APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO ANULATÓRIA AJUIZADA PELA COMPANHIA ÁGUAS DE ITAPEMA. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL LAVRADO PELA FUNDAÇÃO AMBIENTAL ÁREA COSTEIRA DE ITAPEMA – FAACI, COM COMINAÇÃO DE MULTA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL. CONSTATAÇÃO DE VAZAMENTO DE “ESGOTO BRUTO” DO SISTEMA DE CAPTAÇÃO DE EFLUENTES, ESCOANDO NA PRAIA. ENQUADRAMENTO DA CONDUTA NA INFRAÇÃO PREVISTA NO ART. 61 DO DECRETO FEDERAL Nº 6.514/2008. AUSÊNCIA DE QUALQUER ELEMENTO TÉCNICO A RESPEITO DA QUANTIDADE DE EFLUENTES DESPEJADA NO MEIO AMBIENTE. VÍCIO QUE INVIABILIZA A CARACTERIZAÇÃO E O DIMENSIONAMENTO DOS DANOS AMBIENTAIS E, CONSEQUENTEMENTE, A QUANTIFICAÇÃO DE EVENTUAL MULTA. INOBSERVÂNCIA DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO MESMO DISPOSITIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO ( CF, ART. 5º, CAPUT, LV). NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO.
O auto de infração, ao deixar de demonstrar os resultados da conduta (risco à saúde, mortandade de animais ou destruição significativa da biodiversidade) e de quantificar os danos ambientais a partir de elementos técnicos, não observou os requisitos prescritos no art. 61 do Decreto Federal nº 6.514/2008, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo ( Constituição Federal, art. 5º, caput, LV).
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. HONORÁRIOS RECURSAIS ARBITRADOS. SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.
(TJ-SC – APL: 03028390220178240125 Tribunal de Justiça de Santa Catarina 0302839-02.2017.8.24.0125, Relator: Carlos Adilson Silva, Data de Julgamento: 18/05/2021, Segunda Câmara de Direito Público)
RESUMO
O Autor ajuizou ação anulatória contra a Fundação Ambiental requerendo a declaração de nulidade do auto de infração ambiental, após ter sido autuado com base no artigo 61 do Decreto 6.514/08, assim descrito:
Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Parágrafo único. As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto.
A sentença reconheceu a nulidade do auto de infração ambiental por ausência de demonstração técnica acerca dos danos ambientais decorrentes da poluição, visto a necessidade de laudo técnico para que fosse comprovada poluição.
O órgão ambiental autuante recorreu da sentença, mas o TJSC manteve a decisão, porque, sem elementos técnicos que demonstrem a ocorrência dos danos e sua dimensão, é inviável a imputação de auto de infração ambiental, pois não restou demonstrada a materialidade da infração e a extensão do dano para aplicação do valor da multa.
VOTO
Discute-se a validade de auto de infração ambiental, com aplicação de multa, por suposta prática de ato previsto no art. 61 do Decreto Federal nº 6.514/2008, cujo teor se transcreve:
Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Parágrafo único. As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto.
Da leitura do parágrafo único em destaque, depreende-se que a incidência da penalidade de multa cominada no dispositivo pressupõe a identificação dos danos ao meio ambiente e seu dimensionamento, por meio de laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental.
Também se infere que eventual multa deve ser aplicada “em conformidade com a gradação do impacto”, isto é, respeitando-se a proporcionalidade entre a extensão dos danos e o severidade da sanção.
Ao se referir a “laudo técnico”, a norma em exame impõe a necessidade de demonstrar, como base em elementos técnicos, a ocorrência de
poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade.
É preciso ainda estimar tecnicamente a extensão dos impactos ambientais verificados.
O cumprimento dessas exigências normativas não obriga a produção de documento meramente formal intitulado “laudo técnico”, mas sim a efetiva demonstração técnica acerca dos danos e sua dimensão, seja no próprio auto de infração ou em documento que o acompanhe.
Importa ressaltar que essas exigências cumprem a finalidade de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa à parte autuada no processo administrativo. Isso porque, sem elementos técnicos que demonstrem a ocorrência dos danos e sua dimensão, é inviável a impugnação racional dos fatos que determinam a materialidade da infração e o valor da multa.
No caso em exame, o auto de infração em debate foi lavrado diante da seguinte conduta:
“Ter efetuado lançamento de efluentes orgânicos através de vazamento por falta de energia elétrica […], sendo que o efluente vazou diretamente na praia”.
Formalizou-se ainda relatório com o seguinte teor:
“Atendendo denúncias de vazamento de esgoto, estivemos no local, e constatamos que a referida era verdadeira através de filmagens dos moradores próximos ao local. A alegação foi pelo não funcionamento das bombas por falta de energia. A referida empresa tem a responsabilidade de manter um gerador de energia para casos de emergência, que não funcionou no momento, lavramos o presente Auto pela negligência e pelo dano ambiental gerado.”
Como se vê, os fiscais do órgão ambiental constataram o escoamento de esgoto bruto diretamente na praia.
De fato, não são necessárias análises laboratoriais para se comprovar o caráter nocivo do efluente que escoou do sistema de esgoto até a praia, pois isso constitui fato notório e advém da própria lógica, como ressaltou a parte recorrente em suas razões.
Nada obstante, a autuação do órgão ambiental não produziu nenhum elemento técnico capaz de demonstrar a quantidade de efluente que foi despejada na praia, nem mesmo por estimativa.
Sem informação a respeito da quantidade, não é possível aferir se o impacto ambiental provocado representa risco à saúde humana, é capaz de causar mortandade de animais ou destruição significativa da biodiversidade, nos termos do art. 61 do Decreto Federal nº 6.514/2008.
Ademais, a ausência de elementos quantitativos inviabiliza o dimensionamento de eventual multa.
Saliente-se que seria plenamente viável aferir a quantidade aproximada de efluentes escoados do esgoto à praia, bastando, para tanto, medir a vazão média e o tempo de duração do fluxo verificado.
A partir disso, seria possível inclusive estimar e dimensionar os danos ao meio ambiente, já que a composição do “esgoto bruto” é conhecida, assim como seus efeitos.
Vale também mencionar que o simples despejo de efluentes sem tratamento em rios, praias ou no mar pode, em tese – e independente dos resultados -, configurar as infrações descritas no art. 62, V e IX, do Decreto Federal nº 6.514/2008, in verbis:
Art. 62. Incorre nas mesmas multas do art. 61 quem: […]
V – lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou atos normativos;
IX – lançar resíduos sólidos ou rejeitos em praias, no mar ou quaisquer recursos hídricos;
§ 1º As multas de que tratam os incisos I a XI deste artigo serão aplicadas após laudo de constatação.
Apesar disso, a quantificação do dano ambiental afigura-se imprescindível para fixar a multa, tanto na hipótese prevista no art. 61 quanto nas do art. 62 do decreto em alusão, considerando a enorme variação admitida no arbitramento da sanção pecuniária, de R$ 5.000,00 a R$ 50.000.000,00.
Portanto, conclui-se que o auto de infração, ao deixar de demonstrar os resultados da conduta (risco à saúde, mortandade de animais ou destruição significativa da biodiversidade) e de quantificar os danos ambientais a partir de elementos técnicos, não observou os requisitos prescritos no art. 61 do Decreto Federal nº 6.514/2008, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo (Constituição Federal, art. 5º, caput, LV).
Assim, escorreita a sentença ao reconhecer a nulidade do auto de infração, devendo ser mantida, por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, voto por conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento, majorando os honorários de sucumbência em favor dos advogados da parte recorrida; e confirmar a sentença em remessa necessária, por seus próprios fundamentos.