ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. DESTRUIÇÃO DE FLORESTA. AUSÊNCIA DE PROVAS. A ausência de comprovação de que a vegetação de preservação permanente foi destruída pelo autor descaracteriza a infração e conduz à declaração de nulidade do auto de infração. Portanto, deve ser mantida a sentença que declarou a nulidade do Auto de Infração n. 2271977-D e do Termo de Embargo n. 279418-C.
(TRF-4 – APL: 50160200920134047200 SC 5016020-09.2013.404.7200, Relator: CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 31/08/2016, QUARTA TURMA)
RELATÓRIO
Esta apelação ataca sentença proferida em ação ordinária que objetiva a anulação do Auto de Infração nº 271977-D e do Termo de Embargo nº 279418-C, expedidos pelo IBAMA.
A sentença julgou procedente o pedido (evento 2, SENT79), assim constando do respectivo dispositivo:
Ante o exposto, reconheço a falta de interesse de agir quanto à legalização da construção por esse juízo, extinguindo o feito sem resolução do mérito em relação a esse pedido, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC. No mérito, julgo PROCEDENTE o pedido e declaro a nulidade do Auto de Infração n. 2271977-D e do Termo de Embargo n. 279418-C, nos termos da fundamentação exposta, extinguindo o processo com exame do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC.
Em sede de razões recursais (evento 2, APELAÇÃO81) a parte ré sustenta que: (1) o autor deu início a sua construção de uma residência sem autorização ambiental; (2) o autor construiu em Área de Preservação Permanente – APP, pois o elemento hídrico existente no local possui aporte tanto de águas superficiais como águas subterrâneas provenientes de aqüífero freático ou fraturado; (3) o laudo pericial foi impugnado pelo IBAMA e pelo MPF em razão de inúmeras inconsistências; (4) os atos administrativos atacados devem ser mantidos, porque o autor construiu a menos de 30 metros de curso d’água e em área de preservação permanente.
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
Peço dia para inclusão em pauta.
VOTO
A discussão posta nestes autos diz respeito, em essência, à anulação do Auto de Infração nº 271977-D e do Termo de Embargo nº 279418-C, expedidos pelo IBAMA.
Mantenho e adoto como razão de decidir a sentença do Juiz Federal Marcelo Krás Borges, que julgou procedente a ação, transcrevendo os seguintes trechos:
A Constituição Federal define o meio ambiente como bem de uso comum do povo, cuja responsabilidade de preservação cabe à toda a coletividade e também ao estado. É o que dispõe o art. 225, o qual prevê, ainda, a penalização por infração a normas de proteção ambiental, verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
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- 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, regulamenta, em parte, a norma constitucional dispondo sobre as sanções penais e administrativa derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Estabelece em seu art. 70 que “considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
O auto de infração n. 271977- série D imposto ao autor teve como causa “destruir floresta considerada de preservação permanente mesmo que em formação, utilizando-a em infringência das normas administrativas”.
Segundo as alegações trazidas pelo autor, à época em que construiu sua residência já não existia vegetação naquela área, que inclusive era utilizada por outros moradores para depósito de lixo. Outro argumento é de que o curso d’água a que se refere o IBAMA não existe, mas apenas vala de drenagem.
Assim, o essencial é saber se o autor efetivamente destruiu a vegetação considerada de preservação permanente para efetuar sua construção e se, de fato, a área está próxima a curso d’água. É o que, então, será apurado com a análise dos documentos e provas realizadas nos autos.
No Laudo Técnico Ambiental n. 83/03, de 10/10/03 (fl. 81), por exemplo, fez-se constar que:
“em ação fiscalizatória realizada em 30/09/2003, encontramos trabalhadores edificando a residência, estando na fase em que mostram as fotografias 1 e 2 anexadas ao documento. Não possuíam nenhuma documentação em mãos. Constatamos que a obra ocupa indevidamente área de preservação permanente, como determina o art. 3º, inciso I, da Resolução CONAMA n. 303/2002, que regulamenta o Artigo 2º da Lei 4.771/65; visto que a ‘vara de drenagem’ mencionada no laudo assinado pelo Sr. Eckshmidt trata-se de um curso d’água natural e perene, que drena a microbacia da praia do Antenor. Portanto, tal ato causa dano direto à APA de Anhatomirim, infringindo-se o artigo 38 da Lei 9.605/98 ao destruir floresta de preservação permanente, mesmo que em formação, utilizando-a com infringência das normas de proteção”.
Na informação complementar (de 24/05/2004- fl. 83) foi noticiado que:
“Atendendo ao despacho da folha 22, do Sr. Marcelo Kammers, informamos que a área de preservação permanente (APP) relativa ao curso d’água que drena a microbacia da praia do Antenor encontra-se bastante degradada. O local ocupado pelo Sr. Livramento não é diferente, havendo casas em toda a APP, inclusive entre sua construção e o córrego.”
A contradita apresentada na via administrativa (fls. 93/94) também concorda com a alegação de que não havia mais vegetação nativa naquela área, tendo em vista estar em local totalmente ocupado de forma desordenada. Explica que mesmo assim justifica-se a autuação em face da existência de curso d’água na área.
“Quanto as alegações contidas na defesa do autuado, tais como: o local do aterramento e construção da casa serem utilizadas como depósito de lixo e entulho; não existir qualquer vegetação nativa no espaço onde foi construído a casa, podemos afirmar realmente estarem próximas a verdade, haja vista, a mesma encontrar-se inserida em local totalmente ocupado, e de forma desordenada, por diversas residências sem infra-estrutura sanitária necessária, entretanto a luz da legislação ambiental e por força do laudo técnico do Sr. Gustavo Pinto, lavramos os autos tendo como fundamento o curso d’água apontado pelo analista em sua peça” .
Na perícia realizada em juízo, o “expert” , em resposta ao quesito 02 do autor (fl. 357), explicou que:
“(..) Em 1957 a área já se apresentava antropizada com a formação de pastagem na porção central da micro-bacia, onde hoje encontra-se o vilarejo. Em 1978 a estrada já estava concluída e os primeiros loteamentos já são visíveis. O desmatamento de 1958 a 1978 aumentou cerca de 40%. O local onde hoje encontra-se a área periciada encontrava-se em área não antropizada em 1957, porém em 1978 ela já se encontrava em área desmatada.”
Ainda sobre a antropização, relatou o perito (resposta ao quesito 05 do autor):
“após a abertura da estrada geral ocorre início de desenvolvimento da região pelos terrenos em frente a praia, logo depois no entorno e após o asfaltamento o aumento por lotes aumenta significativamente junto a rodovia.”
Especificamente sobre a preexistência de vegetação na área do imóvel, o perito afirmou que (resposta ao quesito 11 do autor – fl. 365):
“não foi possível determinar se no momento da construção da casa se havia ou não vegetação, pois as fotos aéreas são demasiado antigas e as (sic) imagens de satélite mais novas, a casa já aparece construída. Por relatos de morados supracitados a área não possuía vegetação no momento da construção”.
Depreende-se, assim, que tanto os próprios laudos apresentados pelo IBAMA, como também o laudo pericial produzido em juízo não comprovam que a destruição de vegetação de floresta considerada preservação permanente na área tenha sido realizada pelo autor. Pelo contrário, o laudo pericial revela que, pelas fotos antigas, se pode perceber a área já se encontrava desmatada em 1978, muito antes do início da construção (2003).
É de se concluir, então, que não estava presente um dos elementos do tipo descrito na infração administrativa do art. 25 do Decreto-Lei 3.179/99, pois não se pode afirmar que o fato atribuído ao réu “destruir vegetação de preservação permanente” ocorreu e, por esse motivo, foi ilegal a autuação promovida pelo órgão ambiental.
Embora a imposição de penalidade por infração ambiental independa de dolo ou culpa, ela não pode ser dirigida contra quem não praticou a conduta. É o que ensina Édis Milare ao afirmar que “a responsabilidade administrativa, ainda que independa de culpa, particulariza-se e afasta-se da esfera civil, por não prescindir da ilicitude da conduta” (Direito do Ambiente. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 834). Como exemplo da necessidade de se verificar quem foi o autor do fato considerado ilícito administrativo, o autor cita a situação de aquisição de um imóvel em relação ao qual se verifica posteriormente (à transação) a contaminação do solo e das águas subterrâneas. Nesse caso, afirma que “provando o sucessor que a atividade atualmente desenvolvida no local não deu causa à poluição encontrada, estará a salvo da penalidade administrativa. E da penal também” (ob. cit, p. 836).
Ainda sobre as características da infração ambiental, revela o autor (ob. cit, p. 837):
“Refletindo mais detidamente sobre a matéria, concluímos que a essência da infração ambiental não é o dano em si, mas sim o comportamento em desobediência à uma norma jurídica de tutela do ambiental. Se não há conduta contrária à legislação posta, não se pode falar em infração administrativa.
Hoje entendemos que o dano ambiental, isoladamente, não é gerador de responsabilidade administrativa; contrario sensu, o dano que enseja responsabilidade administrativa é aquele enquadrável como o resultado descrito em um tipo infracional ou o provocado por uma conduta omissiva ou comissiva violadora de regras jurídicas.
A conduta ilícita pode ser comissiva ou omissão e traduzir-se na violação a qualquer disposição jurídica que tenha por objeto, direto ou indireto, o uso, o gozo, a promoção, a proteção e a recuperação dos recursos ambientais e a conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em determinados casos, a conduta será considerada ilícita em razão de seu enquadramento em um dos tipos infracionais previstos no Dec. 3.179/99 ou em outras normas ambientais. Em tais situações, a sanção somente poderá incidir ante o perfeito enquadramento legal da conduta imputada ao agente, incluindo, se for o caso, a ocorrência do resultado dano nos termos descritos do tipo”.
Ainda que o conceito de infração administrativa enunciado pelo artigo 70 da Lei n. 9.605/98 se estenda às ações e/ou omissões que impeçam a recuperação ambiental, não foi o ato comissivo do autor, consistente em não recuperar a área degradada, a causa da autuação, mas a destruição de floresta considerada de vegetação permanente, que não restou comprovado ter sido por ele praticado.
Sendo de natureza objetiva o dano ambiental (art. 4º, VII, da Lei n. 6.938/81), podem os órgãos ambientais exigir a recuperação da área degradada por parte do atual proprietário (STJ, REsp n. 745.363/PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJe 07/04/08), o que, todavia, não se confunde com a aplicação de sanção pela prática do ato, no caso, de destruição da vegetação. Mostra-se, de fato, irrelevante e impertinente se perquirir acerca da conduta do agente para a atribuição do dever de indenizar e recuperar o dano, mas tal não ocorre quando se trata de aplicar sanção administrativa.
Pode o adquirente ter cometido outro ilícito (administrativo ou até mesmo penal), mas não o de destruir floresta de preservação permanente. Mais uma vez, é de se frisar que não se pode confundir responsabilidade objetiva pelo dano ambiental, independentemente de dolo ou culpa, com punição objetiva. É inconcebível a imposição de penalidade, quer na esfera administrativa, quer na penal, por ato praticado por outrem.
Desse modo, a ausência de comprovação de que a vegetação de preservação permanente foi destruída pelo autor descaracteriza a infração e conduz à declaração de nulidade do auto de infração. Em decorrência, é despicienda qualquer discussão sobre a existência de curso d’água. Isso porque sua presença, por si só, não justifica a imputação da infração administrativa ao autor.
Mesmo que se considere nulo o Auto de Infração e Termo de Embargo lavrados contra o autor, não há como atender o pedido de legalização da construção. Para tanto, é imprescindível análise da obra por parte dos órgãos administrativos competentes para a regularização, oportunidade em que serão verificados todos os requisitos presentes nas normas municipais e ambientais. Há, assim, falta de interesse processual em relação a esse pedido, devendo ser extinto.
Ante o exposto, reconheço a falta de interesse de agir quanto à legalização da construção por esse juízo, extinguindo o feito sem resolução do mérito em relação a esse pedido, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC. No mérito, julgo PROCEDENTE o pedido e declaro a nulidade do Auto de Infração n. 2271977-D e do Termo de Embargo n. 279418-C, nos termos da fundamentação exposta, extinguindo o processo com exame do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC.
Tendo em vista que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido, em relação à extinção do feito sem julgamento de mérito, condeno o IBAMA ao pagamento de honorários advocatícios em seu favor, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, de acordo com o art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil.
Condeno o réu, ainda, ao ressarcimento em favor do autor das custas processuais e dos honorários periciais adiantados, corrigidos monetariamente.
Sentença registrada eletronicamente.
Publique-se. Intimem-se.
Dê-se vista ao Ministério Público Federal.
A manutenção da sentença é medida que se impõe.
O auto de infração n. 271977- série D imposto ao autor (evento 2, anexos pet 4) teve como causa “destruir floresta considerada de preservação permanente mesmo que em formação, utilizando-a em infringência das normas administrativas”.
As provas dos autos revelam que a área de preservação permanente teve a vegetação destruída, contudo, não há provas nos autos indicando que foi o autor quem a destruiu.
A contradita apresentada na via administrativa (evento 2, anexos pete4, fl. 104) confirma a alegação da parte autora de que não havia mais vegetação nativa na área quando da construção pelo autor, tendo em vista estar em local totalmente ocupado de forma desordenada por diversas residências sem a infra-estrutura sanitária necessária.
Portanto, não pode o autor ser punido por “destruir floresta” quando não foi ele quem praticou a ação.
Pode até ser que o autor tenha cometido outras infrações, mas isso não está em discussão nessa ação que se destina apenas à anulação do auto de infração.
Nesta ação apenas se está anulando a autuação e a interdição que foram lançadas, sem prejuízo de que outras providências sejam adotadas para proteção e recuperação do ambiente eventualmente degradado. Logo, pode o IBAMA adotar as providências administrativas que entender cabíveis, pois não se está reconhecendo o direito do autor continuar com a edificação no local. O que se reconhece é que o autor desta ação não praticou a “destruição da floresta”, conforme descrito no auto de infração.
Portanto, a sentença abordou apropriadamente as alegações das partes e as provas produzidas, não havendo reparo a ser feito.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.