APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DANO À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CANASTRA. LOCAL DO SUPOSTO DELITO QUE AINDA NÃO FOI OBJETO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. CONSEQUENTE ATIPICIDADE, NO CASO, DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF, apelante ou recorrente) da sentença pela qual o Juízo absolveu o acusado da imputação da prática do crime de causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação, diante da atipicidade da conduta, porquanto a área explorada pelo acusado integra a parte não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC). Lei 9.605, de 1998, Art. 40; CPP, Art. 386, III.
Apelante sustenta, em suma, que, nos termos do Laudo Técnico Ambiental, a plantação de eucalipto causou danos direto à unidade de conservação, o que preenche o tipo descrito no Art. 40 da Lei 9.605, diante da expressão independentemente de sua localização que, assim, a conduta praticada pelo réu caracteriza o crime descrito no Art. 40 da Lei 9.605. Requer o provimento do recurso para a condenação do réu nos termos propostos na denúncia.
Crime descrito no Art. 40 da Lei 9.605. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização. Lei 9.605, Art. 40, caput. Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. Lei 9.605, Art. 40, § 1º.
Conduta perpetrada em propriedade particular situada em área do PNSC que ainda não foi objeto de desapropriação. Precedentes desta Corte no sentido da caracterização do delito, entendendo que a configuração do tipo penal do art. 40 da Lei nº 9.605/98 independe da regularização fundiária (expropriação e indenização) da área de abrangência da unidade de conservação afetada pela conduta delitiva. (TRF 1ª Região, ACR 0000984-96.2013.4.01.3804/MG.)
Precedente desta Turma concluindo que o tipo penal do art. 40, da Lei 9.605/98, sendo norma penal em branco, exige para sua tipificação a existência de Unidade de Conservação, a qual somente pode ser assim qualificada se criada em estrita observância dos requisitos da Lei 9.985/2000, afigurando-se atípica a conduta do réu, com relação à conduta de causar dano em área de Unidade de Conservação, tendo em vista que o delito foi praticado em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra.? (TRF 1ª Região, ACR 0001526-85.2011.4.01.3804/MG.)
Adesão do Relator Convocado ao entendimento da segunda corrente. Conclusão do STJ, instância máxima da interpretação do direito ordinário (STF, RE 561485), pelo afastamento da tipicidade do fato no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98), em virtude da ausência de expropriação regular da área na qual teria sido perpetrado o delito. (STJ, AgRg no AREsp 611.366/MG.) Impossibilidade, ademais, de analogia in malam partem no Direito Penal. 5. Apelação não provida.
(TRF-1 – APR: 00029052720124013804, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Data de Julgamento: 22/05/2018, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 08/06/2018)
VOTO
“No Processo Penal cabe à acusação demonstrar e provar que a conduta do agente se amolda ao tipo penal, com a presença de todos os seus elementos”. (TRF 1ª Região, ACR 4514-94.2006.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Quarta Turma, e-DJF1 p. 50 de 22/03/2012.)
“Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado.” (STF, HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19/12/1996, P. 51766. Grifo original.)
A condenação demanda a produção, pelo órgão da acusação, de prova “além de qualquer dúvida razoável” quanto à “ocorrência do fato constitutivo do pedido”. (STF, HC 73.338/RJ, supra.)
“Em matéria penal, a densificação do valor constitucional do justo real é o direito à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). É dizer: que dispensa qualquer demonstração ou elemento de prova é a não-culpabilidade (que se presume). O seu oposto (a culpabilidade) é que demanda prova, e prova inequívoca de protagonização do fato criminoso.” (STF, HC 92435/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008, DJe-197 17-10-2008. Grifei.)
Por isso, o juiz não pode proferir decisão condenatória, “louvando-se em provas insuficientes ou imprecisas ou contraditórias para atestar a culpabilidade do sujeito que se ache no polo passivo da relação processual penal.” (STF, HC 92435/SP, supra. Grifei.)
Em geral, as constatações de fato fixadas pelo Juízo Singular somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor quando forem claramente errôneas, ou carentes de suporte probatório razoável. “A presunção é de que os órgãos investidos no ofício judicante observam o princípio da legalidade.” (STF, AI 151351 AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 05/10/1993, DJ 18-03-1994 P. 5170.)
Essa doutrina consubstancia o “princípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim com meios de convicção mais seguros do que os juízes distantes.” (STF, RHC 50376/AL, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 17/10/1972, DJ 21-12-1972; STJ, RESP 569985, Rel. Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, 20/09/2006 [prevalência da prova que foi capaz de satisfazer o Juízo Singular]; TRF 1ª Região, REO 90.01.18018-3/PA, Rel. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Segunda Turma, DJ p. 31072 de 05/12/1991 prevalência da manifestação do órgão do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição).
Dessa forma, as constatações de fato fixadas pelo Juízo somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor mediante demonstração inequívoca, a cargo do recorrente, de que elas estão dissociadas do conjunto probatório contido nos autos.
Quando as constatações de fato fixadas pelo Juízo estão baseadas na análise de prova oral e na determinação da credibilidade das testemunhas ouvidas, maior deve ser a deferência do Tribunal Revisor a elas. É indubitável que o juiz responsável pela oitiva da testemunha, ao vivo, está em melhor posição do que os juízes de revisão para concluir pela credibilidade do depoimento respectivo.
Na avaliação da prova testemunhal, somente o juiz singular pode estar ciente das variações no comportamento e no tom de voz da testemunha ao depor, elementos cruciais para a compreensão do ouvinte e a credibilidade do depoimento prestado. (TRF 1ª Região, AC 60624-50.2000.4.01.0000/GO, Rel. Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES, 6ª Turma Suplementar, e-DJF1 p. 183 de 19/10/2011.)
Em suma, e considerando que o processo judicial consiste na tentativa de reconstituição de fatos históricos, as conclusões do Juízo responsável pela colheita da prova são de indubitável relevância na avaliação respectiva.
Além disso, uma das principais responsabilidades dos juízes singulares consiste na oitiva de pessoas em audiência, e a repetição no cumprimento desse dever conduz a uma maior expertise.
Nesse ponto, é preciso reconhecer a capacidade do juiz singular de interpretar os depoimentos testemunhais para avaliar a credibilidade respectiva. Nesse sentido, esta Corte tem prestigiado as conclusões de fato expostas pelo magistrado que ouviu as testemunhas em audiência. (TRF 1ª Região, ACR 2006.35.00.021538-0/GO, Rel. Juiz TOURINHO NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 89 de 14/08/2009.)
A decisão do juiz deve “encontr[ar] respaldo no conjunto de provas constante dos autos .” (STF, AO 1047 ED/RR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2008, DJe-043 06-03-2009. Grifei.) Dessa forma, os elementos probatórios presentes nos autos devem ser “ vistos de forma conjunta ” (TRF 1ª Região, ACR 2003.37.01.000052-3/MA, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Terceira Turma, DJ de 26/05/2006, p. 7; STF, RHC 88371/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/11/2006, DJ 02-02-2007 P. 160; RHC 85254/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 04-03-2005 P. 37), e, não, isolada . Efetivamente, é indispensável “a análise do conjunto de provas para ser possível a solução da lide.” (STF, RE 559742/SE, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/10/2008, DJe-232 05-12-2008. Grifei.)
Com base nesses parâmetros, passo ao exame do presente caso.
Na espécie, o Juízo concluiu que a plantação de eucalipto explorada pelo acusado situada em propriedade particular cuja desapropriação ainda não foi regularizada para que pudesse integrar, efetivamente, o PNSC. Em consequência, no tocante crime de “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação” (Lei 9.605, de 1998, Art. 40), por atipicidade da conduta (CPP, Art. 386, III), o Juízo absolveu o réu sob o fundamento de que a área por ele afetada não pertence a uma Unidade de Conservação, porquanto a ampliação do PNSC não se encontra regularizada pela União.
O Juízo expôs os seguintes fundamentos:
A increpação escorada na Lei de Crimes Ambientais, artigo 40, causação de “dano direto ou indireto às Unidades de conservação”, ressente-se de fôlego.
No ponto, por tratar-se de norma penal em branco, técnica legislativa comum na tipificação dos crimes contra o meio ambiente, deve ser integrada pela legislação extrapenal, que, no caso, conceitue “unidade de conservação”, premissa à inferência do propalado crime.
Para isso, necessário um breve escorço histórico.
A região da Serra da Canastra, radicada no sudoeste de Minas Gerais, no bioma do cerrado, contempla a nascente do Rio São Francisco e relevantes espécies de fauna e da flora. Ao limiar da década de 70, pela primeira vez, foi suspensa a navegabilidade no Velho Chico, mercê de severa seca a assolar a região e do desmatamento sem critérios oriundo da construção da represa de Furnas na região.
Deslizou-se, daí, à criação do Parque Nacional da Serra da Canastra – PNSC, através do Decreto 70.355, de 03-04-1972. Fundamentalmente integrado pelo Chapadão da Canastra (norte) e pelo Chapadão da Babilônia (sul), o Parque referia “uma área estimada em 200.000 ha (duzentos mil hectares)” (art. 1º).
Para sua implementação, autorizou-se o Ministério da Agricultura, por meio de agência própria, “a promover as desapropriações necessárias” (art. 5º), excluídas as terras “que tenham alto valor agricultável” (art. 4º).
Logo à partida, já no levantamento pertinente aos recursos naturais e às propriedades particulares ali existentes, adelgaçou-se o perímetro da área alvo de perquirição a pouco mais de 106.000 ha (cento seis mil hectares).
No afã de viabilizar futura expropriação, sob pagamento em títulos da dívida agrária, o Executivo baixou dois Decretos, tomando por base a área assim mitigada:
Fica declarada área prioritária de emergência, para fins de reforma agrária, a região constituída pelos municípios de Sacramento, São Roque de Minas e Vargem Bonita, no Estado de Minas Gerais, como os limites e confrontações definidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE (Decreto 74.446, de 21-08-1974).
É declarada de interesse social, para fins de desapropriação, nos termos do artigo 18, letra “h”, artigo 10, inciso II e VI, e artigo 24, inciso V, da Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, uma área de terras, medindo aproximadamente 106.185,50 ha (cento e seis mil, cento e oitenta e cinco hectares e cinquenta ares), de diversos proprietários, situadas nos municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, no Estado de Minas Gerais (Decreto 74.447, de 21-08-1974).
A agência agrária – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/INCRA – foi autorizada a implementar, em nome da União, a desapropriação dos imóveis rurais açambarcados pelo Parque da Canastra (Decreto 74.447/74, art. 3º) e, para tanto, firmou convênio com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, a quem incumbiria subministrar os recursos necessários.
No contexto das tratativas à expropriação, apontados equívocos arraigados ao levantamento realizado pelo órgão então contratado pelo IBDF (Fundação João Pinheiro), operou-se a exclusão de área reputada de alto valor agricultável (Vale dos Cândidos ou Vão), da área atinente ao Chapadão da Babilônia e de imóveis onde já havia projetos de reflorestamento autorizados pela agência florestal.
De conseguinte, o perímetro da área objeto do estudo vestibular (106.185,50 ha) foi adelgaçado ainda mais, remanescendo na expressão de 61.929,00 ha (sessenta um mil, novecentos vinte nove hectares).
Ausente consenso permissivo à expropriação amigável, à conta de inconformismo dos proprietários quanto a valores (terra nua e benfeitorias) e à forma de pagamento (títulos da dívida agrária, resgatáveis num lustro), aforada foi ação de desapropriação, em 1976, na Justiça Federal de Belo Horizonte: seu objeto contemplava área ainda mais acanhada, 60.748,69 ha (sessenta mil, setecentos quarenta oito hectares, sessenta nove centiares).
Jurisdicionalizada a pendenga, em 1977, a área cuja desapropriação se colimava foi efetivamente demarcada, agora balizada em 71.525 ha (setenta um mil, quinhentos vinte cinco hectares), remanescendo-lhe à orla o Chapadão da Babilônia (sul).
Mesmo assim, subsistiu a resistência de muitos dos proprietários, notadamente pequenos, gente radicada na região havia gerações, desprovida de expectativa com a proposta indenizatória formulada pelo Executivo.
Com isto, manu militari, o aparelho estatal deflagrou medidas tendentes à retirada dos proprietários da área então delimitada (Chapadão da Canastra: 71.525 ha), mediante aposição de marcos oficiais, retirada de gado e criações, demolição de casas, currais, benfeitorias em geral e congêneres.
Para tanto, houve até o concurso de agentes da força policial federal, a desaguar em atos de truculência e arbitrariedade contra a gente da roça ali enraizada fazia muito, em atividade de agropecuária familiar, voltada à subsistência do grupo. Trata-se de fato público e notório, apurável ao simples exame de jornais de época.
Assim balizada a área do Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha) – contemplada no Plano de Manejo lavrado em 1981(13) e solidificada no Plano de Ação Emergencial de 1993 (PAE) –, implementadas e pagas as desapropriações correlatas – conquanto ainda remanesçam processos judiciais questionando valores –, em 1991, sobreveio a revogação dos próprios Decretos autorizadores dos atos expropriatórios (Decretos 74.446/74 e 74.447/74), ressalvados os efeitos jurídicos até então consumados. Tanto se ultimou, respectivamente, por meio de Decretos Presidenciais não numerados, dados à luz a 05-09- 1991 (anexo III) e 10-05-1991 (anexo), in verbis:
DECRETO DE 5 DE SETEMBRO DE 1991.
Ressalva os efeitos jurídicos de declarações de interesse social ou de utilidade pública e revoga os decretos que menciona.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1° Ficam ressalvados os efeitos jurídicos das declarações de interesse social ou de utilidade pública, para fins de desapropriação ou de instituição de servidão administrativa, relativas a processos judiciais em curso ou àqueles transitados em julgado há menos de dois anos anteriores à vigência deste decreto.
Art. 2° Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3° Declaram-se revogados os decretos relacionados no Anexo.
DECRETO DE 10 DE MAIO DE 1991.
Ressalva os efeitos jurídicos dos atos declaratórios de interesse social ou de utilidade pública para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, mantém autorizações para funcionamento de empresas aos domingos e feriados, e revoga os decretos que menciona.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no Decreto-Lei n° 3.365, de 21 de junho de 1941, e nas Leis n°s 605, de 5 de janeiro de 1949, e 4.504, de 30 de novembro de 1964,
DECRETA:
Art. 1° Ficam ressalvados os efeitos jurídicos dos atos declaratórios de interesse social ou de utilidade pública para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa relativas a processos judiciais em curso ou àqueles transitados em julgado há menos de dois anos da vigência deste decreto.
Art. 2° Ficam mantidas as autorizações outorgadas mediante decreto a empresas, para funcionarem aos domingos e feriados, civis e religiosos. Parágrafo único. O Ministro de Estado do Trabalho e da Previdência Social declarará, mediante portaria, as autorizações de que trata este artigo.
Art. 3° Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4° Declaram-se revogados os decretos relacionados no anexo.
Consolidada a área do Parque Nacional da Serra da Canastra em 71.525 ha (Chapadão da Canastra), na área excluída (Chapadão da Babilônia: aproximadamente 130.000 hectares), não expropriada, persistiram a agricultura e pecuária de subsistência, práticas já centenárias.
Sucedeu, porém, a agregação de novas atividades, dentre elas, o turismo ecológico e a extração mineral, a ensejar a expedição de licenças ambientais de todos os matizes por agências estatais.
Em 2005, depois de dilatada gestação, novo Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra foi dado a lume, explicitando a situação fundiária regularizada da área já expropriada (Chapadão da Canastra: 71.525 ha), correspondente ao Parque demarcado hoje em operação, e a necessidade de regularização quanto ao Chapadão da Babilônia (130.000 ha), para consecução dos 200.000 hectares estimados ao limiar.
As atividades na área assim designada não-regularizada somente poderiam ser embargadas ou sofrer intervenção ao depois da indenização das propriedades/posses. Disseram-no, àquele ensejo, prepostos do Executivo:
Do total da área decretada, 71.525 ha estão com a situação fundiária regularizada, ou seja, sob posse e domínio do IBAMA, enquanto os outros 130.000 ha são constituídos por propriedades/posses, não estando ainda regularizados. Chapadão da Babilônia (só podem ser paralisadas quando da indenização das propriedades/posses).
A expansão do Parque Nacional teria como desdobramento jurídico natural a ultimação, a instâncias do Executivo, de providências tendentes à expropriação da área não regularizada (composta por propriedades particulares), via desapropriação amigável ou judicial, sob pagamento de justa e prévia indenização em dinheiro aos proprietários (Decreto-Lei 3.365, de 21-06-1941; Constituição Federal, art. 5º, XXIV).
Contudo, passados dez anos do novo Plano de Manejo e mais de quarenta da criação do Parque, as desapropriações administrativas ainda não alcançaram nem quinze por cento da área de expansão.
Ao invés, a linha de ação adotada pelo Executivo foi externada ao ensejo de Relatório firmado pelo “Grupo de Trabalho Interministerial, instituído pelo Decreto de 24 de janeiro de 2006, relativo ao Parque Nacional da Serra da Canastra”, verbis:
[…] o IBAMA expediu determinações no sentido de paralisar a concessão ou renovação de licenças e informou a órgãos e entidades da Administração Pública o novo entendimento, gerando a necessidade de desconstituir ou de sobrestar atos administrativos anteriormente expedidos. Assim, à medida que os responsáveis pelo exercício das atividades incompatíveis com os objetivos do Parque Nacional tiveram seus requerimentos negados, as fiscalizações autuaram as atividades e ações propostas pelo Ministério Público Federal resultaram na sua paralisação […].
Como as restrições impostas às propriedades particulares situadas dentro do Parque almejado transpõem as raias de meras limitações administrativas, traduzindo aniquilação do direito dominial, a formal desapropriação é inexorável, sob pena se legitimar o confisco.
A implementação da totalidade do Parque Nacional da Serra da Canastra, tal e como estimado ao prelúdio (200.000 hectares), pelos desdobramentos que enfeixa, é objeto de iniciativas e tratativas em diversas esferas, inclusive na legislativa (Projetos de Lei 147/2010 e 148/2010, em trâmite no Senado da República; Projetos de Lei 1.448/2007 e 1.517/2007, em curso na Câmara dos Deputados).
Na espécie versada, o local da suposta infração escapa aos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha). Ele se insere no contexto das denominadas áreas não-regularizadas, propriedades particulares incluídas no plano de consecução do parâmetro estimado para a Unidade de Conservação (200.000 ha), ainda não expropriadas, consoante o Laudo Técnico de f. 135-143 do apenso.
Nesta conjuntura, ainda que se possa realizar, no âmbito cível-ambiental, e para os justos fins de proteção ambiental de Parque em consolidação, uma equiparação das terras públicas e particulares, é incabível se cogitar, na esfera penal, da existência de “unidade de conservação em vias de implementação”, palco dos danos ambientais propalados – ainda mais quando essa consolidação transitória já se arrasta há mais de quatro décadas.
E, juridicamente inexistente “unidade de conservação”, elemento normativo do tipo, sucumbe a imputação sob foco (art. 40), de pertinência adjungida à área do Parque efetivamente implantada (71.525 hectares) e consectários.
Oportuna, no ponto, a dicção jurisprudencial:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE USURPAÇÃO. ART. 2º, LEI 8.176/91. CRIME AMBIENTAL. ART. 55, LEI 9.605/98. CONCURSO DE DELITOS. EXPLORAÇÃO DE MINÉRIO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. COMPROVAÇÃO. ART. 40, LEI 9.605/98. LEI PENAL EM BRANCO. UNIDADE DE PRESERVAÇÃO. REQUISITOS LEGAIS PARA CRIAÇÃO NÃO ATENDIDOS. DOSIMETRIA. CAUSA DE AUMENTO. CONCURSO FORMAL. 1. O tipo penal do art. 2º, Lei 8.176/91, tutela o patrimônio da União, enquanto o art. 55, da Lei 9.605/98, visa proteger o meio ambiente, sendo lícito o reconhecimento de concurso formal entre estes delitos. Precedentes do STJ. 2. O réu confessou que realizou a extração de quartzito na área questionada, a partir de 2007. 3. O Parque Nacional da Serra da Canastra foi instituído pelo Decreto nº 70.355/1972, dispondo que o parque detém unidade de conservação de 200.00 ha, tendo havido a regularização até o momento de 71.525 ha, situada em área contínua conhecida por Chapadão da Canastra, cujas desapropriações tiveram por base o Decreto nº 74.447/1974. 4. Com a Lei nº 9.985/2000, restou instituído o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, sendo as Unidades de Conservação classificadas em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável, e regulamentado os critérios e requisitos legais para instituição de Unidades de Conservação, de acordo com o seu artigo 8º. 5. Preceitua o art. 22, §2º, da Lei nº 9.985/2000, que “a criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento”. 6. Em 2005 foi elaborado Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra, em obediência aos estudos técnicos necessários à criação da unidade, ficando consignado com relação à questão fundiária desse Parque que “para efetivar a área total do Parque, falta regularizar aproximadamente 130.000 há”, não tendo sido realizados “os estudos requeridos” e, ainda, que as atividades na área denominada “Chapadão da Babilônia (…) só podem ser paralisadas quando da indenização das propriedades/posses”. 7. O tipo penal do art. 40, da Lei 9.605/98, sendo norma penal em branco, exige para sua tipificação a existência de Unidade de Conservação, a qual somente pode ser assim qualificada se criada em estrita observância dos requisitos da Lei 9.985/2000, afigurando-se atípica a conduta do réu, com relação à conduta de causar dano em área de Unidade de Conservação, tendo em vista que o delito foi praticado em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra. 8. Persiste a condenação do réu pelo juízo a quo, quanto à prática do crime previsto no art. 2º, da Lei 8.176/91, somando-se a essa a condenação nesta instância pela pratica do delito do art. 55, da Lei 9.605/98, na forma do art. 70, do Código Penal. 9. A dosimetria deve partir da aplicação da pena mais grave, que, no caso, é a cominada ao crime de usurpação, a ser aumentada de 1/6 até metade, em razão do concurso formal. 10. Apelação parcialmente provida. [TRF 1ª Região, ACR 0001526-85.2011.4.01.3804/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p. 485 de 05/06/2015.]
Importante destacar que a equiparação da área não consolidada àquela desapropriada é possível, e até mesmo recomendável, nas ações ambientais, mercê dos princípios da precaução e da prevenção.
Contudo, não pode ser adotada na área criminal, porque tal entendimento constituiria clara operação lógica de equiparação de realidades fáticas diversas – ou seja, analogia in malam partem, vedada pelo direito penal.
Com efeito, a vedação da aplicação da analogia em prejuízo do acusado é corolário do princípio da legalidade, que impede o exercício do poder punitivo estatal de forma arbitrária, desmesurada, tanto mais por ser o Direito Penal a ultima ratio.
Neste sentido:
A analogia pode ser considerada sob o aspecto da lei ou do direito: analogia da lei e analogia do direito. No primeiro caso, parte-se de um preceito legal isolado; no segundo, parte-se de um conjunto de normas, extraem-se delas o pensamento fundamental ou os princípios que as informam para aplicá-los a caso omisso, semelhante ao que encontraria subsunção natural naquelas normas ou princípios. (…)
No direito penal, contudo, importaria distinguir duas espécies de analogia: a analogia in malam partem e a analogia em in bonam partem. A primeira fundamenta a aplicação ou agravação da pena em hipóteses não previstas em lei, semelhantes às que estão previstas. A segunda fundamenta a não-aplicação ou a diminuição da pena nas mesmas hipóteses. A primeira agrava a situação do acusado, a segunda traz-lhe benefícios.
A exigência da lei prévia e estrita impede a aplicação, no direito penal, da analogia in malam partem, mas não obsta, obviamente, a aplicação da analogia in bonam partem, que encontra justificativa em um princípio de equidade. É preciso notar, porém, que a analogia pressupõe falha, omissão da lei, não tendo aplicação quando estiver claro no texto legal que a mens legis quer excluir de certa regulamentação determinados casos semelhantes.
Segundo Bettiol, “a proibição do procedimento analógico em matéria penal há que assinalar limites precisos. Recai sobre todas as normas incriminatórias e todas as que (mesmo eximentes) sejam verdadeiramente excepcionais… Quaisquer outras normas do Código Penal são suscetíveis de interpretação analógica.
As restrições feitas à analogia não se aplicam por inteiro à denominada interpretação extensiva, ou analógica, embora esta apresente problemas semelhantes. Na interpretação extensiva amplia-se o espectro de incidência da norma legal de modo a situar sob seu alcance fatos que, numa interpretação restritiva (procedimento oposto), ficariam fora desse alcance.
Não se trata, aqui, de analogia, visto que a ampliação referida está contida in potentia nas palavras, mais ou menos abrangentes, da própria lei. O tema é controvertido, pois quase sempre, nestes casos, tropeça-se com a dúvida, hipótese em que o princípio in dúbio pro reo afasta a possibilidade da extensão. [TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1994.]
Vol. 4, Fls. 737 verso-744. Grifo e notas de rodapé omitidos. Com esses fundamentos, o Juízo reconheceu a atipicidade da conduta dos acusados no que concerne ao crime descrito no Art. 40 da Lei 9.605. CPP, Art. 386, III.
A unidade de conservação Parque Nacional da Serra da Canastra no Estado de Minas Gerais foi criada pelo Decreto Federal 70.355/1972, que também estabeleceu seus respectivos limites territoriais, abrange uma área estimada em 200.000ha (duzentos mil hectares).
A jurisprudência desta Corte tem vacilado quanto ao reconhecimento da tipicidade do delito descrito no Art. 40 da Lei 9.605 nas hipóteses em que a área objeto de exploração está, como na espécie, localizada em área não regularizada.
A propósito, nesse mesmo sentido, destaco os seguintes precedentes proferidos pela Terceira e Quarta Turmas desta Corte Regional. Assim, “[a] área de unidade de conservação, em sua totalidade, desapropriada ou não, está submetida a regime especial de administração e proteção constitucional (art. 225, III, da CF) (Precedentes).” (TRF 1ª Região, ACR 0001841-50.2010.4.01.3804/MG, Rel. Desembargadora Federal MÔNICA SIFUENTES, Terceira Turma, e-DJF1 p. 172 de 01/07/2015. Grifei.) “A área onde ocorreu o suposto delito ambiental integra os limites da unidade de conservação Parque Nacional Serra da Canastra, ainda que não tenha ocorrido a desapropriação da área total do referido Parque, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não prevê como conditio sine qua non para a instituição de tal unidade de conservação a prévia regularização fundiária do local. Aplicação de precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional Federal.” (TRF 1ª Região, RSE 0001268-07.2013.4.01.3804/MG, Rel. Desembargador Federal I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES, Quarta Turma, e-DJF1 p. 65 de 19/08/2014. Grifei.) Ainda recentemente, esta Turma decidiu que “[a] configuração do tipo penal do art. 40 da Lei nº 9.605/98 independe da regularização fundiária (expropriação e indenização) da área de abrangência da unidade de conservação afetada pela conduta delitiva.” (TRF 1ª Região, ACR 0000984-96.2013.4.01.3804/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 07/07/2017.) Na mesma direção: TRF 1ª Região, ACR 0002817-96.2006.4.01.3804/MG, Rel. Conv. JUIZ FEDERAL GUILHERME FABIANO JULIEN DE REZENDE (CONV.), QUARTA TURMA, e-DJF1 de 10/02/2017; ACR 0001069-58.2008.4.01.3804/MG, Rel. JUIZ FEDERAL KLAUS KUSCHEL (CONV.), TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 24/01/2017.
Mas há precedente em sentido contrário. Como demonstrado pelo Juízo, em caso que teve por Relator o eminente Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, esta Turma, por unanimidade, concluiu que o tipo penal do art. 40, da Lei 9.605/98, sendo norma penal em branco, exige para sua tipificação a existência de Unidade de Conservação, a qual somente pode ser assim qualificada se criada em estrita observância dos requisitos da Lei 9.985/2000, afigurando-se atípica a conduta do réu, com relação à conduta de causar dano em área de Unidade de Conservação, tendo em vista que o delito foi praticado em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra.” (TRF 1ª Região, ACR 0001526-85.2011.4.01.3804/MG, supra.) No voto, S. Exa., no ponto, expôs o seguinte:
Sustenta o Ministério Público Federal que a criação de unidade de conservação de domínio público não se confunde com sua consolidação dominial; a criação de Parques Nacionais depende somente da edição de ato do Poder Público, não sendo requisito para sua instituição a expedição de decreto de desapropriação, impondo-se a condenação às penas do art. 40, da Lei 9.605/98.
O art. 40, da Lei 9.605/98 incrimina a conduta de “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o , independentemente de sua localização”.
No particular, constou do Laudo Técnico Ambiental (fls. 23/28) que a propriedade em que houve a exploração de quartzito situa-se em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra.
Pois bem, o Parque Nacional da Serra da Canastra foi instituído pelo Decreto nº 70.355/1972, dispondo que o parque detém unidade de conservação de 200.00 ha, tendo havido a regularização até o momento de 71.525 ha, situada em área contínua conhecida por Chapadão da Canastra, cujas desapropriações tiveram por base o Decreto nº 74.447/1974.
Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, em que as Unidades de Conservação foram classificadas em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável, bem como regulamentando os critérios e requisitos legais para instituição de Unidades de Conservação, de acordo com o seu artigo 8º, assim definidas:
“Art. 8º. O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação:
I – Estação Ecológica;
II – Reserva Biológica;
III – Parque Nacional;
IV – Monumento Natural;
V – Refúgio de Vida Silvestre.”
Com efeito, preceitua o art. 22, §2º, da referida Lei, que “a criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento”.
Atento ao regramento legal instituído para criação de unidades de conservação, houve a necessidade de adequação às novas normas, de modo que em 2005 foi elaborado Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra, em obediência aos estudos técnicos necessários à criação da unidade, ficando consignado com relação a questão fundiária desse Parque que “para efetivar a área total do Parque, falta regularizar aproximadamente 130.000 há, não tendo sido “realizados os estudos requeridos” quanto a esse Parque, e que, ainda, as atividades na área denominada “Chapadão da Babilônia (…) só podem ser paralisadas quando da indenização das propriedades/posses”.
Constata-se, portanto, que não houve a concretização das exigências legais quanto à área remanescente de 130.000 ha do total de 200.000 ha, constante do Decreto nº 70.355/72, de modo que ausente o atendimento dos requisitos legais para criação de unidade de conservação, não se pode considerar, por analogia, que a precitada área pendente de regularização possa se qualificar como Unidade de Conservação, nos termos da lei.
Assim, sendo o tipo do art. 40, da Lei 9.605/98, norma penal em branco, que exige para sua tipificação a existência de Unidade de Conservação, a qual somente pode ser assim qualificada se criada em estrita observância dos requisitos da Lei 9.985/2000, afigura-se atípica a conduta do réu, no tocante à imputação da conduta de causar dano em área de Unidade de Conservação, tendo em vista que o delito foi praticado em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra.
(TRF 1ª Região, ACR 0001526-85.2011.4.01.3804/MG, supra.)
Há divergência também no âmbito cível. Nesse sentido, cito a decisão proferida no Agravo de Instrumento 0019781-23.2012.4.01.0000/MG, pelo Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE, afirmando que “ eventuais pendências relativas à regularização fundiária de toda a área do Parque Nacional da Serra da Canastra, cuja dimensão, nos termos do Decreto 70.355/1972, é estimada em 200.00ha (duzentos mil hectares), não têm o condão de autorizar a exploração de atividades danosas ao meio ambiente dentro de suas limitações territoriais, afigurando-se irrelevantes, para o deslinde da questão, o fato de se encontrar em curso projetos de lei alterando os limites do referido Parque, na medida em que, enquanto projetos não têm força legal.” (Decisão de 11.4.2012. Grifei.) Na mesma direção, a decisão proferida pela Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA, no AI n. 2007.01.00046563-1/MG, ressaltando que “ o fato da integralidade do terreno do Parque Nacional da Serra da Canastra ainda não ter sido objeto de regularização fundiária não suprime a sua condição de unidade de conservação de proteção integral, condição essa atribuída pelo art. 8º, III, da Lei 9985/2000.” (Grifei.) Em sentido contrário:
I – Sobre a criação de unidade de conservação de proteção integral, o art. 22 da Lei 9.985/2000 dispõe que “As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público”.
II – Regulamentando tal dispositivo, o art. 2º do Decreto 4.340/2002 assim preceitua que o ato de criação de uma unidade de conservação deve indicar, dentre outros, a área da unidade e as atividades econômicas.
III – “O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei” (§ 1º do art. 11 da Lei 9.985/2000).
IV – O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado pelo Decreto 70.355/1972, com área estimada de 200.000,00ha., porém, somente foram efetivamente desapropriados 71.525ha, e a área objeto das atividades minerárias estaria incluída nos limites dos 200.000ha previstos no Decreto 70.355/1972, contudo até o momento não foi objeto de desapropriação.
V – Argumento do Ministério Público Federal de que o DNPM não poderia ter concedido os títulos minerários e o ICMBio não poderia ter formalizado o TAC, pois o fato de a área em questão ainda não ter sido objeto de desapropriação não autoriza a prática de atividades degradantes ao meio ambiente, pois a criação de unidade de conservação prescinde de qualquer outro requisito, mesmo de desapropriação, ou seja, uma vez editado o decreto criação, não mais é possível a prática de atividades danosas ao meio ambiente, ainda que não tenha ocorrido a desapropriação da área.
VI – O eg. STJ concluiu pela aplicabilidade do prazo decadencial de 05 anos previsto no art. 10 do Decreto-lei 3.365/1941.
VII – “Passado o prazo de cinco anos sem que o Poder Público tenha efetivado o ato expropriatório ou praticado qualquer esbulho possessório, resulta inequivocamente caduco o ato declaratório de utilidade pública por força do artigo 10 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941”. (EREsp 191.656/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 02/08/2010.)
VIII – Apesar de o STJ entender cabível a aplicação, por analogia, do art. 19 da Lei 4.717/65 às ações civis públicas (ex. REsp 1.108.542/SC), apenas o faz quando versam sobre proteção ao patrimônio público (a título de exemplo, ACP por ato de improbidade ou ressarcimento ao erário, hipótese diversa da dos autos). Não há que se falar, pois, em remessa oficial tida por interposta.
(TRF 1ª Região, AC 0001201-52.2007.4.01.3804/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 11/05/2016.) No mesmo sentido, entendendo que, “[m]uito embora a área degradada encontre-se em área não-regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra, tendo em vista a previsão do Plano de Manejo da referida Unidade de Conservação de continuação das atividades realizadas em imóveis particulares até que haja a indenização pela propriedade ou posse, não há que se falar em proibição de realização de atividades antrópicas no local , desde que não causem danos a áreas de preservação permanente, nem às nascentes dos cursos d’água da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, devendo ser realizado o licenciamento ambiental sempre que exigido pelos órgãos ambientais competentes.” (TRF 1ª Região, AC 0000255-17.2006.4.01.3804/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 25/08/2017. Grifei.)
De minha parte, consigno que ambas as orientações são dotadas de fortes fundamentos jurídicos. No entanto, o STJ, “instância máxima da interpretação do direito ordinário” (STF, RE 561485, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2009, DJe-035 26-02-2010), concluiu, em caso similar, pela atipicidade da conduta, nos seguintes termos: [1: No mesmo sentido, reconhecendo que “os Tribunais Superiores são soberanos no tocante ao exame de legalidade.” (STF, AI 360321 AgR, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 26/03/2002, DJ 26-04-2002 P. 75.)]
Discute-se se o dano causado ao Parque Nacional da Serra da Canastra – Unidade de Conservação Federal (UCF) instituída pelo Decreto 70.355, de 3/4/72 -, narrado na peça acusatória, configura o delito descrito no art. 40 da Lei n. 9.605/98, com competência da Justiça Federal, mesmo em se tratando de propriedade privada, pois não efetivada a desapropriação pelo Poder Público.
Firmou este Tribunal compreensão de que, por se tratar de área de preservação permanente de domínio da União, embora em propriedade privada, seria considerado de interesse do ente federal, nos termos do que dispõe o art. 20, III, da CF/88.
Na hipótese, no entanto, o Decreto Federal foi editado em 1972 e a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, “criadas no papel”, acabam não se transformando em realidade concreta.
O art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do decreto e findos os quais este caducará.
Da peça acusatória consta que os acusados teriam suprimido vegetação nativa para plantio de capim napier em área de preservação permanente (margens de curso d’água afluente do ribeirão Babilônia), bem como construíram um poço, no interior da cognominada “Fazenda Vale Formoso”, Delfinópolis/MG, causando dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra (unidade de conservação de proteção integral).
Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição).
Superada a caducidade do Decreto Federal há tempos, não há como limitar-se o direito de propriedade conferido constitucionalmente, sob pena de se atentar contra referida garantia constitucional, bem como contra o direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. 5º da CF.
Tipicidade do fato afastada no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98).
(STJ, AgRg no AREsp 611.366/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 19/09/2017.)
Além de a corrente minoritária contar, agora, com o reforço do entendimento do STJ, cumpre notar que, como registrado pelo Juízo, que na equiparação da área não consolidada àquela desapropriada é possível, e até mesmo recomendável, nas ações ambientais, mercê dos princípios da precaução e da prevenção.
Contudo, não pode ser adotada na área criminal, porque tal entendimento constituiria clara operação lógica de equiparação de realidades fáticas diversas – ou seja, analogia in malam partem, vedada pelo direito penal.
Com efeito, a vedação da aplicação da analogia em prejuízo do acusado é corolário do princípio da legalidade, que impede o exercício do poder punitivo estatal de forma arbitrária, desmesurada, tanto mais por ser o Direito Penal a ultima ratio.
Por outro lado, a locução “independentemente de sua localização” diz respeito “às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990”, e, não, “às Unidades de Conservação”. Lei 9.605, Art. 40, caput. No ponto, o MPF deixou de comprovar, em nível acima de dúvida razoável, que a área afetada pelo acusado situa-se nas “áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990”.
Em consequência, concluo, no ponto, pela confirmação da sentença recorrida, como procedido pelo STJ no julgamento do AgRg no AREsp 611.366/MG, supra.
À vista do exposto, nego provimento ao recurso. É o voto.
VOTO REVISOR
Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal contra sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Passos/MG, que absolveu Joaquim Gomes de Brito da prática do crime previsto no art. 40 da Lei 9.605/98.
Em síntese, narra a denúncia que, em 02/02/2010, fiscais do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade averiguaram haver dano direto a Unidade de Preservação Permanente Parque Nacional da Serra da Canastra, consistente na introdução de gênero vegetal exótico (eucalipto) por ação de Joaquim Gomes de Brito.
A sentença do magistrado de primeira instância absolveu o acusado da prática do crime previsto no artigo 40 da Lei 9.605/98 com fundamento na inexistência jurídica, para localidade pelos réus explorada, de status de área de conservação ambiental, diante da morosidade da Administração em desapropriar as áreas que deveriam constituir o parque, considerando, portanto, atípica a conduta do réu.
O assunto, contudo, é objeto de dissenso na jurisprudência desta Corte Regional. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, firmou entendimento no sentido da atipicidade do fato no que se refere ao delito do art. 40 da Lei Ambiental, de competência da Justiça Federal, em razão da ausência de expropriação regular da área na qual teria sido perpetrado o delito. Veja-se:
PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 40 DA LEI 9.605/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL. DECRETO FEDERAL EDITADO EM 1972. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA NUNCA CONSUMADA. CADUCIDADE DO DECRETO ORIGINAL. PERMANÊNCIA DA ÁREA SOB PROPRIEDADE DO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE DE SE LIMITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE CONFERIDO CONSTITUCIONALMENTE. TIPICIDADE AFASTADA QUANTO AO DELITO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
Discute-se se o dano causado ao Parque Nacional da Serra da Canastra – Unidade de Conservação Federal (UCF) instituída pelo Decreto 70.355, de 3/4/72 -, narrado na peça acusatória, configura o delito descrito no art. 40 da Lei n. 9.605/98, com competência da Justiça Federal, mesmo em se tratando de propriedade privada, pois não efetivada a desapropriação pelo Poder Público.
Firmou este Tribunal compreensão de que, por se tratar de área de preservação permanente de domínio da União, embora em propriedade privada, seria considerado de interesse do ente federal, nos termos do que dispõe o art. 20, III, da CF/88.
Na hipótese, no entanto, o Decreto Federal foi editado em 1972 e a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, “criadas no papel”, acabam não se transformando em realidade concreta.
O art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do decreto e findos os quais este caducará.
Da peça acusatória consta que os acusados teriam suprimido vegetação nativa para plantio de capim napier em área de preservação permanente (margens de curso d’água afluente do ribeirão Babilônia), bem como construíram um poço, no interior da cognominada “Fazenda Vale Formoso”, Delfinópolis/MG, causando dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra (unidade de conservação de proteção integral).
Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição).
Superada a caducidade do Decreto Federal há tempos, não há como limitar-se o direito de propriedade conferido constitucionalmente, sob pena de se atentar contra referida garantia constitucional, bem como contra o direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. 5º da CF.
Tipicidade do fato afastada no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98).
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 611.366/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 19/09/2017)
A unidade de conservação do Parque Nacional da Serra da Canastra foi criada pelo Decreto 70.355/1972. Contudo, considerável extensão da área designada como pertencente ao parque, transcorridos quase cinco décadas de sua instituição, ainda aguarda desapropriação.
A área afetada pelo cultivo de eucalipto situa-se em terras ainda pendentes de ser regularizada pela União. Assim, curvo-me ao entendimento do STJ segundo o qual há fundamentos suficientes para se aventar a atipicidade da conduta de dano à área de conservação.
Portanto, considero atípica a conduta dos réus diante da ausência do elemento normativo do tipo “área de conservação”. Desse modo, descabe alterar o édito absolutório quanto aos crimes do artigo 40 da Lei 9.605/98.
Por fim, assevera o Parquet que o emprego da expressão “independentemente de sua localização” no artigo 40 da Lei 9.605 é suficiente para afastar a atipicidade da conduta.
No entanto, relevante consignar que a expressão não se refere às unidades de conservação per se, mas às áreas estipuladas no artigo 27 do Decreto 99.274/1990, quais sejam, aquelas nas adjacências imediatas das unidades de conservação.
No processo penal, a prova de que a conduta descrita subsume-se ao tipo objetivo e subjetivo é incumbência da acusação, de sorte que é imprescindível a demonstração das elementares constitutivas do tipo. Na espécie, o MPF não se desincumbiu satisfatoriamente de provar que o dano ocorreu em áreas situadas em raio inferior a dez quilômetros das áreas que efetivamente integram o parque, portanto, as já desapropriadas.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso do MPF.
É o voto revisor.