ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. AUTO DE INFRAÇÃO. PESCA DE TAINHA EM LOCAL PROIBIDO. PENA DE PERDIMENTO DA EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos causados.
2. Hipótese em que a pena de perdimento da embarcação e demais petrechos mostra-se desproporcional, porque: (a) a multa aplicada pelo IBAMA, somada ao perdimento da mercadoria e da rede de pesca de cerco (contra o que o autor não manifestou contrariedade), são suficientes à prevenção e repressão da violação das normas de proteção ambiental, (b) o autuado não era reincidente, e (c) a apreensão da embarcação teria como consequência a inviabilidade de o autor prosseguir com o exercício de sua profissão, comprometendo sua subsistência e de sua família.
(TRF4 5006318-40.2016.4.04.7101, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 03/10/2019).
RELATÓRIO
O autor ajuizou ação de procedimento comum em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, objetivando a anulação do Auto de Infração nº 659549-E, bem como do Termo de Apreensão nº 626100-C, lavrados contra si, por pescar 1.500 kg de tainha com a embarcação denominada “Victoria Mar”, em local no qual a pesca está proibida. Subsidiariamente, requereu (a) a aplicação da pena de advertência, (b) a conversão do valor da multa em prestação de serviços, e (c) a redução da multa aplicada ao patamar de R$ 50,00 (cinquenta reais).
Após regular tramitação, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulado pelo autor:
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, resolvendo o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para confirmar a decisão que antecipou a tutela e anular apenas a penalidade de perdimento da embarcação Victoria Mar.
Tendo em vista a sucumbência recíproca, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, e condeno cada uma das partes ao pagamento de metade desse valor ao patrono daparte adversa, nos termos dos artigos 85 e 86 do Código de Processo Civil, sem compensação.
Considerando que o autor recolheu as custas processuais, revogo a decisão que lhe deferiu o benefício da assistência judiciária gratuita, mesmo por que não demonstrada a hipossuficiência.
Condeno o autor ao recolhimento de metade das custas processuais.
A parte ré, por sua vez, é isenta do recolhimento da outra metade das custas processuais, nos termos do artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/1996.
Sentença sujeita ao reexame necessário, por não haver conteúdo econômico imediatamente fixado ou mensurável na parte que foi acolhida a pretensão.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se, inclusive o Ministério Público Federal.
Rio Grande, data do evento eletrônico.
Irresignado, o IBAMA apelou, alegando que: (1) a pena de perdimento da embarcação foi corretamente aplicada, tendo em vista a impossibilidade de reparação do dano e a finalidade de obter proveito econômico; (2) o perdimento de bens é espécie de sanção administrativa ambiental que, além de reparadora, é preventiva, pois estimula o autuado a não mais delinquir; e (3) não cabe ao Judiciário substituir o administrador no exercício de seu poder discricionário acerca da conveniência e oportunidade da escolha/dosimetria da sanção a ser aplicada, sob pena de violação de competência.
Apresentadas contrarrazões recursais, o feito foi remetido a esta Corte. O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pelo desprovimento da apelação. É o relatório.
VOTO
Ao apreciar os pedidos formulados na inicial, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos:
Trata-se de ação pelo procedimento comum proposta por VINÍCIUS TROCA FERREIRA em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, postulando:(…)
a) Seja deferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se à parte requerida que se abstenha de adotar quaisquer medidas tendentes à apreensão do barco de pesca denominado “Victoria Mar”, medindo 25,24 metros, com motor de 290 HP, fabricado no ano de 1985, com matrícula na Marinha nº 443.007864-5, até decisão final a ser proferida no presente feito; (…)
e) sejam julgados procedentes os pedidos, confirmando-se a liminar, para determinar a ANULAÇÃO do ato administrativo de autuação e apreensão, anulando-se o Auto de Infração nº 659549, Série D, e o Termo nº 626100-C que os exteriorizaram, pelos vícios acima apontados;
f) subsidiariamente, seja relevada a imputação feita ao autor, aplicando-se a pena de advertência;
g) pelo princípio da eventualidade, que se converta o valor da multa em prestação de serviços, haja vista sua melhor adequação à condição econômica do demandante, bem como aos fins visados pela lei;
h) Ainda, sucessivamente, no caso de improcedência dos pedidos anteriores, a redução da multa aplicada, em consonância com os parâmetros natureza e a gravidade da conduta, e observando-se a sua precária situação econômica, reduzindo-a ao patamar de R$ 50,00 (cinquenta reais);
i) a condenação da parte ré ao pagamento de custas e honorários de sucumbência.
Narrou que foi autuado pelo IBAMA em 14/06/2012 por “pescar com a embarcação denominada ‘Victoria Mar’, 1.500 quilos de tainha, em local no qual a pesca está proibida”/ Coordenadas Geog. 28º22’22”s/48º36’41w, conforme Auto de Infração nº 659549, Série D, enquadrando sua conduta nos artigos 70 c/c 34 da Lei 9.605/98 e artigo 3º, inciso II e IV, c/c artigo 35, parágrafo único, inciso II, do Decreto 6.514/2008, além do artigo 5º, II, parágrafo único, da Instrução Normativa 171/08, resultando na aplicação da penalidade de multa no importe de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) e que também foi realizada a apreensão de 1.500 (um mil e quinhentos) quilos de tainha, 01 (um) barco de pesca denominado “Victoria Mar”, medindo 25,24 metros, com motor de 290 HP, fabricado no ano de 1985, com matrícula na Marinha nº 443.007864-5 e 01 (uma) rede de circo (traineira), conforme Termo nº 626100-C, anexo.
Disse que o Auto de Infração foi homologado, restando declarado o perdimento dos bens apreendidos, no que se inclui a embarcação da qual o autor atualmente figura como depositário.
Alegou que as penas impostas são ilegais, porque aplicadas sem qualquer prova de que o autor tenha cometido o ilícito, além de contrárias às disposições legais concernentes à dosagem de penalidades administrativas por infração ambiental e absolutamente destoantes dos princípios da individualização da pena, razoabilidade e proporcionalidade.
Afirmou que possui licença para a pesca da tainha e pescou em local permitido, pois apenas a abordagem ocorreu nas coordenadas referidas pela fiscalização ambiental.
Salientou que o perdimento da embarcação é medida desproporcional e de drásticas consequências, pois inviabiliza o exercício profissional e compromete severamente a subsistência do autor e de sua família.
Fundamentou estarem atendidos os pressupostos para a concessão do provimento liminar e anexou documentos (evento 1).
Emendada a inicial, com atribuição à causa de valor compatível com a pretensão econômica veiculada na demanda e informação sobre o pagamento das custas processuais (evento 6), foi deferida a tutela de urgência para determinar que o IBAMA mantenha o autor como depositário da embarcação até ulterior decisão judicial e restou deferido o benefício da assistência judiciária gratuita (evento 8).
Foi demonstrado o recolhimento das custas processuais (evento 9) e o cumprimento da decisão antecipatória (evento 15).
Citado, o IBAMA contestou (evento 20). Disse que a autuação se deu em virtude de ato de fiscalização que constatou a atividade irregular, pois a embarcação estava pescando em local proibido, motivo pelo qual o auto de infração deve manter-se hígido. Sustentou a licitude da autuação e sua correta tipificação. Invocou a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo, destacando que não se encontram presentes os requisitos para a concessão da liminar. Requereu a inversão do ônus da prova. Destacou a proporcionalidade da sanção pecuniária aplicada, mencionando a utilização de critérios objetivos e afirmando que se trata de grave ilícito ambiental perpetrado por réu com boa condição socioeconômica, com objetivo de obter lucro por meio da utilização de embarcação proibida com a utilização de ardil destinado à ilusão e dissimulação da fiscalização ambiental. Pontuou a impossibilidade de a multa ambiental configurar confisco, salientando que a própria realização da atividade econômica por qualquer interessado exige o respeito ao meio ambiente, consoante art. 170, inciso VI, da Constituição Federal. Acrescentou que se faz necessária a manifestação do Ministério Público Federal, porque se trata de ação em que se discute nulidade de auto de infração ambiental.
Houve réplica (evento 23).
O Ministério Público Federal requereu a intimação da autarquia ré, para que junte aos autos todos os documentos que instruem e consubstanciam o auto de infração objeto da demanda, bem como as imagens fornecidas pelo PREPS, além de eventuais fotografias e outras provas de que dispuser acerca do fato que deu origem à autuação (evento 28), pedido acolhido pelo Juízo (evento 30).
O IBAMA apresentou a íntegra do procedimento administrativo (evento 33) e foi oportunizada a manifestação da parte contrária (evento 37). O Ministério Público Federal opinou pela improcedência dos pedidos (evento 38).
Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Passo a decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
O Auto de Infração n° 659549-D, lavrado em 14/06/2012, aponta que o autor estava pescando tainha em local onde a pesca é proibida, restando, assim, incurso nas penalidades dos artigos 34 e 70 da Lei nº 9605/98; art. 3°, II e IV, c/c art. 35 do Decreto nº 6.514/08; e art. 5°, II e parágrafo único, da Instrução Normativa do IBAMA nº 171/08.
A legislação que embasa o auto de infração, no que interessa ao presente feito, diz o seguinte:
– Lei nº 9.605/1998
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:
Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I – pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;
II – pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;
III – transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.(…)
– Decreto nº 6.514/2008:
Art. 3o As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).(…)
Art. 35. Pescar em período ou local no qual a pesca seja proibida:
Multa de R$ 700,00 (setecentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), com acréscimo de R$ 20,00 (vinte reais), por quilo ou fração do produto da pescaria, ou por espécime quando se tratar de produto de pesca para uso ornamental. (…)
– Instrução Normativa do IBAMA nº 171/08:
Art. 5º Permitir a pesca de tainha de acordo com os seguintes critérios:(…)
II – Acima de 05 (cinco) milhas náuticas às embarcações permissionadas com arqueação bruta superior a dez, na costa dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina; e, (…)
Parágrafo único. São consideradas como referências, as linhas de base reta, estabelecidas pela Lei nº 8.617/1993 e os limites territoriais dos estados, nas águas sob jurisdição brasileira, para fins de monitoramento, gestão pesqueira e controle de operações da frota pesqueira, estabelecidos pela Instrução Normativa IBAMA nº 122, de 18 de outubro de 2006.
Foram apreendidos 1.500 (um mil e quinhentos) quilos de tainha, 01 (um) barco de pesca denominado “Victoria Mar”, medindo 25,24 metros, com motor de 290 HP, fabricado no ano de 1985, com matrícula na Marinha nº 443.007864-5 e 01 (uma) rede de cerco (traineira). O autor foi nomeado como depositário da embarcação até ulterior decisão judicial (evento 8).
O auto de infração lavrado pelo IBAMA possui expressa fundamentação legal e a adequação da conduta ao tipo previsto em lei enseja a presunção de legalidade do ato, a qual poderia ser elidida por prova em contrário, não produzida no presente feito.
Nessa perspectiva, o pleito de anulação do processo administrativo e da penalidade imposta em razão de suposta falta de motivação esbarra nas provas carreadas ao feito por meio da juntada de cópia integral do processo administrativo. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. CONTRATOS. INTERESSE PÚBLICO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, o que significa afirmar que se a Administração Pública se submete à lei, presume-se, até prova em contrário, que todos os seus atos sejam verdadeiros e praticados com observância das normas legais pertinentes. (TRF4, AG 5007908-20.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 24/05/2013).
O autor alega que possui licença para a pesca da tainha e que não estava pescando em local proibido, mas apenas foi abordado em localização na qual a pesca é proibida.
Entretanto, o monitoramento da embarcação Victoria Mar pelo Programa de Rastreamento de Embarcações – PREPS demonstra movimentação compatível com a prática da pesca apenas em localização onde a pesca da tainha é proibida (evento 33, PROCADM2), ou seja, dentro das 05 (cinco) milhas náuticas contadas da linha de base, onde a pesca é proibida pela legislação vigente, não tendo o autor logrado demonstrar o contrário, ônus que lhe competia.
Quanto à impugnação da quantidade de pescado apreendida, conforme consta do Relatório de Apuração de Infração Administrativa Ambiental (evento 33), o pescado apreendido foi quantificado por meio de vistoria do porão da embarcação, e informação dada pelo mestre da embarcação e constante do Mapa de Bordo, não tendo a parte autora feito qualquer prova acerca do alegado erro.
No que diz respeito à fixação do valor da multa, tenho que foram observados os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade.
O artigo 4º do Decreto nº 6.514/2008 prevê o seguinte acerca da dosimetria das multas:
Art. 4o O agente autuante, ao lavrar o auto de infração, indicará as sanções estabelecidas neste Decreto, observando: (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
I – gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e
III – situação econômica do infrator.
A multa foi fixada no valor de R$ 35.000,00, sendo o valor-base de R$ 5.000,00 (sendo de R$ 700,00 o seu patamar mínimo) com o acréscimo de R$ 20,00 por quilograma de pescado apreendido, constando como circunstância atenuante o fato de ter havido colaboração com a fiscalização e não tendo, por outro lado, as circunstâncias agravantes de abuso de licença, permissão ou autorização ambiental e de intuito de obtenção de vantagem pecuniária majorado o valor da penalidade aplicada.
A respeito da condição econômica do autor, conforme já foi referido na decisão do evento 3, ele qualificou-se na inicial como armador de pesca, mas não trouxe aos autos comprovante de rendimentos, não comprovando a alegada condição de hipossuficiência mesmo quando isso lhe foi oportunizado, tendo, inclusive, recolhido as custas processuais.
Entendo, portanto, ser adequada e proporcional a fixação da multa no montante em que aplicada, tendo em vista a gravidade da infração descrita e a quantidade de pescado apreendido. Ressalto que a gravidade dos fatos está implícita na própria descrição contida no auto de infração, inexistindo a alegada nulidade por ausência de motivação.
Ainda, o pedido de substituição da pena de multa aplicada na via administrativa por pena de advertência ou prestação de serviços à comunidade é improcedente, na medida em que se trata de questão a ser analisada pela autoridade administrativa, estando esta adstrita aos critérios de conveniência e oportunidade, competindo ao Judiciário limitar-se à análise da legalidade dos atos administrativos.
Tampouco pode ser acolhida a alegação de que há omissão do órgão ambiental no cumprimento de seu dever de promover a educação ambiental, vez que atuou dentro do seu legítimo poder de polícia ao autuar a embarcação que praticava pesca em local proibido, não podendo o autor alegar desconhecimento da legislação de regência.
Registro, outrossim, que as alegações sobre a falta de condições financeiras do administrado para arcar com a multa aplicada não são suficientes para afastá-la, pois eventual situação de pobreza não justifica o cometimento de infrações ambientais.
Por fim, consigno que o perdimento da embarcação revela-se desproporcional na hipótese, na medida em que, embora estivesse infringindo a legislação vigente, o autor não era sequer reincidente, sendo a multa aplicada pelo IBAMA, aliada ao perdimento da mercadoria e da rede de pesca de cerco (contra o que o autor sequer manifestou contrariedade), suficiente para satisfazer os objetivos da aplicação de uma sanção administrativa, quais sejam: prevenir e reprimir a violação das normas de proteção ambiental, devendo-se considerar, ainda, que, como apontado na inicial, a apreensão de sua embarcação, caso efetivada, teria como consequência simplesmente a inviabilidade de que o autor prosseguisse com o exercício de sua profissão, comprometendo dramaticamente a sua subsistência e de sua família, do que não se pode cogitar em situação como a tratada neste feito.
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUTUAÇÃO. MULTA. APREENSÃO DE VEÍCULO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. – A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos. – Hipótese em que, já tendo o autuado sido penalizado com o pagamento de multa e perdimento da mercadoria, bem como se tratando o caminhão de instrumento de trabalho e de sustento da família do autor, desproporcional manter o perdimento do veículo utilizado na prática da infração ambiental. (TRF4, AC 5000983-38.2015.4.04.7210, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 04/08/2016)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUTUAÇÃO. MULTA. PENA DE PERDIMENTO DA EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE. A apreensão dos instrumentos do crime é medida que deve guardar proporção com o dano causado, de forma que não se apresenta razoável a apreensão da embarcação, equipamento de elevado custo, se a reparação do dano exija diminuta alocação de recursos e o autuado seja pessoa economicamente hipossuficiente. (TRF4, AC 5036236-54.2014.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 29/09/2017)
Por essas razões, devem ser julgados parcialmentes procedentes os pedidos formulados na inicial.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, resolvendo o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para confirmar a decisão que antecipou a tutela e anular apenas a penalidade de perdimento da embarcação Victoria Mar.
Tendo em vista a sucumbência recíproca, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, e condeno cada uma das partes ao pagamento de metade desse valor ao patrono daparte adversa, nos termos dos artigos 85 e 86 do Código de Processo Civil, sem compensação.
Considerando que o autor recolheu as custas processuais, revogo a decisão que lhe deferiu o benefício da assistência judiciária gratuita, mesmo por que não demonstrada a hipossuficiência.
Condeno o autor ao recolhimento de metade das custas processuais.
A parte ré, por sua vez, é isenta do recolhimento da outra metade das custas processuais, nos termos do artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/1996.
Sentença sujeita ao reexame necessário, por não haver conteúdo econômico imediatamente fixado ou mensurável na parte que foi acolhida a pretensão.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se, inclusive o Ministério Público Federal.
Rio Grande, data do evento eletrônico.
A tais fundamentos não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador.
Com efeito, quando se trata de apreensão de instrumentos, petrechos, equipamentos e veículos utilizados na infração, deve-se atentar para o postulado da proporcionalidade, sempre que a sanção se revelar manifestamente excessiva, quando confrontada com a gravidade da infração cometida.
No caso em exame, conforme o Auto de Infração nº 659549-E, o autor foi autuado por pescar 1.500 kg de tainha, com a embarcação denominada “Victoria Mar”, em local no qual a pesca está proibida (PROCADM2 do evento 20 dos autos originários, p. 02). Constatada a infração ambiental, a parte autora foi multada em R$ 35.000,00, além de ter havido a apreensão da embarcação e demais petrechos (PROCADM2 do evento 20 dos autos originários, p. 06).
Assim, não obstante tenha sido apreendida quantidade considerável de tainha, partilho do entendimento do juízo a quo no sentido de que a pena de perdimento da embarcação revela-se desproporcional. Isso porque (a) a multa aplicada pelo IBAMA, somada ao perdimento da mercadoria e da rede de pesca de cerco (contra o que o autor não manifestou contrariedade), são suficientes à prevenção e repressão da violação das normas de proteção ambiental, (b) o autuado não era reincidente, e (c) a apreensão da embarcação teria como consequência a inviabilidade de o autor prosseguir com o exercício de sua profissão, comprometendo sua subsistência e de sua família.
Nos termos do parecer emitido pelo insigne Representante do Ministério Público Federal:
A retenção da embarcação “Victoria Mar” somente se justificaria em casos onde a posse em si do aludido bem constituísse crime, ou ainda quando apenas utilizado para a prática de infração ambiental. Não são estas as hipóteses dos autos. No caso presente, a apreensão deu-se ao fundamento de que a pesca estava ocorrendo em local onde proibida tal prática.
É certo que a apreensão da embarcação utilizada para a prática de infração ambiental encerra medida que encontra amparo na legislação de regência. Entretanto, a orientação jurisprudencial dominante estabelece que, em se tratando de matéria ambiental, o veículo transportador somente é passível de apreensão na forma do caput do art. 25 da Lei nº 9.605 /981 , senão quando caracterizado como instrumento de uso específico e exclusivo em atividade ilícita – o que, reitere-se, parece não ser a hipótese sob análise.
Insta observar, ainda, que a sentença manteve a multa no valor de R$ 35.000,00, bem como a apreensão de 1.500 quilos de pescado e dos petrechos de pesca. Outrossim, ausente prova que o apelado seja pescador contumaz na prática da infração noticiada, sem notícia de reincidência. Destarte, sobressai desproporcional a apreensão da embarcação, uma vez que se trata de único meio de subsistência da família do apelado (armador) e que pode ser utilizada licitamente em suas atividades quotidianas.
Ademais, a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça e deste TRF da 4ª Região tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos causados, especialmente nos casos em que o veículo apreendido constitui principal instrumento de trabalho do autuado:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. APREENSÃO DE VEÍCULO. LIBERAÇÃO.CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ.1. Embora exista previsão legal para apreensão do veículo utilizadona prática de infração ambiental, a medida deverá ser aplicada de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do disposto no art. 6º da Lei n. 9.605/98.2. O Tribunal de origem, na apreciação da matéria, entendeu que a referida embarcação é ferramenta de trabalho e sustento do agravado.3. O reexame das conclusões do acórdão a propósito da razoabilidade da apreensão do veículo atrai o impeditivo da Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.4. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no AREsp 498.497/CE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/5/2015, DJe 29/5/2015 – grifei)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. AUTUAÇÃO. MULTA. PENA DE PERDIMENTO DE VEÍCULO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos causados, especialmente nos casos em que o veículo apreendido constitui seu instrumento de trabalho. 2. Sentença reformada em parte. (TRF4, AC 5006392-93.2018.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 19/06/2019)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. AUTUAÇÃO. MULTA. QUITAÇÃO. PENA DE PERDIMENTO DE VÉICULO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos causados, especialmente nos casos em que o veículo apreendido constitui seu instrumento de trabalho 2. Mantida a sentença de improcedência. (TRF4, AC 5004894-51.2016.4.04.7007, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 23/11/2017)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. TRANSPORTE DE PESCADO CONGELADO SEM COMPROVAÇÃO DE ORIGEM EM PERÍODO DE DEFESO. AUTUAÇÃO. MULTA. APREENSÃO DE VEÍCULO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. – O auto de infração constitui ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade. Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação. – Inexistindo elementos consistentes a demonstrar a existência de nulidade no processo administrativo, não há se falar na invalidade do auto de infração referente à capitulação da infração, ou então à desobediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa. – A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos. – Hipótese em que já tendo o autuado sido penalizado com o pagamento de multa em valor bastante superior ao das mercadorias apreendidas, desproporcional manter o perdimento do veículo utilizado na prática da infração ambiental. (TRF4, AC 5003547-62.2016.404.7110, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 02/06/2017 – grifeil)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUTUAÇÃO. MULTA. APREENSÃO DE VEÍCULO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. – A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a apreensão de equipamentos decorrentes da situação de infração ambiental deve ser observada na proporção dos danos. – Hipótese em que, já tendo o autuado sido penalizado com o pagamento de multa e perdimento da mercadoria, bem como se tratando o caminhão de instrumento de trabalho e de sustento da família do autor, desproporcional manter o perdimento do veículo utilizado na prática da infração ambiental. (TRF4, AC 5000983-38.2015.404.7210, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 04/08/2016 – grifei)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. EMBARCAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE TERMO DE APREENSÃO. LIBERAÇÃO DE EMBARCAÇÃO UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO. Nada há a reparar na sentença recorrida, porquanto, como bem observado, a embarcação utilizada pelo impetrante era o seu principal instrumento de trabalho, revelando-se desproporcional o ato administrativo que determinou a sua apreensão, mormente na hipótese em análise, em que não restou comprovada a formalização do termo de apreensão respectivo. (TRF4 5001875-51.2013.4.04.7101, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 24/06/2015)
À vista de tais fundamentos, deve ser mantida a sentença que anulou a penalidade de perdimento da embarcação, em razão da desproporcionalidade da medida.
Restando desacolhido o recurso de apelação, majoro em 1% (um por cento) os honorários advocatícios fixados na sentença, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, em obediência ao §11 do art. 85 do Código de Processo Civil.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.