Depois de ter sido autuada pelo IBAMA, a empresa ajuizou ação declaratória de nulidade do Auto de Infração Ambiental lavrado por violar área de proteção ambiental considerada de preservação permanente.
A ação foi julgada procedente, pois amparada em laudo pericial que reconheceu a existência de equívoco na atuação do IBAMA, que teria confundido bacia de detenção de água com nascente.
O IBAMA não recorreu, mas tendo em vista que a sentença foi desfavorável à Fazenda Pública, os autos são enviados de ofício ao Tribunal, por força do reexame necessário para confirmar a decisão que anulou o auto de infração ambiental.
Para melhor explicar, pode-se dizer que a remessa necessária é um recurso, por meio do qual se procede de ofício um duplo grau de jurisdição as sentenças proferidas contra os entes federados, suas autarquias e fundações públicas.
É exatamente esse o caso aqui tratado, porquanto a sentença, por ter sido declarado a nulidade do auto de infração ambiental aplicado pelo IBAMA, foi remetida ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeitos senão depois de confirmada pelo Tribunal.
1. LEIA O VOTO QUE MANTEVE A SENTENÇA QUE ANULOU AUTO DE INFRAÇÃO DO IBAMA
Trata-se de reexame necessário da sentença que declarou a nulidade do Auto de Infração Ambiental, levado a efeito pelo IBAMA contra a empresa autuada. Eis o teor da conduta infracional imputada à autora pelo Auto de Infração impugnado:
Destruir, (danificar. desmatar), florestas ou demais formas de vegetação considerada de preservação permanente próxima a nascentes.
De acordo com a tese da empresa autuada, o ato administrativo seria nulo, pois a vegetação retirada de sua propriedade estaria amparada por autorização do Instituto Ambiental do Paraná – IAP, a qual teria sido emitida somente após a realização de prévio projeto elaborado por engenheiro florestal devidamente filiado ao conselho de classe competente.
Além do que, a área considerada como nascente de água, vistoriada durante período de chuvas, em verdade, seria área ponto de infiltração de águas pluviais que, por sua vez, não é destinatária de proteção pela legislação ambiental.
As matas ciliares de rios, lagoas e nascentes, com efeito, são fundamentais para o equilíbrio do meio ambiente, na medida em que protegem e mantém os recursos hídricos, servindo ainda de habitat a inúmeras espécies de vegetais e animais, daí a sua especial proteção pela legislação ambiental, e a legitimidade das ações fiscalizatórias promovidas pelos órgãos competentes para o fim de coibir e reprimir condutas lesivas a este patrimônio natural.
Entretanto, no caso em análise, após a realização de exaustivo laudo pericial elaborado por expert nomeado pelo Juízo – que teve a participação de assistentes técnicos florestais de ambas as partes, chegou-se à conclusão de que a área indicada como violada no Auto de Infração, em verdade, classifica-se como bacia de infiltração de águas pluviais, não sendo considerada área de preservação permanente.
Não obstante, restou também verificado que as áreas exploradas pela autora possuíam a devida autorização pelo IAP, e que a área de reserva legal da propriedade, assim como as áreas de preservação permanente estão conservadas, e que não há vestígio de antropização nas margens dos córregos e nascentes existentes na propriedade.
Desta feita, não há negar que os fatos descritos no auto de infração não correspondem à realidade, tendo sido plenamente demonstrado nos autos que não houve degradação de mata ciliar de nascentes, ou qualquer ofensa ao meio ambiente, e que a área considerada como violada pelo IBAMA trata-se, em verdade, de bacia de detenção das águas da chuva, tudo a corroborar a tese defendida na inicial pela parte autora.
Assim, merece ser integralmente mantida a sentença proferida na origem pelo Juiz Federal, que apurou cabalmente o equívoco havido na autuação promovida pelo IBAMA.
Ademais, a ausência da interposição de recurso voluntário pela Autarquia, a meu sentir, demonstra conformidade ao entendimento sobre a nulidade Auto de Infração reconhecido na origem, e ora mantido por esta Corte.
Por muito bem lançada, transcrevo parte da fundamentação da sentença objeto do presente reexame necessário:
“A perícia judicial foi realizada, e o perito, corretamente, seguiu as coordenadas geográficas apontadas no Auto de Infração para chegar aos locais das supostas nascentes.
Após diferenciar os conceitos de área de escoamento superficial, nascentes e bacias de detenção, destacou que fez a vistoria em dia propício para a localização de nascentes de água, pois havido alto índice pluviométrico na região nas vésperas dos trabalhos, o que se pode confirmar, inclusive, com as fotos que juntou, demonstrando o acúmulo de água em alguns pontos da estrada.
Sustentou que em consequência das chuvas ocorridas até aquela data, conforme os dados oficiais, com índice de precipitação representando uma pluviometria proporcional 125% maior do que a registrada em anos anteriores, as nascentes existentes, mesmo que classificadas como intermitentes, deveriam apresentar, ao menos, um espelho d’água.
Asseverou que nos pontos indicados no auto de infração essa situação não se caracterizou, sendo que as áreas apresentam vegetação atípica se comparada com as florestas da propriedade, exatamente pelo fato de serem áreas classificadas como bacias de detenção, locais nos quais apenas em dias de muita chuva há acumulação de água, que penetra no lençol freático, podendo propiciar a existência de nascentes de encosta, abaixo do ponto de infiltração, nunca no local do acúmulo, não sendo consideradas áreas de preservação permanente.
Confirmou que tanto a área de reserva legal da propriedade quanto as áreas de preservação permanente estão conservadas, sendo que “as margens de córregos, nascentes e lagoas mantém sua mata ciliar integral, não mostrando nenhuma antropização”.. Concluiu que na propriedade apenas as áreas autorizadas pelo IAP foram exploradas.
Em resposta aos quesitos do juízo, o perito afirmou: que não houve destruição de cobertura vegetal em áreas de preservação permanente nos últimos anos (quesito 2); que existem diversas nascentes de água nas áreas de preservação permanente, todas íntegras (quesitos 4 e 5); que não encontrou indícios de exploração humana nas áreas de preservação permanente da propriedade; e que a área compreende muitos pontos de acúmulo de águas pluviais, em decorrência das características topográficas do terreno.
Respondendo ao quesito da autora, afirmou:
Os pontos apontados pelo Auto de Infração correspondem a Bacias de Detenção, ou seja, são áreas que recebem e acumulam água de precipitação pluviométrica e, posteriormente essas águas infiltram-se ao solo.
Como pode ser observado pelas imagens apresentadas, mesmo com o alto nível de precipitação ocorrido em dias anteriores à perícia, o solo encontrava-se apenas úmido não apresentando nenhuma característica de afloramento d’água no local.
Sendo uma bacia de detenção, a área não é caracterizada como de Preservação Permanente, portanto podendo ser utilizada quando autorizado pelo órgão ambiental, tal como ocorreu na propriedade.
O assistente técnico da Autarquia Ambiental confirmou que os locais analisados na perícia são os mesmos da autuação e não conseguiu, no entender deste juízo, infirmar as conclusões do Perito Judicial.
2. Conclusões
O laudo pericial elaborado em juízo confirma veementemente a tese da autora.
A alegação do IBAMA, na oportunidade da segunda vistoria, de que a área – embora seca na época, por se tratar de longo período de estiagem – apresentava fortes indícios de conter nascentes e veredas – o que confirmaria a autuação – não pode prosperar, pois a vistoria técnica da perícia judicial foi realizada em período de alto índice pluviométrico, inclusive acima do normal para a região, como consignou o Perito Judicial, e as características de nascentes não foram constatas na ocasião.
Importante ressaltar que da fiscalização resultaram dois Autos de infração. O primeiro é relativo à área de desmate excedente à autorização do IAP e o segundo refere ao desmate da Área de Preservação Permanente ao redor das nascentes, nos termos do relatório de fiscalização.
Assevero que somente o segundo Auto de Infração foi objeto da presente demanda, que, inclusive, tem seu valor limitado à multa aplicada em decorrência deste.
Assim, com base no conjunto probatório, comprovado o equívoco dos agentes autuantes, consistente em confundir bacias de detenção com nascentes. Como corolário, deve ser declarado nulo o auto de infração.
3. Dispositivo
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, para confirmar a antecipação dos efeitos da tutela e declarar nulo o Auto de Infração Ambiental emitido pelo IBAMA.
Condeno o IBAMA ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, bem como ao pagamento dos honorários periciais e custas adiantados pela autora.
Não há custas a serem ressarcidas, salvo as adiantadas pela autora, porque a ré possui isenção legal, de acordo o artigo 4°, inciso I, da Lei n° 9.289/96.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial.
4. EMENTA
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ANULAÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA. AUTO DE INFRAÇÃO DO IBAMA. COMPETÊNCIA. LICENÇA DE OPERAÇÃO. EXIGÊNCIA. FIXAÇÃO DA MULTA. DEFICIÊNCIA DA MOTIVAÇÃO. 1. A exploração da atividade potencialmente poluidora somente pode ocorrer após a concessão da licença. 2. São autoridades competentes para lavrar o auto de infração ambiental, nos termos do art. 70, § 1º da Lei nº 9.605/98, os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. 3. Há nulidade parcial do auto de infração quando a multa aplicada está deficientemente motivada. 4. Improvimento da apelação da parte autora. Parcial provimento da apelação do réu.
(TRF-4 – AC: 50048372420114047002 PR 5004837-24.2011.4.04.7002, Relator: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Data de Julgamento: 29/02/2012, TERCEIRA TURMA)