AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. IBAMA. FLORA. DEPÓSITO DE PRODUTOS DE ORIGEM VEGETAL, SEM EXIGIR A EXIBIÇÃO DE LICENÇA DO VENDEDOR. ART. 47, §1º, DO DECRETO 6.514/08. NULIDADE. APREENSÃO DA MADEIRA ILEGAL. MANUTENÇÃO DA MEDIDA.
1. Cinge-se a controvérsia a examinar a legalidade do auto de infração lavrado pelo IBAMA, por manter em depósito madeira nativa serrada (produto acabado), adquiridos de empresa apontada como fisicamente inexistente (fantasma), com documentação ideologicamente falsa e sem licença válida para todo o tempo do armazenamento da madeira.
2. A empresa adquirente não tinha ciência de que a empresa vendedora era ilegal, pois, ao adquirir as madeiras, agiu amparada nos sistemas oficiais de controle, como é o caso do Sistema DOF (Documento de Origem Florestal). Não se afigura razoável exigir que a regularidade da extração e venda da madeira deveria ter sido verificada por parte da compradora.
3. É nulo o auto de infração, ante a boa-fé dos compradores dos produtos florestais, não sendo razoável exigir que a parte autora tomasse ciência do fato de que a empresa vendedora mantinha em depósito madeira com licença ideologicamente falsa ou que não existia de forma legal.
4. Por outro lado, é inviável o armazenamento do produto florestal comprado da empresa que operava com licenças obtidas irregularmente, o que contamina todos os atos subsequentes por ela praticados.
5. A apreensão decorre, portanto, do caráter ilícito da madeira, cujo uso é proibido por infração cometida pela vendedora. Do contrário, a comercialização da madeira redundaria na propagação do ilícito, ao permitir-se sua distribuição e utilização.
(TRF4, AC 5006332-47.2018.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 17/06/2020)
RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e a União, objetivando a declaração da nulidade do auto de infração ambiental, o qual culminou na aplicação de multa ambiental em razão da conduta de manter em depósito madeira nativa serrada, com licença ideologicamente falsa, bem como o cancelamento do termo de apreensão e do termo de depósito.
Processado e instruído o feito, sobreveio sentença de parcial procedência, cujo dispositivo restou assim redigido:
Ante o exposto:
a) reconheço a ilegitimidade passiva ad causam da União e extingo o processo em relação a ela sem exame do mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil; e
b) acolho em parte a pretensão, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil para reconhecer a ilegalidade do auto de infração imposto à autora e, consequentemente, a multa dele decorrente.
Irresignados, apelam a parte autora e o IBAMA. A autora defende, em síntese, a anulação dos termos de apreensão e depósito da madeira industrializada adquirida pela autora, evitando-se, assim, o perdimento do produto já industrializado.
Argumenta que não há provas com relação a irregularidade/ilegalidade da empresa vendedora, nem comprovação de que seria de fachada e estaria emitindo documentos com falsidade ideológica.
Reitera que, tendo sido cancelado o auto de infração e a multa ambiental e sem que haja qualquer documento ou prova de que a vendedora seja empresa inexistente, requer a reforma da sentença, por falta de provas da ilegalidade da venda, cancelando-se a apreensão e depósito da madeira e impedindo-se o seu perdimento, já que não se trata de produto de crime ou mesmo de ilegalidade.
O Ibama, a seu turno, alega ser irrelevante o questionamento acerca do ânimo em praticar a infração ambiental, pois o art. 72, § 3º, da Lei nº 9.605/98 não condiciona a aplicação da pena de multa simples à comprovação de elemento subjetivo do agente infrator.
Aduz que entendimento diverso representa claro prejuízo ao interesse público de repressão a ilícitos ambientais. Ressalta que, para a aplicação de sanções de natureza civil ou administrativa, não se mostra necessária comprovação de dolo ou culpa do agente infrator, mas somente materialidade e autoria da infração, com exceção dos casos expressamente dispostos em lei.
E ainda que assim o fosse, sustenta que se faz presente o dolo, na hipótese, em face da conduta do autor de assumir risco de realizar seus negócios sem observância dos cuidados necessários ao cumprimento das exigências legais ambientais.
Com as contrarrazões vieram os autos a esta Corte para julgamento. É o relatório.
VOTO
Cinge-se a controvérsia a examinar a legalidade do Auto de Infração Ambiental lavrado pelo IBAMA, em nome da autora, a qual, em tese, tinha em depósito madeira nativa serrada oriundos da empresa apontada como fisicamente inexistente (fantasma), com documentação ideologicamente falsa e sem licença válida para todo o tempo do armazenamento da madeira.
Além da imposição de multa ambiental, foi lavrado o Termo de Apreensão e Depósito referente à madeira apreendida.
Assim prevê o art. 47, § 1º, do Decreto nº 6.514/08, o qual fundamenta as medidas impostas pelo IBAMA:
Art. 47. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira serrada ou em tora, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Multa de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico aferido pelo método geométrico.
§1º Incorre nas mesmas multas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente ou em desacordo com a obtida.
De acordo com os fundamentos adotados na decisão recorrida, a empresa adquirente não tinha ciência de que a empresa vendedora era ilegal, pois, ao adquirir as madeiras, agiu amparada nos sistemas oficiais de controle, como é o caso do Sistema DOF (Documento de Origem Florestal).
Com efeito, não se afigura razoável exigir que a regularidade da extração e venda da madeira deveria ter sido verificada por parte da compradora. Como bem ressaltado na origem, o próprio IBAMA “apesar de dotado de mecanismos apropriados, só tomou conhecimento das ilicitudes cometidas pela empresa J. Saboia Madeiras EPP depois de inúmeros negócios realizados por esta”.
Adoto como razões de decidir os fundamentos empregados na sentença, a qual concluiu pela nulidade do auto de infração, ante a boa-fé dos compradores dos produtos florestais, não sendo razoável exigir que a parte autora tomasse ciência do fato de que a empresa vendedora mantinha em depósito madeira com licença ideologicamente falsa ou que não existia de forma legal, verbis:
Entretanto, para a aplicação de multa, impõe-se a constatação da culpabilidade em relação à infração.
Significa dizer, assim, que deve estar cabalmente comprovado que a empresa adquirente tinha ciência de que a empresa vendedora era ilegal e de que estava comprando madeira extraída de forma irregular, sem registro antecipado.
Não se pode exigir que o adquirente faça prévia e ampla investigação do vendedor, se essa empresa parece estar revestida de legalidade e detém o poder de registrar e movimentar seus negócios por meio de sistemas oficiais de controle, como é o caso do SISTEMA DOF.
Veja-se que para aplicar as sanções à autora, os fiscais partiram do pressuposto de que a regularidade da extração e venda da madeira deveria ter sido objeto de verificação por parte da compradora, conclusão que não se mostra plausível ou factível.
Na verdade, constata-se dos autos que o próprio IBAMA, apesar de dotado de mecanismos apropriados, só tomou conhecimento das ilicitudes cometidas pela empresa depois de inúmeros negócios realizados por esta.
Não se pode, assim, exigir que a compradora vá além do cumprimento das exigências legais para certificar-se da regularidade da empresa vendedora e da madeira por ela comercializada.
No caso, a fiscalização do IBAMA constatou que a empresa J. Saboia funcionava como uma empresa de fachada, “que funcionava apenas para acobertar madeiras de origem ilegal com a emissão de GF’s, sem ter madeira alguma”.
Deduz-se, portanto, que a referida empresa apenas servia para que outras empresas ou comerciantes ilegais vendessem madeira extraída de forma ilícita, sem precisar justificar sua origem.
Ocorre que, contra a autora, como já mencionado, nada se provou quanto a eventual conluio ou irregularidade nos atos que a vincularam à empresa, tendo agido em princípio de boa-fé e cumprindo com todas as exigências.
Sem prova alguma quanto ao dolo da autora, não poderá persistir a multa que lhe foi imposta, apesar da legalidade na apreensão da mercadoria, cuja comercialização comprovou-se ser ilícita em virtude da fraude constatada na origem pelo órgão ambiental.
Quanto ao recurso da parte autora, entendo que há razões suficientes para manutenção do termo de apreensão e do termo de depósito.
É inviável o armazenamento do produto florestal comprado da empresa que operava com licenças obtidas irregularmente, o que contamina todos os atos subsequentes por ela praticados.
A apreensão decorre, portanto, do caráter ilícito da madeira, cujo uso é proibido por infração cometida pela vendedora. Do contrário, a comercialização da madeira redundaria na propagação do ilícito, ao permitir-se sua distribuição e utilização.
Convém destacar ainda que há indícios de que o material foi obtido ilicitamente, motivo pelo qual não há como acolher o pedido te utilização e distribuição de produto ilegal. Colho da sentença:
De fato, se a empresa não comercializa madeira devidamente registrada e apenas serve de fachada à captação de madeira ilegal, qualquer negócio que tenha efetivado é nulo. O produto vendido e armazenado é também ilegal e não pode ser utilizado.
Portanto, não foi ilegal a apreensão do produto florestal obtido dessa empresa. A medida busca evitar a distribuição do produto florestal obtido ilicitamente, possivelmente em terras indígenas, conforme advertiu o Superintendente do IBAMA de Mato Grosso do Sul.
Portanto, apesar de não ter cometido infração administrativa, sujeita-se à perda do bem adquirido, cuja origem é ilícita. Ainda que se possa concluir ter a autora sido também vítima da fraude cometida pela vendedora, isso não leva à conclusão de que pode se locupletar com o objeto ilícito (a madeira extraída ilegalmente).
Em resumo, a apreensão da mercadoria em poder da autora não decorre do cometimento de infração administrativa por esta, mas sim do caráter ilícito da madeira, cujo uso é proibido por infração cometida pela vendedora.
Como já mencionado na decisão inicialmente proferida nestes autos, decidir em contrário é propagar o ilícito, permitindo-se sua distribuição e utilização.
Mantida, no ponto, a sentença.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.