PENAL. CRIMES AMBIENTAIS. ARTIGO 55, PARÁGRAFO PRIMEIRO, DA LEI Nº 9.605/98. CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ARTIGO 2º, CAPUT, DA LEI Nº 8.176/91. MATERIALIDADE. AUTORIA. AUSÊNCIA DE DOLO. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. ART. 386, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Ao réu foram imputadas as condutas de extrair recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença ambiental, sem recuperar a área explorada, e de usurpar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal.
A denúncia narra que o acusado, sem possuir as devidas licenças, extraiu argila em terras arrendadas. O volume total de argila extraída foi de cerca de 2.160 toneladas, em valor aproximado de R$ 25.000,00. 2. Não procede o pleito ministerial pela reforma da sentença absolutória.
A teor do que dispõe o art. 156 do CPP, incumbe à acusação produzir prova robusta e apta a demonstrar, com certeza, o dolo na conduta do acusado, o que não ocorreu no caso em voga, pois duvidosa a ciência do acusado acerca da irregularidade da exploração mineral.
Dada a fragilidade dos elementos de prova, mormente no tocante ao dolo na conduta, a manutenção da absolvição do réu, forte no que preceitua o artigo 386, III, do Código de Processo Penal, é medida que se impõe.
(TRF-4 – ACR: 50006835020184047120 RS 5000683-50.2018.4.04.7120, Relator: Revisora, Data de Julgamento: 30/06/2020, SÉTIMA TURMA)
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal denunciou CRISTIANO STURZA CAZORLA, pela prática dos delitos inscritos no artigo 55, caput e parágrafo primeiro, da Lei nº 9.605/98, e artigo 2º da Lei nº 8.176/1991, na forma do art. 70, do Código Penal, assim narrando os fatos (evento 1, INIC1):
FATO 01:
Entre 10 de outubro de 2016 a 21 de maio de 2017, de forma livre e consciente, o acusado cometeu crime contra o meio ambiente, ao executar extração de recursos minerais em área não abrangida por licença competente do DNPM, em desacordo com o licenciamento ambiental, bem como deixando de recuperar a área degrada.
FATO 02:
Nas mesmas condições de tempo e espaço acima referidas, o acusado cometeu crime contra o patrimônio, na modalidade usurpação, uma vez que explorou matéria-prima da União, a saber, argila, para fins de comercialização, sem autorização legal nem licença do DNPM.
A denúncia foi recebida. Instruído o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente a denúncia, absolvendo o réu da imputação da prática dos crimes do artigo 55, caput e parágrafo primeiro, da Lei nº 9.605/98, e artigo 2º da Lei nº 8.176/1991, por atipicidade da conduta, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
O Ministério Público apelou. Em suas razões, postula a reforma da sentença, para condenar o réu nos termos descritos na inicial acusatória, por entender comprovados a materialidade, a autoria e o dolo na conduta.
Com as contrarrazões (evento 88), vieram os autos para julgamento. A Procuradoria Regional da República, oficiando no feito, manifestou-se pelo provimento da apelação (evento 5).
É o relatório. Peço dia para julgamento.
VOTO
Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença (evento 77) que julgou improcedente a denúncia, absolvendo o réu CRISTIANO STURZA CAZORLA da imputação da prática dos crimes do artigo 55, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.605/98, e artigo 2º da Lei nº 8.176/1991, por atipicidade da conduta, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Em suas razões recursais (evento 82), a acusação postula a condenação do réu, nos termos descritos na inicial acusatória, por entender comprovados a materialidade, a autoria e o dolo na conduta.
No caso dos autos, a Juíza Federal Cristiane Freier Ceron absolveu o réu, registrando serem insuficientes os elementos de prova acerca do dolo na conduta do acusado, in verbis:
Materialidade
A materialidade de ambos os delitos restou demonstrada pelo Relatório de Vistoria Ambiental n.º 070/2ºGPA/2017, realizado na localidade de Santa Juliana, interior do município de Jaguari/RS (Ev02, Ofic4, p. 3-7, IPL em apenso).
Autoria
Em relação à autoria, tampouco há controvérsia, na medida em que o próprio réu admite que estava extraindo argila, apenas ressaltando que acreditava estar exercendo a atividade de forma regular, como se infere do seu interrogatório. A autoria, em suma, é incontestável.
Ao contrário, contudo, do alegado pela acusação, não está inequivocamente demonstrado o dolo no caso. De fato, a prova existente nos autos é suficiente para comprovar a conduta de extração de argila pelo réu na localidade, porém não é suficiente para demonstrar que o réu agiu de forma livre e consciente a fim de extrair o recurso mineral (argila) consciente de estar agindo sem a autorização do órgão competente.
Com efeito, a existência de dolo exige prova sólida e robusta de que o denunciado estava ciente do caráter irregular da extração. É crível, no caso, a versão de que o acusado acreditasse que a lavra ocorria de forma lícita.
É bem verdade que o Projeto para Licença de Operação de Regularização, o Licenciamento Ambiental, de responsabilidade do município só foi protocolado perante o órgão competente em 17/10/2016, depois da primeira fiscalização feita pelo Batalhão Ambiental da Brigada Militar.
Em que pese tal circunstância, observa-se que o acusado contratou serviço profissional especializado, para a confecção dos projetos necessários ao empreendimento, em abril de 2016, como se observa da data em que o réu e a bióloga contratada firmaram a Anotação de Responsabilidade Técnica.
Ainda que a testemunha ouvida tenha negado que sinalizou ao acusado a plena regularidade da extração de argila na localidade, mostra-se crível que o acusado acreditasse que a situação, de fato, estava regularizada, afinal, contratou os profissionais logo após ter expirado o prazo da licença anterior, em abril de 2016, mais de seis meses antes da primeira fiscalização levada a cabo pelo Batalhão Ambiental da Brigada Militar, ocorrida em outubro de 2016.
Portanto, resta claro que, mesmo antes da fiscalização, o acusado adotou providências visando à regularização da atividade, inclusive com a contratação de profissionais para elaboração do projeto de licenciamento ambiental.
E, nesse caso, considerando o tempo transcorrido entre a contratação e a fiscalização, é razoável concluir, a exemplo do que fez o réu, que o projeto já estava concluído e aprovado.
Assim, as circunstâncias e peculiaridades que circundam os fatos permitem concluir que o acusado não agiu com intenção livre e consciente de explorar matéria-prima pertencente à União sem autorização.
Urge ressaltar que, para que haja um decreto condenatório, é imprescindível a formação de um juízo de certeza absoluta e a presença de provas concretas da materialidade, autoria e dolo do acusado, não podendo a condenação criminal vir lastreada em presunções e conjecturas.
Ainda, importante notar que a irregularidade cometida pelo acusado, malgrado possa consubstanciar ilícito administrativo, não se reveste de atributos que permitam enquadrá-la como ilícito penal, diante das peculiaridades do caso concreto, notadamente o fato de que já houvera contratação de profissionais para regularização perante o órgão competente, em tempo anterior suficiente para que se acreditasse que a situação estava resolvida.
Nesse contexto, a prova colacionada não permite a conclusão inequívoca de que tenha havido efetivamente consciência da exploração irregular de argila na área descrita na denúncia, impondo-se, por isso, a absolvição do denunciado. (…)
Destarte, uma vez ausente o elemento subjetivo indispensável à configuração do tipo penal, a improcedência da pretensão punitiva é medida que se impõe.
Conforme explicitado em sentença, o conjunto probatório é inconclusivo, não fornecendo a segurança e certeza necessárias à prolação de um juízo condenatório.
Ao réu foram imputadas as condutas de extrair recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença ambiental, sem recuperar a área explorada, e de usurpar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal.
Contudo, embora comprovadas a autoria e materialidade dos delitos, não restou assente o dolo na conduta do acusado, na medida em que não comprovada a ciência de CRISTIANO acerca da irregularidade da exploração mineral.
Assim, anteriormente à fiscalização, o acusado já havia adotado providências a fim de regularizar a atividade de extração, incluindo a contratação de profissionais para elaboração do projeto de licenciamento ambiental.
Destarte, é crível a versão do réu de que acreditava que o projeto já estava concluído e aprovado, até mesmo diante do período transcorrido entre a contratação dos técnicos, em abril de 2016, e a data da primeira fiscalização, em outubro do mesmo ano.
A documentação constante do inquérito policial e os elementos colhidos no decurso da ação penal conferem credibilidade à versão do acusado e conduzem, consequentemente, à manutenção da absolvição, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Ressalta-se que, a teor do artigo 156 do Código de Processo Penal, incumbe à acusação produzir prova robusta e apta a demonstrar, com certeza, a ocorrência da empreitada criminosa, bem como o dolo na conduta.
Se, no momento do recebimento da denúncia, prevalece o interesse da sociedade na apuração da infração penal, diversa é a fase do julgamento, em que deve preponderar a certeza, não bastando indícios, por envolver um dos direitos fundamentais dos indivíduos, a liberdade.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.