A sentença que julgou procedente a ação ajuizada pelo autuado, para declarar a nulidade do auto de infração ambiental e do termo de embargo e interdição aplicados pelo IBAMA, em razão de reforma imóvel em área de preservação permanente.
Inconformado, o IBAMA recorreu alegando que a reforma empreendida pelo autor foi realizada em imóvel localizado em área de preservação permanente, o que afiguraria a regularidade da autuação levada a efeito, considerando que inexistiu licenciamento ambiental prévio, que se mostrava imprescindível.
O IBAMA sustentou ainda, a ausência de ligação do imóvel à rede de esgoto municipal é circunstância que agravaria a degradação ambiental causada pela obra, e assim requereu o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de nulidade do auto de infração e termo de embargo, o que foi rejeitado pelo Tribual.
Como temos defendido no escritório Farenzena & Zanchet Advocacia Ambiental, a reforma de imóvel construído em área de preservação permanente, mesmo que sem prévio licenciamento pela autoridade competente, não configura infração ambiental porque não há acréscimo de área construída, nem implica qualquer agravamento no impacto poluidor do empreendimento, constituindo simples reparo para fins de manutenção da edificação.
1. ACÓRDÃO
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. OBRA SEM PRÉVIO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE.
Em se tratando de auto de infração ambiental, lavrado em virtude de dano ambiental decorrente de reforma de imóvel levada a efeito pelo autor, sem prévio licenciamento pela autoridade competente, não há como prosperar a autuação, porquanto demonstrado que tal obra não redundou em acréscimo de área construída, nem implicou qualquer agravamento no impacto poluidor do empreendimento, constituindo simples reparo para fins de manutenção do prédio.
(TRF-4 – APL: 50204336520134047200 SC 5020433-65.2013.4.04.7200, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 27/09/2017, QUARTA TURMA)
2. Leia o voto que manteve a declaração de nulidade de auto de infração e embargo
O juízo a quo, ao sentenciar o feito, manifestou-se nos seguintes termos:
O autor ajuizou a presente ação ordinária contra o INSITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, com o objetivo de declarar a nulidade do Auto de Infração Ambiental e do Termo de Embargo ou Interdição, com a baixa de tais penalidades junto à autarquia ré.
Afirma que, em decorrência de uma denúncia por um dos seus concorrentes, uma equipe formada por agentes do IBAMA se dirigiu à sua residência, confrontante com as areias da praia e autuaram e embargaram a obra de reforma do imóvel já existente, construído naquele mesmo local há muitos anos.
Refere que a infração teria sido reformar obra potencialmente poluidora, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes. Argumenta que em nenhuma das normas jurídicas consta que a atividade de reforma de obra seja uma atividade potencialmente poluidora.
Salientou que a reforma da obra buscava tão somente oferecer melhoria estrutural e segurança ao proprietário. Ressaltou que não ocorreu ampliação de espaço físico durante a fase de obra de reforma.
Deferido o pedido liminar, o réu foi citado e contestou. Afirmou que a controvérsia estabelecida gira em torno das implicações de reforma estabelecida em imóvel localizado em área de preservação permanente, fatos não negados pela parte autora.
Argumentou que, ainda que se cuide de mera reforma, seria inequívoco que a mesma ocorreu sob a plena vigência da legislação protetiva de APP, o que implica em autorização administrativa específica, não tendo tal autorização sido emitida pela autarquia ré.
Sustentou que a parte autora levou a termo reforma em edificação erguida sobre APP e sem a competente autorização do órgão ambiental para fazê-lo.
Aduziu que não há que se falar em direito adquirido quando em jogo o advento de uma norma de ordem pública, de aplicação geral e imediata, emanada do interesse coletivo em detrimento do particular.
Referiu que não prosperaria o argumento no sentido do autor não ter suprimido a vegetação em questão, vez que quem perpetua a lesão anterior também comete o ilícito ambiental.
Requerida a produção de prova pericial, as partes apresentaram quesitos. Confeccionado o laudo pericial, as partes apresentaram impugnação. Complementado o laudo pericial, as partes apresentaram suas alegações finais.Os autos foram conclusos para sentença. É o relatório.
3. Decisão para anular o auto de infração e embargo
O laudo pericial constatou que a construção ou reforma não está incluída na lista de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais, constantes do Anexo VIII da Lei nº 6.938/81.
O laudo também constatou que a vegetação de natural ocorrência restinga herbácea) já se encontrava alterada desde o ano de 1978 e que não houve aumento de área ocupada em virtude da reforma promovida pelo autor.
O expert concluiu que não é possível afirmar que houve remoção ou arassamento de dunas na área em comento.
Concluiu o perito que a instalação e operação do empreendimento impede a regeneração da vegetação nativa estritamente na área em que está implantado.
No entanto, o laudo afirma que, embora a área onde está disposta a edificação em comento fosse originalmente representada por ecossistema de restinga, não foi possível comprovar a existência pretérita de dunas, e consequentemente, a ocorrência de vegetação natural com função de estabilizá-las, o que configura o caráter preservacional desses ambientes nas normativas citadas.
Assim, o perito, considerando a legislação em vigor, Lei nº 12.651/12 e a inexistência de dunas na área em comento, disse que não se deve considerar como área de preservação permanente.
Neste sentido, inexistindo área de preservação permanente, não vislumbro qualquer obra que tenha potencial impacto poluidor, até porque não houve qualquer ampliação na obra realizada. O perito ainda concluiu:
“Considerando o pequeno espaço em que se insere a área objeto da perícia e o avançado estágio de urbanização identificado nas adjacências, a recuperação da área do empreendimento às condições originais não traria melhora substancial ao ecossistema de restinga outrora existente na localidade.”
O perito confirmou suas posições no laudo complementar, no sentido de que não se poderia visualizar a existência de dunas, pelo menos na época em que construído o imóvel.
Por conseguinte, não havendo área de preservação permanente, bem como não havendo melhoria substancial ao meio ambiente com a restauração da vegetação de restinga outrora existente, tenho que a autuação exorbitou da legislação ambiental existente, constituindo abuso ou exagero, já que não encontra respaldo na legislação ambiental vigente.
Neste sentido, não vislumbro motivos suficientes para a autuação e o embargo do estabelecimento comercial. Caso o Ministério Público Federal ou o IBAMA desejem aprofundar o exame pericial, ou demonstrar que o estabelecimento provoca poluição através de seu sistema de esgoto, poderão ajuizar ação civil pública própria.
No entanto, o objeto da presente ação ordinária cinge-se ao auto de infração e embargo, que foi devidamente esclarecido pelo perito biólogo, afastando as alegações expostas pelo IBAMA na contestação.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido do autor para declarar a nulidade do Auto de Infração e do Termo de Embargo ou Interdição, com a baixa de tais penalidades junto à autarquia ré, bem como confirmar a decisão liminar que suspendeu o auto de infração e o termo de embargo.
Não obstante a conclusão do juízo singular no sentido de que o terreno sub judice não se caracteriza como área de preservação permanente, a sentença deve ser mantida, porém por fundamento diverso.
O auto de infração foi lavrado, em virtude de reforma em imóvel pertencente ao autor, sem prévio licenciamento ambiental.
Ocorre que tal obra não redundou em acréscimo de área construída, nem implicou qualquer agravamento no impacto poluidor do empreendimento, tratando-se de simples reparos para fins de manutenção.
Logo, observados os estreitos limites da autuação, não devem subsistir os autos de infração e embargo lavrados.
Nesse sentido, e a fim de evitar desnecessária tautologia, transcrevo os bem lançados fundamentos lançados pelo ilustre Representante do MPF em seu parecer, integrando-os nas razões de decidir:
4. FUNDAMENTOS
A controvérsia dos presentes autos cinge-se à verificação da validade da punição aplicada à parte autora pela parte ré no Auto de Infração e do Termo de Embargo ou Interdição..
Com efeito, é incontroverso que o motivo da aplicação da multa foi a reforma de obra potencialmente poluidora, por parte da parte apelada, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes.
Trata-se efetivamente de empreendimento localizado em área de preservação permanente (APP), conforme parecer do Ministério Público Federal no processo originário:
Nos moldes do Parecer Técnico em anexo, elaborado pelos Analistas Periciais em Geologia e Engenharia Sanitária do MPF, no que toca à caracterização original da cobertura da área aqui discutida entende o Parquet pela existência pretérita de duna frontal no imóvel.
Dentre outras considerações, se as dunas frontais ocorriam a sudeste e noroeste onde estão preservadas até os dias de hoje, deduz-se que, não havendo diferenciação geomorfológica e morfodinâmica ao longo da praia, a faixa de dunas frontais é o ambiente original do local onde se encontra a edificação aqui discutida.
No que toca ao aspecto sanitário, não há ligação do edifício à rede pública coletora de esgotos, o que deverá ser providenciado caso entenda o Juízo pela permanência da construção no local. Nestes termos, requer o Parquet o prosseguimento do feito, pugnando pela improcedência da inicial.
Além disso, não pode ser aceito como argumento de convalidação de irregularidade pelo transcurso do tempo ou o fato de que se trata de área já degradada. Inclusive, porque se trata de área de praia, passível de regeneração do ecossistema de restinga.
Não obstante, entendo que o auto de infração deve ser anulado porque não vislumbro na mera reforma do empreendimento um potencial impacto poluidor. O impacto poluidor pode ser o próprio empreendimento em si, que pode ser autuado pelo IBAMA.
Igualmente podem ser objeto de autuação eventuais problemas em relação ao esgoto lançado pelo empreendimento.
Assim, observados os limites objetivos do laudo de infração (evento 1, PROCADM6, dos autos originários), deve ser mantida a sentença.
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
É o voto.