujo prazo só iniciará quanto cessar o comportamento ilícito.
Contrarrazões apresentadas, ocasião pela qual defende a manutenção da sentença, no que tange à anulação do auto de infração 478977/D, e, por conseguinte, a multa dele resultante, com a extinção do feito executivo nº 0802527-98.2016.4.05.8100.
É o relatório.
VOTO
De partida, observa-se que o recorrente alega, preliminarmente, que, após o ajuizamento do executivo fiscal, a defesa deveria ser veiculada apenas pela via dos embargos à execução, meio de impugnação próprio contra a execução fiscal.
Não assiste razão ao apelante.
In casu, a parte executada pode adotar em sua defesa toda e qualquer medida ou ação judicial que entender cabível, desde que sua pretensão não esteja atingida pela prescrição/decadência ou coisa julgada.
Assim, a pretensão da parte autora encontra-se amparada pelo princípio constitucional da inafastabilidade do acesso à Justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, não sendo a simples existência da possibilidade de oposição de embargos à execução situação hábil a afastar tal garantia.
Aliás, a possibilidade de se discutir a dívida fiscal mediante ação anulatória de débito é questão pacificada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda que, em tal hipótese, não se reconheçam os efeitos suspensivos próprios da ação de embargos à execução. Confira-se:
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. AÇÃO ANULATÓRIA. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PRETENSÃO CONTRA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO EXECUTIVO.
1. Cuida-se, na origem, de demanda proposta pela recorrente com a finalidade de anular crédito tributário cobrado mediante Execução Fiscal.
2. O Tribunal a quoconfirmou sentença pela extinção do processo sem resolução de mérito, sob o fundamento de que, proposta a Execução Fiscal, não mais seria cabível o ajuizamento de Ação Anulatória.
3. In casu, o pedido inicial é pela declaração de nulidade do lançamento, não se tendo veiculado pretensão pela suspensão da exigibilidade do feito executivo.
4. Inexiste óbice legal à propositura de Ação Anulatória com a finalidade de questionar judicialmente a Dívida Ativa cobrada, enquanto pendente Execução Fiscal. Precedentes do STJ.
5. Recurso Especial provido.
(REsp 1316871/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2012, DJe 24/09/2012)”
Esta Corte já decidiu no mesmo sentido, conforme evidencia o aresto em destaque:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. AJUIZAMENTO EM ÉPOCA POSTERIOR À EXECUÇÃO FISCAL EM ANDAMENTO. POSSIBILIDADE. INDEFERIMENTO DA INICIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZOA QUO. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO. – Trata-se de apelação interposta por LUIZ ROBERTO MALDONADO BARCELOS contra sentença proferida em ação anulatória de débito fiscal proposta contra a UNIÃO/FAZENDA NACIONAL, que indeferira a inicial extinguindo o processo sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir, dada a inadequação da via eleita. – Almeja o recorrente a reforma da sentença que indeferira a inicial, por falta de interesse de agir, diante da inadequação da via eleita, por entender o juízo monocrático que a via impugnativa mais adequada a ser manejada, em função da matéria e por já ter sido ajuizada a execução fiscal, seriam os embargos à execução, e que já teria havido, antes mesmo da propositura da presente demanda, a oposição dos Embargos à Execução nº 0011755-77.2009.4.05.8100, igualmente extintos sem resolução de mérito. – É entendimento pacífico do STJ e desta egrégia Corte Regional no sentido de ser plenamente cabível o ajuizamento de ação declaratória ou se natureza desconstitutiva de crédito, mesmo depois da propositura da execução fiscal. (STJ, AGARESP 31.488, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, unânime, j. 20/09/2011, DJE 26/09/2011; TRF5, AG 100.434, 2ª Turma, Rel. Des. (Convocado) Rubens de Mendonça Canuto, j. 10/11/2009, DJE 19/11/2009). – Não existem razões para o indeferimento da inicial com a consequente a extinção do processo sem resolução de mérito, por inadequação da via eleita, devendo a sentença proferida ser anulada e os autos retornarem ao juízo da 1ª Instância, a fim de ser dado seguimento ao curso do feito, à vista da impossibilidade de aplicação do art. 1.013, parágrafo 3º, I, do Código de Processo Civil de 2015, já que ainda não se formou a triangulação da relação jurídico-processual com a citação da parte demandada. – Apelação provida parcialmente.
(TRF-5 – AC: 08013336820134058100 CE, Relator: Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior, Data de Julgamento: 26/09/2017, 2ª Turma)”
Passo, doravante, à análise do mérito.
A hipótese dos autos trata de ação anulatória objetivando a invalidação do auto de infração nº 478977/D, lavrado em 19/10/2006, cuja infração é descrita como “Promover construção em solo não edificável (área de preservação permanente), conforme Laudo Técnico IL. 10, 11 e 14 – Proc. nª 03901/04)”, encontrando-se tal condutada capitulada no art. 70 da Lei nº 9.605/98, no art. art. 51 do Decreto nº 3.179/99 e no art. 2º da Lei nº 4771/65.
Com efeito, analisando o mérito recursal, reputo que não há ensejo ao acolhimento das razões lançadas pela apelante, comungando integralmente com o magistrado de primeiro grau.
Nesse passo, reproduzo adiante excerto do provimento a quo, cujas razões passam a integrar o presente voto:
“Consoante se infere do relato supra, o desate da lide perpassa, primeiramente, pela análise da prescrição e da legitimidade passiva em relação à infração que ensejou a multa aplicada.
Contudo, para analisar tais tópicos, desvela-se primordial delimitar o exato enquadramento da conduta atribuída ao Autor, já que, dependendo desta, diversos são os reflexos em relação aos temas acima mencionados.
Essa delimitação se faz necessária porque o Demandante, de um lado, alega negativa de autoria e prescrição por não ter realizado qualquer obra no imóvel, tendo apenas adquirido sua posse no ano 2000, quando ele já se encontrava registrado na Secretaria do Patrimônio da União desde julho de 1996.
Já a Autarquia Ambiental, noutro vértice, defende que, enquanto houver intervenção na área, a conduta ilícita permanece, circunstância que impede a ocorrência da prescrição.
Sustenta também, a ré, que “não prospera qualquer argumento de que o autor não foi responsável direto ou o causador originário do dano, pois quem perpetua a lesão anterior, também comete o ilícito ambiental (impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação – artigo 48 do Decreto nº 6.514/08).
Pois bem. Analisando o Auto de Infração vergastado, cuja cópia repousa nestes fólios, tem-se que a infração é descrita como “Promover construção em solo não edificável (área de preservação permanente) conforme Laudo Técnico IL. 10,11 e 14 – Proc. n.º 03901/04)”, assim classificada, segundo o mesmo Auto, no art. 70 da Lei n.º 9.605/98, no art. 51 do Decreto n.º 3.179/99 e no art. 2.º da Lei n.º 4771/65.
Tais dispositivos predicavam à época dos fatos o seguinte:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Art. 51. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (revogado pelo Decreto n.º 6.514/08) (grifamos)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
Como se observa, a infração imputada ao Autor é a de promover construção em solo não edificável, conduta a qual diverge de outras que, embora relacionadas, constituem comportamentos diversos, como impedir regeneração natural de vegetação em área de preservação permanente (art. 33 do Decreto n.º 3.179/99) ou alterar o aspecto de local especialmente protegido, no caso APP (art. 50 do Decreto n.º 3.179/99).
É dizer, a infração ambiental em foco é a construção da edificação apontada e à luz desta é que serão analisadas as questões retromencionadas.
Ultrapassado, pois, tal ponto, impõe-se verificar quando ocorreu a edificação combatida e quem a realizou.
Como repetidamente esclarecido, o presente feito busca a anulação da multa n.º 478977/D, lavrada em 19/10/2006, por construção em solo não edificável (área de preservação permanente) nas coordenadas 03º 46′ 390″ – S e 038º 26′ 137″ – O (id. 4058100.2157956, fl. 2), com base no Laudo Técnico nº 018/05 COLIQ/GEREX/IBAMA/CE, cuja vistoria se deu em 24/03/2005 (id. id. 4058100.2158142, fls. 9-11).
Sustenta, o requerente, contudo, que não realizou qualquer obra no imóvel, que já se encontra em fase avançada de deterioração, tendo apenas adquirido sua posse no ano 2000, quando este ainda funcionava como um bar.
Examinando, então, os presentes fólios, tem-se que tal alegação do autor, no sentido de não ter sido o responsável pela edificação do bem, encontra efetivamente respaldo no acervo documental colacionado pelas partes, senão, vejamos.
Primeiramente, observa-se que o imóvel em comento, denominado Barraca Nativos em Sabiaguaba, encontra-se inscrito na Secretaria do Patrimônio da União (RIP n.º 1389.0015494-60) desde 1996 em nome da ocupante Vilma Junqueira Perez, constando parcelas de taxa de ocupação, pagas e vencidas, entre 1995 e 2003 (id. 4058100.2158167, fls. 15-17). Desde o seu cadastro, em nome de terceiro, a área do terreno já era apontada como 147 metros quadrados.
Ainda, extrai-se de diversos documentos anexados aos autos, relativos a reportagens, coleta de depoimento do requerente no Ministério Público Federal e outros, que o estabelecimento do demandante no local em foco teria ocorrido somente por volta do ano de 1999, iniciando-se, somente a partir daí, o desenvolvimento de atividades voltadas à educação ambiental, que culminaram na fundação do Museu do Mangue.
Vale dizer, conquanto não haja comprovação nestes fólios da data precisa da posse do imóvel pelo autor, há um conjunto probatório demonstrando que esta somente teria ocorrido após edificação do bem, presumivelmente pela pessoa apontada no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União em 1996.
Destaque-se, ademais, que várias vezes no processo administrativo há menção ao fato do casebre encontrar-se degradado, indicando inclusive, não terem, sido realizadas obras de reparação e ampliação do imóvel.
Há de ressaltar também, nesse tocante, que a própria Autarquia Ambiental não aponta qualquer elemento indicativo ou mesmo defende ter o Autor efetuado a construção objeto de autuação, ancorando-se, apenas, nas teses de que “o adquirente do imóvel é responsável pelo passivo ambiental do imóvel adquirido” e de que “um fato consumado não pode ser considerado excludente de responsabilização ambiental”.
Sobre os argumentos defendidos pelo IBAMA, é certo que o art. 225, § 3.º, da Constituição Federal previu, ao poluidor, seja pessoa física ou jurídica, a tríplice responsabilização civil, penal e administrativa.
Também é cediço que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e solidária. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto, é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente, nos termos do art. 3º, IV da Lei n.º 6.938/81, in litteris:
Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Todavia, a questão pertinente ao caso não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.
A respeito desta, a jurisprudência, entendendo ser plenamente aplicável o princípio da intranscendência das penas, não considera possível a cobrança de multa administrativa contra quem não praticou diretamente a conduta lesiva, exigindo o elemento subjetivo e o nexo causal entre a conduta e o dano.
Abraçando esse entendimento acerca da responsabilidade administrativa por danos ambientais, vejamos o seguinte aresto da lavra do Superior Tribunal de Justiça, in litteris:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO.
1. Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental.
2. Explica o recorrente – e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado – que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto n. 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei n. 9.605/98 e 14 da Lei n. 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade.
3. A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal.
4. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental.
5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada.
6. O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.
7. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.
8. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai.
9. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
10. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual “[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
11. O art. 14, caput, também é claro: “[s]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”.
12. Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
14. Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem.
15. Recurso especial provido.
(REsp 1251697/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 17/04/2012) (grifou-se)
Também nesse tocante, a doutrina de Édis Milaré é no sentido de que “a responsabilização administrativa, ao contrário do que ocorre na esfera civil e analogicamente ao que se dá em âmbito penal (igualmente de índole repressiva), é absolutamente pessoal, não podendo o órgão administrativo punir pessoa pelo evento danoso causado por outra”.
Isto é, o demandante, ainda que tenha adquirido a propriedade do bem construído com desrespeito às normas ambientais, não deve ser punido pela conduta de terceiro contrária àquelas, embora possa ser responsabilizado civilmente pelos danos daí resultantes e mesmo pela cessação e reparação destes.
Destarte, considerando-se que o executado não praticou diretamente a conduta lesiva, patente é sua ilegitimidade para responder pela autuação em discussão.
Reforçando as razões ora apresentadas, acosta-se, ainda, o seguinte aresto elucidativo do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região:
AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. CONSTRUÇÃO DE RESIDÊNCIA UNIFAMILIAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO TRATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INFRAÇÃO IMPUTADA AO ADQUIRENTE/ATUAL PROPRIETÁRIO. CONSTRUÇÃO ANTERIOR POR TERCEIRO ESTRANHO À LIDE. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. SUBJETIVIDADE. I – Apelação e recurso adesivo de sentença que julgou procedente o pedido de nulidade do auto de infração nº 302246 – D, no tocante à cominação da pena de multa (dez mil reais), aplicada em decorrência da construção de residência unifamiliar, em área de preservação permanente, decretando a insubsistência desta. II – – Em suas razões de apelação, o IBAMA ressalta que a responsabilidade ambiental é objetiva, inexistindo vício insanável quanto à indicação da autoria da infração, sendo irrelevante o fato do infrator não ter construído a residência objeto da autuação, posto que o adquirente é parte legítima para responder pelos danos ambientais. III – Ao seu turno, em suas razões, o autor/recorrente adesivo pugna pela apreciação do seu pedido de nulidade do auto de infração, no que se refere ao termo de embargo e demolição da referida residência unifamiliar, por não existir em seu bojo imputação de tal penalidade, e por não ser a referida unidade unifamiliar poluidora. IV – O autor/apelado sofreu três autuações pelo IBAMA. A primeira registrada no auto de infração 302246- D, ora discutido, lavrado em 04.10.2006, com aplicação de multa de dez mil reais, por construir residência unifamiliar em área de preservação permanente sem licença dos órgãos ambientais competentes. Uma segunda, auto de infração 301038- D, lavrado em 31.05.2010, com aplicação de multa de cinco mil reais, por impedir regeneração natural de vegetação em área de preservação permanente (no lote de terreno da referida residência unifamilar), esse discutido nos autos da ação ordinária 0006457-27.2011.4.05.8200, onde foi declarada insubsistente. E uma terceira, auto de infração 301039 – D, lavrado em 31.05.2010, onde houve aplicação de multa de trinta mil reais, por “alterar o aspecto de local especialmente protegido – APP” (no mesmo lote de terreno da residência unifamilar). V – Diante da apreciação em sede da ação civil pública (nº. 0006628-52.2009.4.05.8200), resta prejudicada a análise da subsistência da sanção administrativa de embargo/interdição do imóvel (termo de interdição 0219019), dado que determinada na referida ACP a demolição (medida mais abrangente) das construções edificadas no Lote 01, Quadra U-14, do loteamento Cidade Balneária Novo Mundo, praia de Tabatinga, Conde/PB, imóvel a que se refere a autuação questionada nos presentes autos. VI – Na referida a ação civil pública (nº. 0006628-52.2009.4.05.8200) em apreciação nesta egrégia Corte, em grau recursal (AC 558791 PB), desta relatoria, restou assentado o entendimento de que a demolição do imóvel se impõe. Não só para devolver ao local a sua função ambiental, preservando-se os recursos hídricos, a paisagem e a estabilidade geológica, bem como para evitar/coibir mais ocupações irregulares, garantindo desse modo, a preservação ambiental do local, não só para um desfrute saudável da população que frequenta a praia, bem como para preservar a segurança de todos, face uma possível ruptura do solo ou de um involuntário desfazimento da estrutura do imóvel construído em área proibida. VII – Como visto, o cabimento ou não da demolição da referida construção e a imposição da recuperação da área degradada já estão sendo discutidas na referida ação civil pública, AC 558791 PB, sendo despicienda, nos presentes autos, a discussão sobre a validade ou não do referido auto de infração no que se refere ao termo de embargo/interdição e demolição da residência unifamiliar em questão. VIII – Em se tratando de aplicação de pena de multa em decorrência da construção de residência unifamiliar, em área de preservação permanente, apenas o construtor da edificação deverá responder por ela. É certo que a responsabilidade civil pelos danos ambientais é objetiva e integral, sendo solidária entre o causador direto e o indireto quanto à reparação da degradação ambiental em decorrência do caráter propter rem. Entretanto, tratando-se de responsabilidade administrativa (infração administrativa com aplicação de multa), caso dos autos, a responsabilidade é subjetiva, não sendo pertinente a aplicação de penalidade pela construção do imóvel em APP ao adquirente do bem, anteriormente construído por outrem. IX – “Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo). 13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois). 14. Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no parágrafo 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. 15. Recurso especial provido.”(STJ, RESP 1251697, DJE 17/04/2012, Relator Ministro Mauro Campbell Marques) X – Apelação e recurso adesivo improvidos.
(AC 0006459-94.2011.4.05.8200, Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, TRF5 – Segunda Turma, DJE – Data: 30/11/2015 – Página:63)
Ressalte-se ademais que, embora os argumentos acima lançados sejam suficientes para anular o indigitado auto de infração, conduzindo, por si só, à procedência desta ação, cumpre registrar, ainda, que mesmo se considerarmos o prazo de oito anos para o exercício da pretensão punitiva no caso sub examine, estaria patente o advento da prescrição, já que o auto data de outubro de 2006 e o imóvel já se encontrava registrado na SPU desde julho de 1996, passando-se mais de 10 anos da data de registro do domínio do imóvel, podendo sua edificação, ainda, ter ocorrido bem antes desse período, tendo em vista que a ocupação da Sabiaguaba ocorreu majoritariamente nos anos 80, conforme laudo social anexado.
Destarte, por tudo o que acima se expôs, merece prosperar a pretensão autoral de anulação do auto de infração em foco.”
Irretocável tal entendimento.
Destarte, adotando como razão de decidir a fundamentação acima referenciada, deve ser mantida a sentença proferida pelo juízo a quo.
Por tais razões, NEGO PROVIMENTO à apelação. É como voto.