O Ministério Público ofereceu denúncia contra o acusado de ter cometido o crime descrito no art. 38-A, da Lei 9.605/98.
Segundo a denúncia, o acusado teria por sua livre e espontânea vontade, promovido o desmatamento de vegetação nativa da Mata Atlântica, em estágio médio de regeneração, sem autorização do órgão ambiental, conforme registrado no auto de infração ambiental.
Devidamente processado, o réu foi absolvido da imputação de ter cometido o crime descrito no art. 38-A, da Lei 9.605/98, com fundamento no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal.
O Ministério Público, inconformado, recorreu, mas a sentença de absolvição foi mantida pelo Tribunal.
1. EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO (ARTS. 38-A, LEI 9.605/98). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. IN DUBIO PRO REO. RECURSO DA DEFESA. ABSOLVIÇÃO PELO ART. 386, INC. IV, DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. RECURSOS IMPROVIDOS.
1 . Em atenção ao princípio do in dubio pro reo , as dúvidas porventura existentes devem ser resolvidas em favor do acusado. Precedentes. STJ.
2. O simples fato de uma pessoa ser proprietária de uma área rural, por si só, não significa que ela deva ser responsabilizada por qualquer crime indistintamente ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo nosso Direito Penal.
3. Embora não tenha sido comprovado, com a segurança necessária para uma condenação, que o acusado praticou a conduta descrita na inicial acusatória, também não é possível afirmar, com certeza, que o acusado não concorreu para a prática delitiva, uma vez que existem nos autos indícios de que o réu poderia ter sido o autor dos fatos narrados na inicial acusatória.
4. Recursos da acusação e da defesa improvidos.
(TJ-ES – APL: 00002373320138080017, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Data de Julgamento: 02/10/2019, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 07/10/2019)
2. VOTO
O crime descrito no art. 38-A, da Lei 9.605/98, pune a conduta de destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do bioma Mata Atlântica. Vejamos:
Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
No caso, o Ministério Público sustenta que a materialidade e a autoria delitiva restaram devidamente comprovadas, razão pela qual a decisão objurgada deveria ser reformada, a fim de que fosse proferido um juízo condenatório.
Por outro lado, a defesa sustenta que as provas existentes nos autos comprovam que o acusado não concorreu para a infração penal. Entendo, contudo, que os recursos não merecem prosperar.
A materialidade delitiva é incontroversa, estando devidamente comprovada nos autos pelo auto de infração ambiental.
Por outro lado, entendo que as provas existentes nos autos não permitem concluir, com a segurança necessária para uma condenação, que o acusado foi o autor da prática delitiva.
Nesse sentido, a testemunha, servidor do órgão ambiental e um dos responsáveis pela elaboração do laudo técnico, afirmou em juízo que tomou conhecimento dos fatos através de uma denúncia anônima e que não teve contado com o autor do fato quando da constatação do dano. A testemunha afirmou ainda não se recordar se o acusado, quando notificado, confessou os fatos ou negou os mesmos.
No mesmo sentido, a segunda testemunha, vizinho do acusado, ao depor em juízo, afirmou não ter visto o desmatamento apontado na denúncia e que na época dos fatos houve um incêndio no local.
De acordo com o depoente, utilizou-se de uma mangueira de irrigação para ajudar a apagar o incêndio que ocorria na propriedade do acusado, uma vez que o fogo estava se aproximando da divisa da propriedade do depoente e corria o risco de alastrar-se.
Consta, ainda, que no dia do incêndio o acusado não se encontrava na propriedade. Por fim, a testemunha afirmou não saber se a área degradada é a mesma área atingida pelo incêndio.
Da mesma forma, a terceira testemunha, também vizinha do acusado, ao depor em juízo afirmou que não presenciou a realização de qualquer desmatamento pelo acusado, contudo, presenciou o incêndio ocorrido na propriedade do mesmo.
A testemunha afirmou que o incêndio ocorreu, não sabendo informar a data precisa. Segundo a depoente, no dia do incêndio, o réu e seus familiares não estavam na propriedade. Consta, ainda, que a testemunha não soube informar quem teria dado causa ao incêndio.
2. Provas produzidas em juízo
Assim, de acordo com as provas produzidas em juízo, não é possível concluir, com a segurança necessária para uma condenação, que o acusado praticou os fatos descritos na inicial acusatória, devendo ser aplicado, no caso concreto, o princípio do in dubio pro reo. Nesse sentido:
“[…] Em atenção ao princípio do in dubio pro reo, as dúvidas porventura existentes devem ser resolvidas em favor do acusado, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal […]” (APn 626/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2018, DJe 29/08/2018).
Outrossim, de acordo com a jurisprudência consolidada do c. STJ, o simples fato de uma pessoa ser proprietária de uma área rural, por si só, não autoriza a responsabilização por qualquer crime ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade penal objetiva. Senão vejamos:
“[…] O simples fato de uma pessoa ser proprietária de uma área rural, por si só, não significa que ela deva ser responsabilizada por qualquer crime indistintamente ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo nosso Direito Penal.[…]” (RHC 24.390/MS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009).
Por outro lado, ao contrário do alegado pela defesa, as provas colacionadas aos autos não permitem concluir, com absoluta certeza, que o acusado não concorreu para a prática delitiva.
Embora não tenha havido confirmação em juízo, consta do laudo elaborado pelos servidores do órgão ambiental que “o autuado justificou a supressão afirmando que o local era uma área de pomar que estaria suja”.
Da mesma forma, existem no referido laudo indícios de que a vegetação foi suprimida e de que a área estava sendo preparada para o plantio, o que, em princípio, beneficiária o acusado, dono do terreno.
Assim, embora não tenha sido comprovado que o acusado praticou a conduta descrita na inicial acusatória, também não é possível afirmar que os elementos de prova existentes nos autos comprovam que o acusado não concorreu para a prática delitiva.
Por todas essas considerações, CONHEÇO os recursos interpostos para, no mérito, NEGAR-LHES PROVIMENTO.