PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 50-A DA LEI 9.605/1998. DESMATAMENTO DE FLORESTA. TERRA DE DOMÍNIO PÚBLICO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. INEXISTÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DO DOLO.EXCLUDENTE DE CULPA E DE ILICITUDE. ARTIGO 50, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 9.605/98. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA.
(TRF-1 – APR: 00092040720124013000 0009204-07.2012.4.01.3000, Relator: JUIZ FEDERAL GUILHERME MENDONÇA DOEHLER (CONV.), Data de Julgamento: 16/08/2016, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 24/08/2016 e-DJF1)
1. O objeto do crime previsto no art. 50-A da Lei 9.605/1998 é a floresta, plantada ou nativa, desde que localizada em terras de domínio público ou devolutas.
2. O elemento normativo do tipo floresta designa a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa, sendo essencial que seja constituída por árvores de grande porte, não incluindo a vegetação rasteira (STJ, HC 200700110074, Fischer, 5ª Turma, 21/06/07).
3. O parágrafo 1º do artigo 50-A da Lei 9.605/1998 estabelece que “não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família”.
4. No caso, a materialidade e a autoria ficaram comprovadas pelos documentos juntados aos autos, não havendo, entretanto, comprovação do dolo, consistente em degradar o bem jurídico tutelado, no caso, a floresta.
5. Mantida a sentença que absolveu sumariamente o acusado, com fulcro no art. 386, VI e VII, do Código de Processo Penal, porque, além de o desmatamento estar albergado pela inexigibilidade de conduta diversa e pelo estado de necessidade, a própria legislação ambiental descriminaliza a conduta do desmate quando necessária à subsistência do agente ou de sua família, nos termos do art. 50, § 1º, da Lei 9.605/1998.Precedentes.
6. Apelação não provida.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença proferida pelo Juiz Federal Jair Araújo Facundes, da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre, que julgou improcedente a denúncia, absolvendo AQUILES SOARES PEDROSO da imputação do delito previsto no art. 50-A da Lei 9.605/1998, com fundamento do art. 386, VI e VII, do Código de Processo Penal.
A inicial acusatória, recebida em 31/08/2012, narra que “na zona rural do Município de Acrelândia/AC, o denunciado desmatou 29,2 ha (vinte e nove hectares e dois ares) de floresta amazônica no interior do Projeto de Assentamento Agroextrativista Porto Dias, objeto de especial preservação, sem autorização por parte do órgão ambiental competente”.
Nas razões de apelação o MPF sustenta que há provas suficientes da materialidade e da autoria delitivas, razão pela qual requer a condenação do réu.
Diz ainda que não deve prevalecer o fundamento utilizado pelo magistrado a quo de que, sendo a área desmatada muito inferior ao módulo fiscal (100 ha por se tratar do município de Acrelândia/AC), o desmatamento não está albergado pela inexigibilidade de conduta diversa e pelo estado de necessidade, uma vez que a floresta amazônica integra o patrimônio nacional (art. 225, § 4º, da CF) e goza de especial proteção das instituições públicas.
Sustenta, assim, que o acusado praticou o delito previsto no art. 50-A da Lei 9.605/1998, não havendo fundamento para reconhecer a excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), nem excludente da ilicitude (estado de necessidade), razão pela qual a sentença deve ser reformada para condenar o acusado pela prática do crime.
O Ministério Público Federal, em parecer do Procurador Regional da República Paulo Queiroz, manifesta-se pelo desprovimento do recurso. É o relatório.
VOTO
Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença que absolveu o acusado da imputação da prática do delito previsto no art. 50-A da Lei 9.605/1998, que assim discorre:
Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente: Pena – reclusão, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, e multa.
Da leitura do referido artigo supracitado verifica-se que o objeto do crime são as florestas, plantadas ou nativas, desde que localizadas em terras de domínio público ou devolutas.
O elemento normativo do tipo floresta designa a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa, sendo essencial que seja constituída por árvores de grande porte, não incluindo a vegetação rasteira (STJ, HC 200700110074, Fischer, 5ª Turma, 21/06/07).
Por sua vez, de acordo com o § 1º do art. 50-A da referida Lei, “não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família”.
No caso, o recorrido foi autuado por desmatar 29,2 ha (vinte e nove hectares e dois ares) de floresta amazônica no interior do Projeto de Assentamento Agroextrativista Porto Dias, objeto de especial preservação, sem autorização por parte do órgão ambiental competente.
A materialidade e a autoria ficaram comprovadas pelos seguintes documentos: auto de infração e laudos de exame de meio ambiente de números, bem como confissão do réu.
Apesar da comprovação da materialidade e da autoria, a absolvição deve ser mantida, pois não houve a comprovação do dolo, consistente em degradar o bem jurídico tutelado, no caso, a floresta.
A meu ver, assim como concluiu o Procurador Regional da República, em seu parecer, o acusado desmatou a área descrita com o fim de plantar cultura de subsistência e criar gado, para fins de arrendamento, conforme consta de seu depoimento. Confira-se:
[…] QUE desmatou a área descrita nesta auto com o fim de realizar o plantio de café, banana, manga, mandioca, feijão, arroz, milho; QUE aluga o pasto da colocação em que reside para criação de gado; QUE vive da aposentadoria que recebe do INSS e do que planta; QUE o valor que recebe de aposentadoria não é suficiente para custear suas despesas, razão pela qual necessita plantar para alimentar sua família […]
Dessa forma, deve ser mantida a sentença que absolveu sumariamente o acusado, com fulcro no art. 386, VI e VII, do CPP, porque, como bem esclareceu o Juízo a quo “o desmatamento está albergado pela inexigibilidade de conduta diversa e pelo estado de necessidade”, além do que, nos termos do art. 50, § 1º, da Lei 9.605/1998, “não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família”.
Transcrevo, por oportuno, trecho bem esclarecedor do parecer do Procurador Regional da República, que assim discorreu:
[…] Logo, é forçoso concluir que é, sim, caso de exclusão de inexigibilidade de conduta diversa, seja porque essa região de assentamentos, em especial, não conta com apoio estatal no sentido de fornecer tecnologia, treinamento ou planejamento adequado para evitar um maior índice de desmatamento, seja porque, por isso mesmo, a cultura de subsistência rudimentar praticada pelos colonos necessita de maior porção de terras degradadas, seja porque o réu não possui outro meio de sobrevivência e de assegurar o sustento (sic) sua família […]
A supressão desautorizada de vegetação florestal é, portanto, exculpável, quer pela existência de pragas que infestavam a área do assentamento, quer pela impossibilidade de se desenvolver uma agricultura de subsistência, que assegurasse ao apelante condições mínimas de sobrevivência. […]
Em casos análogos, a jurisprudência desta Corte Regional tem entendido que deve ser mantida a absolvição sumária, decorrente da aplicação da excludente de ilicitude prevista no art. 50, § 1º, da Lei 9.605/1998, senão vejamos:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. ARTS. 38 E 50-A, DA LEI Nº 9.605/98. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. No caso em comento, é de se manter a v. sentença penal absolutória, tendo em vista o asseverado pelo MM. Juízo Federal a quo, no sentido de que “[…] há que se ressaltar que a própria legislação ambiental, descriminaliza a conduta do desmate quando necessária à subsistência do agente e de sua família (art. 50-A, §1º, da Lei 9.605/98). Tal fato demonstra que o próprio legislador não pretendia se ocupar de situações em que o dano ambiental foi praticado para salvaguardar a sobrevivência do autor” (fl. 233), bem como de que “No caso concreto, além de haver a alegação do réu de que desmatou para subsistência; verifico que a área em questão é de 50,35 ha (fl. 32), portanto, inferior ao módulo fiscal (100 ha, por se tratar de município – Acrelândia/AC). Destarte, se, por definição do próprio órgão estatal, a utilização de toda a propriedade não seria suficiente para o sustento de sua família, tanto mais os 13,8 ha pelo qual o réu foi denunciado, o que demonstra que o desmatamento está albergado pela inexigibilidade de conduta diversa e pelo estado de necessidade” (fl. 233).
2. Aplicação de precedente jurisprudencial da Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
3. Sentença mantida. Apelação desprovida. (ACR 0005440-47.2011.4.01.3000/AC, Rel. Desembargador Federal I’talo Fioravanti Sabo Mendes, Quarta Turma, e-DJF1 p.191 de 20/05/2015).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL (ART. 50-A DA LEI N. 9.605/98). ASSENTAMENTO DO INCRA. DESMATAMENTO PARA SOBREVIVÊNCIA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ART. 50, § 1º DA LEI 9.605/98. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA (CPP: ART. 387, I). APELO DESPROVIDO.
1. Embora tenham sido demonstradas nos autos a autoria e a materialidade delitivas, deve ser mantida por seus próprios fundamentos a sentença que absolveu sumariamente o acusado, com fulcro no art. 387, inciso I, do CPP, decorrente da aplicação da excludente de ilicitude prevista no art. 50, § 1º, da Lei n. 9.605/98, porquanto, nos termos do referido dispositivo legal, “não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família”.
2. O fato de o acusado possuir Termo de Concessão de Uso da área em que reside não descaracteriza o estado de necessidade do acusado, mormente porque o crime previsto no art. 50-A somente foi praticado com vistas a oferecer o sustento pessoal e de sua família.
3. Apelação desprovida. (ACR 0000902-23.2011.4.01.3000/AC, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Rel. Conv. Juiz Federal Antônio Oswaldo Scarpa (Conv.), Quarta TURMA, e-DJF1 p.2742 de 05/12/2013).
PENAL. PROCESSO PENAL. DESMATAMENTO. ÁREA DE FLORESTA OU MATA. ART. 50-A DA LEI 9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA. ESTADO DE NECESSIDADE CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO.
1. Autoria e materialidade demonstradas nos autos.
2. Embora o Parquet alegue que não haveria como caracterizar o estado de necessidade em razão da grande extensão da área desmatada, da leitura dos documentos constantes do processo extrai-se que o réu efetuou o desmatamento com o único fim de garantir sua sobrevivência e de sua família. O dolo de cometer o crime previsto no art. 50-A da Lei 9.605/98 não restou caracterizado.
3. A conduta do acusado subsume-se ao estado de necessidade, excludente de antijuridicidade prevista no artigo 23, inciso I, e artigo 24, ambos do Código Penal, ficando este claramente evidenciado nas declarações ofertadas pelo réu.
4. As conclusões do laudo pericial (fls. 62/74) são claras e confirmam, categoricamente, que, “não foi constatada nenhuma Área de Preservação Permanente (APP) afetada pelo desflorestamento que circunscreve o polígono em questão”, o que afasta o caráter comercial do desmatamento e evidencia que a intenção do denunciado era, tão somente, sua subsistência.
5. Apelação não provida. (ACR 0001855-84.2011.4.01.3000/AC, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Rel. Conv. Juiz Federal José Alexandre Franco (Conv.), Terceira Turma, e-DJF1 p. 735 de 17/08/2012).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. DESMATAMENTO PARA SOBREVIVÊNCIA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.
1. Embora tenham sido demonstradas nos autos a autoria e a materialidade delitivas, deve ser mantida por seus próprios fundamentos a sentença que absolveu sumariamente o acusado, com fulcro no art. 387, inciso VI, do CPP, decorrente da aplicação da excludente de ilicitude prevista no art. 50, § 1º, da Lei 9.605/98, porquanto, nos termos do referido dispositivo legal, “não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família”.
2. Apelação desprovida. (ACR 0007293-91.2011.4.01.3000/AC, Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Rel. Conv. Juiz Federal Alderico Rocha Santos (Conv.), Quarta Turma, e-DJF1 p. 1095 de 15/04/2015).
De fato, da análise de todo o conjunto probatório verifica-se a insuficiência de provas para a condenação do réu ante a inexistência da comprovação quanto ao elemento subjetivo do recorrido, elemento o qual indispensável para a condenação do crime previsto no art. 50-A da Lei 9.605/1998, motivo pelo qual deve ser mantida a absolvição do apelado.
Com efeito, para fundamentar a condenação, as provas deveriam conduzir a um juízo de certeza sobre do dolo do réu, o que não ocorre no presente processo.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo do Ministério Público Federal, e mantendo a sentença absolutória em todos os seus termos.
É como voto.