APELAÇÃO-CRIME. PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO URBANO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE LOTES.
A ausência de registro das frações de lotes, devidamente matriculados no Registro Imobiliário, não configura delito de parcelamento irregular do solo urbano, como previsto na Lei nº 6.766/79.
Hipótese de desdobramento prevista em Lei Municipal. Possível irregularidade administrativa. Absolvição mantida. Apelo improvido. Unânime.
(TJ-RS – ACR: 70066338344 RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Data de Julgamento: 12/11/2015, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: 04/12/2015)
RELATÓRIO
O Ministério Público denunciou a acusada por incursa nas sanções do art. 50, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 6.766/79 (nove vezes), na forma do art. 71, do Código Penal.
Muito recentemente, contudo, a apuração de natureza cível acabou por revelar, também, contornos de natureza criminal, a justificar a instauração do Procedimento Investigatório Criminal em 09 de julho de 2010.
Com efeito, descobriu-se que os denunciados comercializavam metades dos lotes originalmente aprovados para o loteamento mesmo sem levar a termo o efetivo desmembramento.
Em alguns, a dar aparência de regularidade à comercialização, faziam constar nos instrumentos que o objeto da venda consistia em parte ideal da fração a corresponder a 50% da área.
Todavia, as comercializações eram realizadas com as áreas de fato delimitadas. Em outras situações, tratavam de batizar as metades dos lotes em A e B e os comercializavam sem maior pudor, mesmo sem que houvesse o desmembramento adequado.
Pois bem. No local, não precisado no decorrer das investigações, os denunciados, agindo em comunhão de esforços e ajuste de vontades, prometeram vender lote a terceiros, dizendo se tratar de assento correspondente à matrícula, fração não registrada no Registro de Imóveis competente, tudo de acordo com informação prestada pelo Senhor Registrador de Imóveis.
Por ocasião dos fatos, os denunciados venderam a metade do lote ao comprador dizendo-lhe que a área se achava perfeitamente localizada. Todavia, o lote número 7 não se achava corretamente desmembrado nem junto à Prefeitura Municipal, tampouco no Cartório de Registro de Imóveis.
Para dar aparência de regularidade ao negócio, os denunciados fizeram constar no contrato particular acima mencionado que comercializavam fração ideal do imóvel.
A denúncia foi recebida em 19.12.2011 (fls. 2169 e verso).
Em 27.09.2012 foi determinado o trancamento da ação penal em relação ao acusado JUAN SOLE SANCHO, pela ocorrência da prescrição in abstrato (fls. 2729/2731).
Instruído o feito, sobreveio sentença julgando improcedente a ação penal para absolver a ré MONICA ELIZABETH SOLE MANCHER, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal (fls. 2844/2848).
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 2851).
Em suas razões, refere, em síntese, que a demandada comercializou lotes em loteamento irregular levado a efeito em área que já havia recebido loteamento anterior. Ou seja, vendeu frações menores, não registradas, correspondentes a metade de cada um dos lotes. Afirma que a tipificação das condutas já foi examinada no julgamento de habeas corpus interposto em favor da acusada e requer o provimento do recurso para condená-la, nos termos da denúncia.
Foram apresentadas as contrarrazões. Neste grau de jurisdição, manifesta-se a eminente Procuradora de Justiça pelo provimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Em que pese a inconformidade ministerial, a irresignação não merece acolhida. Segundo a denúncia, a apelada teria efetuado promessas de compra e venda de lotes urbanos, sem prévio registro imobiliário.
Pelo que se verifica dos autos, as matrículas estão todas registradas em nome da Incorporadora, responsável pelo empreendimento.
Ou seja, não há loteamento ou desmembramento sem registro, tal como previsto na Lei nº 6.766/79. Mas sim o desdobramento de lotes, hipótese prevista na Lei Municipal 6.597/08, que assim o define:
Art. 45 – Considera-se desdobramento a subdivisão de lote, para formação de novos lotes, sem abertura de vias públicas, e tenha a área igual ou inferior a 10.000,00 m² (dez mil metros quadrados).
Como bem referido pela Magistrada: se houve dificuldade para efetuar o posterior registro imobiliário pelos promitentes compradores, por alguma irregularidade administrativa, tal óbice é insuficiente para configuração típica penal e deverá necessariamente ser resolvida no Juízo Cível por uma simples razão, a ausência de previsão legal específica para tipicidade penal.
E complementa: para a configuração de figura típica crime, para o reconhecimento de fato criminoso, a interpretação é restritiva, não sendo possível, como parecer querer o Ministério Público, a interpretação ampla, utilizando o desdobramento previsto na Legislação Municipal mencionada, como subespécie de loteamento, e assim exigir a prévia submissão deste ao registro imobiliário para posterior venda como figura típica delituosa.
Para a tipificação penal, mais rígida justamente pela sanção imposta a privação de liberdade, necessário que os imóveis comercializados não possuíssem matrícula imobiliária; entretanto, estando abertas as matrículas e já efetuados os registros imobiliários respectivos com individualização dos lotes vendidos, a ausência de registro das frações comercializadas pode porventura configurar irregularidade administrativa.
Porém, tal obstáculo deve ser resolvido em seara diversa da criminal, por ausência de previsão legal expressa, quando a legislação específica não prevê, e nem poderia (lei municipal) sanção penal.
Nesse sentido, já decidiu esta Câmara:
LOTEAMENTO – SIMPLES DESDOBRE – CONDUTA IRREGULAR POREM ATIPICA – MOTORISTA QUE SENDO PROPRIETARIO DE AMPLO TERRENO URBANO, DESTACA PEQUENAS PARCELAS DE EXTENSOES VARIADAS, ALIENANDO-AS. CONDUTA QUE NAO CARACTERIZA LOTEAMENTO OU DESMEMBRAMENTO, MAS SIMPLES DESDOBRE, NAO CONFIGURANDO O CRIME PREVISTO NO ART- 50 DA LEI N. 6766/79. ABSOLVICAO MANTIDA, EMBORA POR OUTRO FUNDAMENTO. UNANIME. (6FLS.) (Apelação Crime Nº 70002291755, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista)
Por fim, importa destacar que no julgamento do habeas corpus impetrado em favor da ré foram analisadas as condutas, em tese, para fins de trancamento da ação penal.
Não houve exame fundo da prova, pertinente ao mérito, cuja análise é inviável na via estreita do writ. Assim, não há falar que a tipicidade das condutas já teria sido examinada por esta Câmara, como faz crer o apelante.
Nessas condições, não configurado o crime previsto na Lei 6.766/79, merece mantida a absolvição, por seus próprios fundamentos.
Nego provimento ao apelo.