AMBIENTAL. APELAÇÃO. NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO IBAMA. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO COM O ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL. SENTENÇA MANTIDA.
1. Embora a atuação do IBAMA tenha sido legítima, com base em sua competência fiscalizatória comum, a autuada já se encontrava em processo de regularização perante o órgão ambiental estadual, o qual foi iniciado por iniciativa da própria empresa junto à FATMA, antes da lavratura do auto de infração pelo órgão federal.
2. O § 3º, do art. 17, da Lei Complementar n. 140/11, dispõe que prevalece o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização do empreendimento ou atividade, o qual, neste caso, é a FATMA. No mesmo sentido, o art. 76, da Lei n. 9.605/98, estabelece que o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
3. Considerando-se a prevalência do auto de infração lavrado pela FATMA e que foi celebrado TAC com o órgão ambiental estadual a respeito da conduta nele descrita, a Administração exerceu a tutela do meio ambiente por meio do acordo firmado depois da autuação.
4. Apelação desprovida. (TRF4, AC 5003132-86.2015.4.04.7216, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 16/09/2022)
RELATÓRIO
Trata-se de ação anulatória, com pedido de antecipação de tutela, proposta por Lago Pesca Indústria e Comércio de Pescados Ltda. em face de Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA a fim de que seja reconhecida a nulidade de auto de infração e de termo de suspensão e apreensão lavrado pelo órgão ambiental.
A sentença julgou procedentes os pedidos:
III. DISPOSITIVO.
Ante o exposto, confirmo a liminar deferida em parte no evento 03 e JULGO PROCEDENTES os pedidos, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade do Auto de Infração nº 9063765-E, do Termo de Suspensão nº 35744-E, do Termo de Apreensão nº 35749-E e do Termo de Depósito nº 35750-E, tornando-se sem efeito todos os atos deles decorrentes, inclusive a multa aplicada ao autor.
Condeno o IBAMA ao ressarcimento das custas iniciais e ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte autora, ora fixados em 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, §2º, do Código de Processo Civil.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Na hipótese de interposição de recurso, deverá ser intimada a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetidos os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O IBAMA interpôs apelação, alegando que:
(i) o auto de infração é legítimo e conta com presunção de veracidade não desconstituída pela parte autora, pois a autuação foi realizada em conformidade com as normas vigentes;
(ii) o poder de polícia ambiental do IBAMA encontra-se amparado no art. 225, da Constituição Federal, que concedeu ao Poder Público o dever de fiscalizar a conduta daqueles que se apresentem como potenciais ou efetivos poluidores;
(iii) objetivando implementar concretamente a fiscalização, a Lei n. 7.735/89, com a redação dada pela Lei Federal n. 11.516/07, criou o IBAMA, conferindo-lhe poder de polícia para a consecução desse fim;
(iv) o Poder Público dispõe de atribuições de fiscalização e imposição de sanções administrativas como instrumentos da tutela administrativa do meio ambiente, com base nos arts. 70, caput, e 72, da Lei n. 9.605/98, e, tendo a conduta configurado ilícito ambiental, deve subsistir a autuação e suas consequências;
(v) o fato da parte autora se encontrar num processo de regularização ambiental junto à Fundação do Meio Ambiente – FATMA, tendo firmado o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC 6 dias após a lavratura do auto de infração pelo IBAMA, não descarta as suas condutas danosas ao meio ambiente, tendo em vista, ainda, que a aplicação da multa, decorrente do poder de polícia, tem repercussão na esfera administrativa;
(vi) em razão da autonomia das instâncias administrativa, cível e penal não subsiste a alegação de nulidade do auto de infração administrativo por ter sido firmado TAC entre a recorrida e FATMA;
(vii) o TAC não substitui as licenças ambientais e não autoriza a continuidade de atividades potencialmente poluidoras sem licenciamento ambiental;
(viii) a parte autora pretendeu conferir efeitos retroativos ao TAC firmado após a lavratura do auto de infração, mas a materialidade do fato e a autoria do ilícito ambiental não foram afastadas, (ix) existem, ainda, elementos concretos que foram desconsiderados pelo juízo e que infirmam a sentença.
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
A sentença declarou a nulidade do auto de infração, termos de suspensão, apreensão e depósito, tornando sem efeito os atos deles decorrentes, inclusive a multa aplicada, sob o fundamento de que não ocorreu infração ambiental, pois a autuada estava em processo de regularização junto ao órgão ambiental estadual:
- FUNDAMENTAÇÃO.
A controvérsia dos autos diz respeito à validade de auto de infração, suspensão de atividade e apreensão de quase 750 toneladas de pescado, com sanção de multa no valor de R$ 3.000.000,00, lavrados pelo IBAMA em desfavor da parte autora, em razão desta “fazer funcionar atividade potencialmente poluidora, indústria de pesca sem licença ou autorização do órgão ambiental competente“, mesmo diante da pendência de fornecimento da licença por parte do órgão ambiental estadual (então FATMA), inclusive com TAC firmado com este último para a continuidade das atividades até a emissão de LAO corretiva.
Segundo a narrativa fática da exordial, o IBAMA não é competente para a emissão da licença ambiental objeto da autuação, mas sim o órgão ambiental estadual (FATMA), nos termos do art. 8º, inc. XIII da Lei Complementar nº 140/2011.
Inicialmente, há que se reconhecer a competência e legitimidade do IBAMA para a lavratura dos autos de infração e termo de embargo, assim como para a instauração dos processos administrativos, na qualidade de órgão integrante do SISNAMA, conforme expressamente dispõe o art. 70, § 1º, da Lei nº 9.605/98, competência e legitimidade estas que não se confundem com as de aprovação do licenciamento ambiental e nem possuem o condão de representar revisão do licenciamento realizado por outro órgão ambiental.
É dizer, independentemente do órgão ambiental responsável pelo licenciamento de determinada obra ou atividade, todos os órgãos integrantes do SISNAMA possuem competência comum para o exercício do poder de polícia ambiental. Colhe-se da jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO SUBMETIDO AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO ICMBIO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. Decorre o recurso especial de mandado de segurança impetrado contra autuação lavrada pelo ICMBio, fundada na inexistência de licenciamento ambiental para o funcionamento de restaurante no interior de área de proteção ambiental. 2. No que importa à competência do ICMBio para a lavratura do auto de infração, o acórdão recorrido encontra-se amparado na jurisprudência desta Corte, segundo a qual o poder de polícia ambiental pode ser exercido por qualquer dos entes da federação atingidos pela atividade danosa ao meio ambiente. […] (STJ, AgInt no AREsp 1148748/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 24/05/2018).
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ÁREA PRIVADA. MATA ATLÂNTICA. DESMATAMENTO. IBAMA. PODER FISCALIZATÓRIO. POSSIBILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. EXISTÊNCIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que não há falar em competência exclusiva de ente da federação para promover medidas protetivas, impondo-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento. É certo ainda que a fiscalização das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao Ibama interesse jurídico suficiente para exercer poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado. Precedente: REsp 1.479.316/SE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 1º/9/2015. 2. Agravo Interno não provido. (STJ, AgInt no REsp 1530546/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 06/03/2017).
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ÁREA PRIVADA. MATA ATLÂNTICA. DESMATAMENTO. IBAMA. PODER FISCALIZATÓRIO. POSSIBILIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. EXISTÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento. […] 3. A atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1479316/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 01/09/2015).
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. IBAMA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. ATUAÇÃO SUPLETIVA. LICENCIAMENTO. ATIVIDADE POTENCIALMENTE POLUIDORA. 1. A competência para o licenciamento do empreendimento não se confunde com a de sua fiscalização, podendo o IBAMA, no exercício de poder de polícia, agir diante de uma degradação ambiental, independentemente da atuação de outros órgãos, nos termos do artigo 2º, incisos I a III, da Lei n.º 7.735/89. […]. (TRF4, AC 5017296-59.2014.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 14/08/2017).
MANDADO DE SEGURANÇA. ANULAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO. IBAMA. COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAR. REGULARIDADE DA AUTUAÇÃO. 1. Este processo trata de uma autuação do IBAMA pela seguinte conduta: “elaborar informação falsa em procedimento ambiental para obtenção de autorização florestal n 35355 e 35354”. A fiscalização do IBAMA identificou que a vegetação extraída pelo autor era natural e não de reflorestamento para a qual estava autorizado pelas licenças ambientais concedidas pelo IAP – Instituto Ambiental do Paraná. 2. Concluiu-se que o réu não tinha licença para o corte realizado e que não é caso de mera discordância do IBAMA com relação às licenças concedidas pelo IAP. 3. O IBAMA é competente para autuar o autor porque, mesmo que haja uma distribuição da competência entre os órgãos ambientais para fins de organização do sistema para licenciamento, isso não impede que um dos órgãos exerça seu poder fiscalizatório diante da atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente (art. 17, § 3º, da Lei Complementar nº 140/2011). 4. Apelação improvida. (TRF4, AC 5053165-15.2016.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 24/04/2017).
Todavia, na hipótese em tela, apesar de o IBAMA ter exercido seu poder de polícia dentro dos limites de sua competência, a autuação e suas consequências não podem subsistir.
Por ocasião da apreciação do pedido liminar, foi proferida a decisão do evento 03, na qual foi deferido em parte o pedido antecipatório, para determinar a liberação dos produtos descritos no Termo de Apreensão nº 35749-E (quase 750 toneladas de pescado), mediante prévia caução, pelos seguintes fundamentos:
No caso dos autos, ao constatar a ocorrência de diversas infrações ambientais, em 15/10/2015, o IBAMA lavrou termo de apreensão nº 35749-E dos 741.585kg de pescados congelados encontrados na empresa no momento da fiscalização. Restou autorizada, no entanto, a “continuidade das atividades de manutenção e limpeza da empresa e a retirada do pescado encontrado no túnel de congelamento e câmara de espera, num total de 25.065kg, até seu beneficiamento completo, sendo embalados e estocados nas câmaras frias da empresa”, tudo conforme Relatório Circunstanciado de Fiscalização, lavrado em 23/10/2015 (evento 1, OUT19).
Após defesa administrativa, houve relatório técnico do órgão fiscalizador, firmado em 27/10/2015, que manifestou-se favorável à revogação da suspensão das atividades de industrialização e comercialização da empresa. No entanto, manteve a apreensão realizada, sugerindo perdimento definitivo, uma vez que o pescado apreendido foi produzido “com o cometimento de várias infrações e crimes ambientais, sendo desrespeitadas as legislações pertinentes que regulamentam a atividade pesqueira, de proteção ao meio ambiente e de saúde pública” (evento 1, OUT23).
Da documentação carreada ao feito, observa-se que a requerente vem buscando sanar suas deficiências no tocante às exigências da legislação ambiental perante os órgãos de fiscalização estadual e federal, fato que levou o IBAMA à possível liberação da retomada das atividades da empresa. Diga-se “possível liberação da retomada das atividades” porque não há nos autos qualquer prova de que o relatório técnico tenha sido acolhido.
De outro lado, verifica-se certo paradoxo entre a apreensão dos pescados congelados e a autorização de continuidade parcial da operação da empresa já à época da autuação, no que se refere aos produtos armazenados no túnel de congelamento e câmara de espera. Com efeito, não se tem notícia de que o pescado possua, em si, origem ilícita, por ter sido obtido em época, espécie ou local impróprio. A irregularidade estaria, segundo entendo, no seu processo de beneficiamento, para o que a empresa não teria, conforme a fiscalização, licença ambiental de operação válida. Por isso, soa incongruente admitir que o processo de beneficiamento continue, quando nele estaria a fonte dos possíveis danos ambientais apontados, porém manter a apreensão de produto, em tese, lícito.
Ademais, uma vez que há o esforço da empresa pesqueira em regularizar sua situação, tenho que manter a apreensão de quase 750 toneladas de pescado é medida demasiada, porquanto é capaz de comprometer seriamente o funcionamento da empresa e a manutenção de mais de 160 diretos, sem contar os efeitos negativos em toda a cadeia produtiva na região.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por ocasião da apreciação do pedido de tutela recursal no Agravo de Instrumento nº 50502974920154040000 (confirmada, posteriormente, no acórdão proferido pela Turma), deferiu o levantamento do embargo imposto pelo IBAMA, permitindo o exercício da atividade da requerente e suspendendo os efeitos do Termo de Suspensão nº 35744-E, até decisão do requerimento administrativo nº. 02023.006712/2015-94, nos seguintes termos (evento 02 do processo nº 5050297-49.2015.4.04.0000):
A suspensão das atividades da agravante decorre do Termo de Suspensão nº. 35744-E (1-OUT15), o qual tem como origem o auto de infração nº. 9063765-E (1-OUT14), lavrado pelo IBAMA em 15/10/2015, em razão da verificação do cometimento de algumas infrações por parte da agravante (1-OUT19, fl. 05 do processo originário), entre elas a de “Fazer funcionar atividade potencialmente poluidora, indústria de pesca sem licença ou autorização do órgão ambiental competente” (1-OUT15).
Analisando os autos e os argumentos trazidos pela agravante, as seguintes ponderações devem ser feitas:
(a) após ter sido lavrado referido auto de infração, foi firmado Termo de Ajustamento de Conduta, em 21/10/2015, entre a agravante e a Fundação do Meio Ambiente – FATMA, assinado também por representante do Ministério Público Estadual (ou seja, com a concordância deste órgão), em que a agravante assumiu como compromisso (1-OUT20, fl. 2):
A compromissária para atendimento da legislação ambiental se compromete com a efetivação de todas as exigências dos técnicos da FATMA.
O órgão ambiental, por sua vez, assumiu como compromisso (grifei):
II – concordar temporariamente com a continuidade das atividades da compromissária até emissão da LAO corretiva, mediante a implementação das seguintes condições: 1) Emissão pelo Ministério Público de concordância expressa as condições do presente termo.
(b) após a assinatura do referido TAC, a agravante fez requerimento ao IBAMA, sendo que, diante de tal requerimento, foi emitido relatório técnico por aquela autarquia (1-OUT22), em que há manifestação favorável pela revogação da suspensão das atividades da agravante, assinada pelo mesmo Agente Ambiental Federal responsável pelo auto de infração nº. 9063765-E (1-OUT14);
(c) em havendo o cumprimento das exigências constantes no TAC firmado, o qual supre momentaneamente a ausência de Licença Ambiental de Operação, não haverá risco à saúde pública na liberação da atividade em questão;
(d) a liberação das atividades da agravante está aguardando apenas exame da autoridade superior, sendo razoável e proporcional liberar o exercício desta atividade até referido exame, na medida em que a agravante não pode ser prejudicada pela demora do IBAMA em analisar o pleito;
(e) presente o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, pois, com suas atividades suspensas, a empresa pode ficar prejudicada no cumprimento de suas obrigações, como, por exemplo, o pagamento dos custos de energia elétrica (1-OUT24), correndo o risco de ter que demitir seus funcionários, gerando prejuízos à população local.
Assim, presentes os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada, entendo que deve ser deferido o requerido, para permitir que a agravante exerça sua atividade enquanto não sobrevenha a decisão administrativa do IBAMA sobre o requerimento nº. 02023.006712/2015-94 (1-OUT21). Ressalto que, no caso de o IBAMA negar administrativamente o requerimento, nada impede que a questão seja novamente analisada pelo Juízo de origem.
Ante o exposto, defiro a antecipação da tutela recursal para levantar o embargo imposto pelo IBAMA à atividade da agravante, permitindo o exercício da atividade nos termos do TAC firmado entre a agravante e a FATMA (1-OUT20), com a suspensão dos efeitos do Termo de Suspensão nº. 35744-E (1-OUT15), até decisão do requerimento administrativo nº. 02023.006712/2015-94 (1-OUT21).
Os fundamentos da decisão acima, também foram utilizados no julgamento do Agravo de Instrumento nº 50030061920164040000, interposto pelo IBAMA, conforme o evento 17 do referido processo.
Por sua vez, a decisão proferida no requerimento administrativo nº 02023.006712/2015-94, citado na decisão proferida no AI nº 50502974920154040000, foi anexada no evento 35 (INF2), a qual homologou o auto de infração, majorou a multa para R$ 3.300.000,00, manteve os efeitos do termo de suspensão e decretou o perdimento dos bens (pescado) objeto do termo de apreensão e depósito – em relação a qual a parte autora comprovou a interposição de recurso no evento 40 (OUT2). Ainda, de acordo com as informações prestadas no evento 89 (PROCADM1), o recurso administrativo se encontra pendente de análise, já tendo sido elaborado relatório final de 2ª Instância, o qual conclui que a parte autora cometeu as infrações e sugere a aplicação da penalidade de multa no valor de R$ 3.000.000,00.
Nesse contexto, em que o autor já havia requerido em 29/07/2015 (evento 23, PROCADM4, fls. 21 e 23) – ou seja, anteriormente à lavratura do auto de infração pelo IBAMA, ocorrido em 15/10/2015 – ao órgão ambiental estadual competente (FATMA), a emissão de licença ambiental de operação corretiva para a atividade de preparação de pescado e fabricação de conservas de pescado – inclusive com a emissão da licença ambiental de operação em 25/04/2016 (evento 31, OUT2) – não se pode considerar que tenha havido a prática da infração descrita no Auto de Infração nº 9063765-E (“Fazer funcionar atividade potencialmente poluidora. Indústria de pesca sem licença ou autorização do órgão ambiental competente“).
Aliás, antes mesmo da emissão da licença ambiental de operação por parte da FATMA, o autor já havia firmado com este órgão, em 21/10/2015, um termo de ajustamento de conduta (TAC) para fins de “(…) adequação das atividades da Compromissária, às legítimas exigências da FATMA e da legislação ambiental, bem como, concessão de 2 meses de prazo [prorrogável por mais 2 meses e, após, de prorrogação automática, conforme a Cláusula Quinta] para regularização ambiental da atividade, tendo por finalidade a obtenção de licença ambiental de operação – LAO, mediante o estabelecimento de medidas técnicas” (evento 23, PROCADM4, fls. 13-19).
Merece destaque que nas observações finais do Relatório Circunstanciado de Fiscalização do IBAMA (evento 01, OUT19, fl. 06, item 07), consta que “7 – Em ligação telefônica atendida em 21/10/2015, ligação esta efetuada pelo senhor Felipe, Gerente de Licenciamento da FATMA/Tubarão/SC, órgão licenciador estadual, o mesmo questionou a este Agente Ambiental Federal sobre a regularidade da autuação e suspensão de atividades da empresa LAGO PESCA imposta pelo Ibama, uma vez que a empresa encontra-se em processo de regularização ambiental. Informando também que sua equipe de fiscalização havia autuado a LAGO PESCA no dia 20/10/2015, por fazer funcionar indústria pesqueira sem a obrigatória licença ambiental, citando que, por competência, conforme estabelece a LC 140, a autuação da empresa caberia em primeira instância ao órgão licenciador“.
Em consequência, não tendo ocorrido a infração ambiental imputada ao requerente, pois se encontrava em processo de regularização ambiental junto ao órgão ambiental estadual competente para a emissão da licença de operação, impõe-se a anulação do Auto de Infração nº 9063765-E, do Termo de Suspensão nº 35744-E, do Termo de Apreensão nº 35749-E e do Termo de Depósito nº 35750-E, tornando-se sem efeito todos os atos deles decorrentes, inclusive a multa aplicada à parte requerente.
Em conclusão, e considerando a inexistência de argumentos outros capazes de infirmar a conclusão deste juízo (art. 489, IV, do CPC/15), são procedentes os pedidos.
Em que pesem as razões da parte apelante, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
Conforme argumenta a recorrente, todos os entes federativos têm competência comum para exercer o poder de polícia ambiental. Nessa direção, confira-se os precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – MULTA – CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS – OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL – POTENCIALIDADE DE DANO AMBIENTAL A BEM DA UNIÃO – FISCALIZAÇÃO DO IBAMA – POSSIBILIDADE.. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar. 2. A contrariedade à norma pode ser anterior ou superveniente à outorga da licença, portanto a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou. 3. O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização. 4. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação, inclusive o art. 76 da Lei Federal n. 9.605/98 prevê a possibilidade de atuação concomitante dos integrantes do SISNAMA. 5. Atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União pode ser fiscalizada pelo IBAMA, ainda que a competência para licenciar seja de outro ente federado. Agravo regimental provido. (AgRg no REsp 711.405/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 15/05/2009)
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. BEM DA UNIÃO. IBAMA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. EXCLUSÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS-ANA. IMPOSSIBILIDADE. IMPOSSÍVEL PREVER A EXTENSÃO DO IMPACTO QUE SERÁ CAUSADO PELO REPEIXAMENTO DO RIO FRANCISCO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. 1. O Tribunal a quo consignou que: “tem-se, em princípio, que ocorreu o derramamento de rejeitos químicos diretamente sobre o Rio São Francisco, bem da União, a teor do art. 20, III, da CF, o que atrai a competência fiscalizadora do IBAMA, bem assim da Agência Nacional de Águas – ANA, mesmo porque não se é possível prever, messe momento, o impacto ambiental decorrente desse acidente”. 2. Na forma da jurisprudência do STJ, “não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo. O Poder de Polícia Ambiental pode – e deve – ser exercido por todos os entes da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucionalmente. Portanto, a competência material para o trato das questões ambiental é comum a todos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agentes de fiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir imediatamente, obstando a perpetuação da infração” (STJ, AgRg no REsp 1.417.023/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 25/8/2015). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.560.916/AL, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 9/12/2016; AgInt no REsp 1.484.933/CE, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 29/3/2017. 3. Ademais, o recurso não merece prosperar, pois da leitura do acórdão recorrido depreende-se que foram debatidas matérias de natureza constitucional e infraconstitucional, o art. 20, III, da CF. No entanto, o recorrente interpôs apenas o Recurso Especial, sem discutir a matéria constitucional, em Recurso Extraordinário, no excelso Supremo Tribunal Federal. Assim, aplica-se na espécie o teor da Súmula 126/STJ: “É inadmissível Recurso Especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta Recurso Extraordinário.” 4. Não é possível a exclusão da Agência Nacional de Águas da demanda, uma vez que ainda é impossível prever a extensão do impacto que será causado pelo repeixamento do Rio Francisco. Como se vê, a instância de origem decidiu a questão com fundamento no suporte fático-probatório dos autos, cujo reexame é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial”. 5. Recurso Especial não provido. (REsp 1820361/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 11/10/2019) (grifei)
Ademais, a Lei Complementar n. 140/11 – na qual foram definidas legalmente a atuação supletiva e subsidiária dos entes federativos -, no seu artigo 17, § 3º, legitima o exercício do poder de polícia ambiental por qualquer deles, atribuindo-lhes competência fiscalizatória comum.
No caso dos autos, embora a atuação do IBAMA tenha sido legítima, com base em sua competência fiscalizatória comum, a autuada já se encontrava em processo de regularização perante o órgão ambiental estadual, o qual foi iniciado por iniciativa da própria empresa junto à FATMA, em 29.06.2015, antes, portanto, da lavratura do auto de infração pelo órgão federal.
E ainda que a apelante argumente que depois da autuação pelo órgão federal, ocorrida em 15.10.2015, a FATMA lavrou auto de infração com objeto idêntico, no dia 20.10.2015, o que revelaria o acerto da sua atuação, tais fatos são anteriores à assinatura do TAC, no dia 21.10.2015.
Acrescente-se que o § 3º, do art. 17, acima referido, dispõe que prevalece o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização do empreendimento ou atividade, o qual, neste caso, é a FATMA.
No mesmo sentido, o art. 76, da Lei n. 9.605/98, estabelece que o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PENALIDADE. ICMBIO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE E DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. DESCONSTITUÍDA. NULIDADE. BIS IN IDEM. – O auto de infração constitui ato administrativo dotado de imperatividade, presunção relativa de legitimidade e de legalidade, com a admissão de prova em contrário. Apenas por prova inequívoca de inexistência dos fatos descritos no auto de infração, atipicidade da conduta ou vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) poderá ser desconstituída a autuação. – Hipótese em que a prova testemunhal – especialmente a oitiva do servidor responsável pelo auto de infração estadual, lavrado pelo órgão licenciador – e bem assim a prova documental juntada aos autos, dão conta de que a autuação levada a efeito pelo ICMBio tem por objeto os mesmos fatos considerados na autuação promovida pela FATMA/IMA. – Nos termos dos artigos 76 da Lei nº 9.605/1998 e 17, § 3º, da Lei Complementar nº 140/2011, lavrado auto de infração ambiental por órgão estadual que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização e efetuado o pagamento da respectiva multa, resta prejudicada a multa aplicada por órgão fiscalizador federal com suporte fático idêntico. – Ilidida a presunção de veracidade e legalidade da autuação lavrada pelo ICMBio, merece ser anulado o auto de infração, sob pena de bis in idem. (TRF4 5001920-39.2019.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 12/06/2021)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. IBAMA. FATMA. ACORDO FIRMADO NO ÂMBITO ESTADUAL. DUPLA PENALIDADE DE MULTA SOBRE MESMO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE DAS AUTUAÇÕES. Comprovada a lavratura de duas certidões de dívida ativa com imposição de multa, uma pelo ente estadual e outra pelo ente federal, em razão da ocorrência do mesmo fato gerador, deve ser afastada a deste último, diante do disposto no artigo 76 da Lei nº 9.605/98, que veda a dupla penalização. (TRF4 5001936-76.2013.4.04.7014, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 14/12/2016) (grifei)
Considerando-se a prevalência do auto de infração lavrado no dia 20.10.2015 e que foi celebrado TAC com o órgão ambiental estadual a respeito da conduta nele descrita, entendo que a Administração exerceu a tutela do meio ambiente por meio do acordo firmado depois da autuação.
No TAC, que teve como objeto “a adequação das atividades da Compromissária, às legítimas exigências da FATMA e da legislação ambiental, bem como, concessão de 2 meses de prazo para regularização ambiental da atividade, tendo por finalidade a obtenção de licença ambiental de opeação – LAO, mediante o estabelecimento de medidas técnicas”, a Administração manifestou anuência com a continuidade temporária das atividades (Cláusula terceira, item II), não subsistindo a irregularidade anteriormente verificada (evento 1, OUT22).
Mantida a sentença, cabível a majoração dos honorários sucumbenciais, nos termos do art. 85, § 11º, do Código de Processo Civil.
Conforme orientação firmada no Superior Tribunal de Justiça (AgInt nos EREsp 1539725, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJe 19/10/2017), a majoração dos honorários advocatícios em decorrência da sucumbência recursal depende da presença dos seguintes requisitos: (a) decisão recorrida publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015; (b) recurso desprovido ou não conhecido; (c) condenação em honorários advocatícios desde a origem.
Preenchidos os requisitos acima elencados, majoro em 1% as verbas advocatícias arbitradas na sentença em favor da apelada, considerando o trabalho adicional realizado em sede de recurso pelo seu patrono.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.