AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO IBAMA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CORTE DE ÁRVORES. PENALIDADE DE MULTA. INFRAÇÃO CARACTERIZADA.
O auto de infração constitui ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade.
Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação.
Não há nos autos provas que permitam desconstituir a presunção de legitimidade e de veracidade dos atos fiscalizatórios que concluíram pela existência da infração ambiental – corte de árvores em área de preservação permanente.
Penalidade de multa arbitrada dentro dos parâmetros legais, não havendo qualquer violação aos princípios da finalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
(TRF-4 – AC: 50068842620154047100 RS 5006884-26.2015.4.04.7100, Relator: MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, Data de Julgamento: 18/09/2019, QUARTA TURMA)
RELATÓRIO
A empresa ajuizou ação ordinária contra o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, objetivando a declaração de nulidade do Auto de Infração que lhe imputou a prática do corte de árvores em área considerada de preservação permanente, fixando multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Esclareceu que em janeiro de 2006 foi contratada pela Empresa de Transmissão de Energia do Rio Grande do Sul S.A – RS Energia, Concessionária de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica, que se sagrou vencedora do Lote E do Leilão ANEEL 001/2005, para implantar, operar e manutenir a Linha de Transmissão localizada nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, com extensão de 273 km.
O objeto de seu contrato, aduziu a autora, consistia na liberação fundiária da faixa de servidão da citada linha de transmissão (atividades meramente administrativas), sendo impossível a responsabilização por atividades decorrentes da elaboração do projeto para construção do empreendimento, execução da topografia, obras civis e acessos necessários ao empreendimento, afeitas a outras empresas contratadas pela RS Energia.
Na decisão do evento 09 da origem, foi indeferido o pedido liminar que pretendia a suspensão dos efeitos do auto de infração, da exigibilidade de apresentação do PRAD, e demais consequências jurídicas como inscrição do débito em dívida ativa.
A sentença do evento 74 (autos originários) julgou procedente a ação, para o fim de reconhecer a ilegitimidade passiva da ora demandante para figurar como autuado no Auto de Infração n. 496482-D, e, consequentemente, reconhecer a nulidade da multa aplicada neste auto de infração, tudo nos termos da fundamentação.
Irresignado, o MPF interpôs apelação (evento 80). Pugnou pela reforma da sentença sustentando, em síntese, que, considerando a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos, a autora deveria ter comprovada cabalmente a ausência de sua responsabilidade, fato que não cumpriu.
O IBAMA também apelou (evento 82). Afirmou que: “não houve a produção de provas por parte da autora de que não realizou a supressão vegetal (…)”.
Após as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. No parecer do evento 05, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento das apelações.
É o relatório.
VOTO
O magistrado a quo entendeu pela irregularidade da autuação debatida e de suas consequências, utilizando-se da seguinte fundamentação:
No presente processo, assim foi descrita a infração: “Cortar árvores em 0,08 hectares de floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente” (doc. OUT4 do ev. 1).
Releva saber se o auto de infração lavrado contra a empresa autora (n. 496482-D), e que embasou o ajuizamento da presente ação, pode ser considerado válido. De se recordar, portanto, que a análise cinge-se à validade do ato administrativo de lavratura do auto de infração na data de 1ºfev.2008, tendo como base infração ambiental supostamente praticada pela autora no corte de árvores em área de preservação permanente, sem autorização.
Registre-se, desde logo, que após examinados os autos, conclui este Juízo que inexiste prova suficiente a validar, no caso em tela, a autoria da infração objeto do auto de infração lavrado contra a autora. Senão vejamos.
Extrai-se do Relatório do Inquérito Policial que apurou delitos de crime ambiental, corte de mata nativa e violação de domicílio ocorridos em 15jun.2006, a informação de que alguns proprietários de terras registraram ocorrências policiais noticiando que suas propriedades foram invadidas por funcionários da empresa RS Energia – Empresa de Transmissão de Energia do Rio Grande do Sul, os quais alegavam que umas linhas de transmissão passariam por tais locais e, mesmo sem o consentimento dos respectivos proprietários, efetuaram o corte de vegetação nativa.
Em conclusão do referido inquérito, foram indiciados a empresa RS Energia, a contratante, e a empresa ETS – Energia, Transporte e Saneamento Ltda., esta supostamente contratada para realizar o levantamento topográfico relativos à Linha de Transmissão 525kV Campos Novos – Nova Santa Rita, e consequentemente ter realizado o corte.
Em decorrência do indiciamento e da vistoria in loco realizada por técnicos do IBAMA na propriedade, a autarquia ambiental lavrou o Auto de Infração contra a empresa autora.
De acordo com o Relatório de Vistoria realizada que serviu de subsídios para elaboração de defesa do IBAMA, sobreveio as seguintes conclusões:
“Considerando que 1) foi constatado o dano ambiental; 2) os responsáveis foram identificados no Inquérito Policial nº 760/06 (delegacia de Polícia Civil de São Sebastião do Caí); e 3) a Licença Prévia nº 250/2007 é posterior ao fato ocorrido e, fundamentalmente, não autoriza supressão de vegetação (condicionante 1.4), foram lavrados os Autos de Infração nºs 496.481-D e 496.482-D em desfavor de R$ Energia – Empresa de Transmissão de Energia do Rio Grande do Sul e ETS – Energia, Transporte e Saneamento Ltda, ambas abaixo qualificadas, a primeira por ser a detentora da autorização da ANEEL para realização de estudos geológicos e topográficos da linha de transmissão em questão e responsável pela execução dos mesmos, e a segunda por tê-los executado infringindo a legislação vigente. (…)”
Ainda, houve impugnação administrativa pela empresa autora contra o auto de infração, que obteve decisão de homologação do auto de infração, “visto que autoria e materialidade restaram devidamente configuradas, conforme auto de infração epigrafado e relatório de fiscalização. o enquadramento legal e dosimetria foram adequadamente tratados nos referidos instrumentos, à luz da conduta praticada” (p. 134 do doc. PROCADM5 do ev. 1). No mesmo sentido foi a decisão do recurso administrativo (doc. OUT6 do ev. 1).
Ainda relativamente à ação penal supra mencionada, a autora acostou no ev. 58 cópia de petição da empresa RS Energia naqueles autos que resumiu o ocorrido:
“(…) A empresa ora defendente, RS Energia (…) venceu certame licitatório para instalação de linha de transmissão de energia, conforme contrato de concessão nº 005/2006, Decreto de 3 de abril de 2006, que compreende a instalação de linha de transmissão em 525KV Campos Novos – Nova Santa Rita e Resolução Autorizativa nº 953, de 12 de junho de 2007 (…).
Para instalação da linha de transmissão a empresa ora defendente firmou contratos de prestação de serviços, dentre os principais com as seguintes empresas e com os seguintes objetos:
a) ETS Energia – Energia Transporte e Saneamento LTDA. para obtenção de licença de passagem, avaliação da área, negociação com proprietários e eventual instituição de servidão administrativa; (…)
b) Polar Engenharia & Meio Ambiente LTDA. para Estudos de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), Elaboração de Plano Básico Ambiental (PBA), acompanhamento até a obtenção das Licenças Prévia (LP), de Instalação (LP) e de Operação (LO), a elaboração de Estudos Arqueológicos, bem como a Supervisão Ambiental da construção e operação da Linha de Transmissão; (…)
Diante do exposto, nota-se que o IBAMA lavrou auto de infração contra a empresa demandante a partir de registro de ocorrência policial que apurou a responsabilização da empresa com base nos contratos firmados, na qual contém a previsão de que a autora teria a atribuição de realização dos estudos topográficos na área em questão.
Devidamente impugnado o auto de infração pela empresa, o IBAMA firmou o entendimento de que fora contratada para realizar o serviço de topografia e, consequentemente, efetuou a supressão vegetal, não tendo conseguido a empresa comprovar o alegado erro de autoria.
Por sua vez, ao sentir desta Julgadora, de todo verídica a situação fática narrada pela parte autora na exordial. Isto é, não há comprovação de que a empresa autora tenha realizado a supressão vegetal que acarretou na infração objeto de discussão.
Por outro lado, não resta evidente a autoria da empresa ETS na realização da supressão vegetal, pelo contrário, há fortes indícios de que não foi a responsável pelo corte de árvores em área de preservação permanente, sem autorização da autoridade competente.
Pelo conjunto probatório é verossímil a versão apresentada pela autuada, ora autora nesta ação, mormente por ter sido lavrado o auto de infração com base em ocorrência policial, que pode não ter esclarecido devidamente a conduta da demandante, induzindo a autarquia ambiental na lavratura do auto de infração.
Até que porque percebe-se que o consórcio de empresas envolvido na instalação de linha de transmissão em análise gera uma relação contratual complexa, na qual várias empresas detêm determinadas funções.
Diante disso, a narrativa fática da parte autora é coerente, a ponto de afastar a sua legitimidade passiva para figurar como autuada por infração ambiental, diante da falta de exatidão quanto à sua autoria.
No mesmo contexto, há precedente do STJ que muito bem analisou a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade administrativa por sanção aplicada em decorrência de infração ambiental, que assim tratou:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO.
1. Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental.
2. Explica o recorrente – e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado – que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto n. 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei n. 9.605/98 e 14 da Lei n. 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade.
3. A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal.
4. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil ( CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental.
5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada.
6. O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.
7. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.
8. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai.
9. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
10. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual “[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
11. O art. 14, caput, também é claro: “[s]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”.
13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
14. Mas fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem.
15. Recurso especial provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.697 – PR (2011/0096983-6), REL. MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, JULGADO: 12/04/2012).
Dessa forma, considerando que a parte autora demonstrou inexistir nexo causal entre a conduta de supressão vegetal e a sua autoria, não pode figurar como autuado e sofrer sanção administrativa consistente na multa aplicada.
Pontue-se, não se questiona a responsabilidade da empresa vencedera da licitação, a RS Energia, a qual também foi autuada pelo IBAMA pelo mesmo fato pelo qual autuada a ora parte autora, tendo inclusive já quitado o valor da multa que lhe foi aplicada, conforme referido pelo analista ambiental do IBAMA.
Questão esta que também torna questionável a higidez da multa imposta à ora parte autora, na medida em que se entende o fato danoso – corte de árvores em área de preservação permanente, sem autorização da autoridade competente – como evento único a que deve corresponder a imposição de uma única sanção na esfera administrativa, a qual nitidamente distinta da responsabilidade penal.
Pelas razões expostas, deve ser reconhecida a ilegitimidade passiva da empresa autuada para figurar como autuado no Auto de Infração e, em consequência disso, ser reconhecida a nulidade da multa aplicada pelo IBAMA no referido auto de infração.
Compulsando os autos, porém, tenho que não há provas suficientes para desconstituir a presunção de legitimidade e de veracidade dos atos fiscalizatórios que concluíram pela existência da infração ambiental.
O auto de infração constitui ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade. Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação.
Nesse rumo, o parecer ministerial do evento 05:
A empresa autuada apenas mencionou que não foi a autora do corte irregular de árvores em área de preservação permanente, no entanto, tais alegações, desacompanhadas de material de prova nesse sentido, não retiram a certeza e veracidade dos fatos imputados como danosos ao meio ambiente.
Em suma, não restou comprovado de forma inequívoca que os fatos atribuídos à empresa e capitulados como ilícitos ambientais não teriam ocorrido, desta forma, deve prevalecer a multa originada do auto de infração, uma vez que, como dito anteriormente, goza de presunção de legalidade e veracidade.
Pontue-se que o objeto social da empresa apelada, segundo evento 18/03, p. 11, envolve explorar os ramos da engenharia civil, elétrica e agronômica, sendo apta a realizar a implantação desses planos.
Conforme Contrato de Prestação de Serviços, a ETS foi contratada para prestar serviços técnicos especializados referentes à liberação fundiária da faixa de servidão de linha de transmissão, possibitando-se a realização de serviços a instituição da faixa de servidão, a obtenção de licença de passagem e o levantamento físico.
Dessa maneira, não vislumbro razões que possam inquinar as conclusões do inquérito policial e do auto de infração.
Ao contrário, a prova testemunhal produzida e a análise do efetivo ramo de negócio da parte recorrida e das cláusulas contratuais que delimitam sua atuação na implantação, operação e manutenção da Linha de Transmissão Linha de Transmissão (LT) corroboram o acerto da conduta administrativa sancionatória, levada a efeito pelo IBAMA.
Quanto ao ponto, pois, merecem acolhimento as apelações.
Prosseguindo, a penalidade de multa foi arbitrada dentro dos parâmetros legais, não havendo qualquer violação aos princípios da finalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
Ante o exposto, voto por dar provimento às apelações.