DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTORIA E CAUSALIDADE. PROVA INSUFICIENTE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE DECISÃO ESPECÍFICA. EXTREMA DIFICULDADE. CONDENAÇÃO EM INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. APELAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ISENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Trata-se de ação civil pública intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de ANTONIO CESNIK e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, petição inicial de 79 laudas, com as seguintes finalidades: “[…] a indenização por dano material derivado da extração ilegal de madeira e do consequente desmatamento sem autorização ambiental no valor de R$ 25.677.560,00 (vinte e cinco milhões, seiscentos e setenta e sete mil, quinhentos e sessenta reais). A indenização por dano moral difuso ao meio ambiente no R$ 2.764.000,00 (dois milhões, setecentos e sessenta e quatro mil reais) obrigação de recompor área degradada na proporção de 691,43 ha. A condenação do Ibama a solidariamente efetuar o reflorestamento da área desmatada e, ainda, a obrigação de fazer no que tange à fiscalização do cumprimento das obrigações impostas aos réus; …”.
Na sentença, foi julgado “parcialmente procedente o pedido para condenar ANTÔNIO CESNIK ao pagamento da indenização a título de danos materiais no valor de R$ 1.037.145,00 (um milhão, trinta e sete mil e cento e quarenta e cinco reais), a ser revertido ao fundo de que cuida o art. 13 da Lei da ACP, e a recomposição da área degradada na proporção de 691,43 ha, nos termos da fundamentação acima expendida. Improcedente, o pedido de indenização por dano moral”.
Nas 79 laudas da petição inicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL não faz referência específica ao fato que serve de base ao pedido. Seu discurso é todo voltado, genericamente, para a questão ambiental no Estado do Pará, a Operação “Ouro Verde II”, os grandes infratores da região, as normas jurídicas que regem a matéria, as características da ação civil pública, a legitimidade do Ministério Público para as ações relacionadas com o meio ambiente, a competência do IBAMA, responsabilidade objetiva, dano moral coletivo etc. De específico, diz-se, unicamente, que “o réu, na qualidade de infrator ambiental e dono da fazenda, deve responder pela reparação ambiental aqui pleiteada”. A título de complementar a inicial, junta-se cópia de “procedimento administrativo” do qual consta “relação dos maiores devedores”, estando entre eles o réu ANTÔNIO CESNIK como devedor de 1.186.518,18 UFIRs. Junta-se, também, cópia de processo administrativo iniciado com auto de infração por “provocar incêndio em floresta na área da Fazenda Prosperidade acima da autorização fornecida pelo IBAMA, xerox em anexo, num total de 691,45 ha, de acordo com o Mem. nº 26/05 de 29/07/05 e imagem CBERS 2 – orbita/… 159/104 de 11/07/05, cópia em anexo”.
Não fora o interesse público envolvido na causa, a petição inicial deveria ser tida como inepta. Leva-se em conta, por outro lado, que, apesar daquela deficiência, a o réu captou a pretensão e exercitou, com proficiência, seu direito de defesa.
Não há prescrição, pelo menos, no que diz respeito à pretensão, que se protrai no tempo, de recomposição do meio ambiente danificado.
A condenação está fundada, basicamente, na presunção de legitimidade do ato administrativo (auto de infração) e na responsabilidade objetiva, que inverteriam o ônus da prova.
Não há, assim, prova positiva da autoria e causalidade do dano, mas apenas a suspeita decorrente do fato de o réu ter requerido e obtido do IBAMA autorização para queima controlada de área menor (60 ha). Essa mera suspeita não é suficiente para atribuir-lhe responsabilidade civil, ainda que objetiva.
A responsabilidade objetiva, mesmo em matéria de dano ambiental, não tem a extensão de dispensar totalmente a demonstração, ainda que indiciária, da autoria e causalidade. Considere-se, ainda, no caso, que não houve inversão do ônus da prova, por decisão interlocutória. Ainda que tivesse havido tal inversão, deveria ser considerada com reservas, diante da dificuldade da prova negativa em sentido contrário, nas circunstâncias.
Parcial provimento à apelação do réu para indeferir o pedido de indenização. Deixa-se de condenar o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em honorários de advogado, ante a disciplina normativa, específica, da ação civil pública. Prejudicadas as demais apelações.
(TRF-1 – AC: 00307674420104013900, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 03/02/2016, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 15/02/2016)
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de ANTONIO CESNIK e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, petição inicial de 79 laudas, com as seguintes finalidades: “…
- a indenização por dano material derivado da extração ilegal de madeira e do consequente desmatamento sem autorização ambiental no valor de R$ 25.677.560,00 (vinte e cinco milhões, seiscentos e setenta e sete mil, quinhentos e sessenta reais). …
- A indenização por dano moral difuso ao meio ambiente no R$ 2.764.000,00 (dois milhões, setecentos e sessenta e quatro mil reais) (sic) 5. A obrigação de recompor área degradada na proporção de 691,43 ha.
- A condenação do Ibama a solidariamente efetuar o reflorestamento da área desmatada e, ainda, a obrigação de fazer no que tange à fiscalização do cumprimento das obrigações impostas aos réus; …”.
Na sentença, foi julgado “parcialmente procedente o pedido para condenar ANTÔNIO CESNIK ao pagamento da indenização a título de danos materiais no valor de R$ 1.037.145,00 (um milhão, trinta e sete mil e cento e quarenta e cinco reais), a ser revertido ao fundo de que cuida o art. 13 da Lei da ACP, e a recomposição da área degradada na proporção de 691,43 ha, nos termos da fundamentação acima expendida. Improcedente, portanto, o pedido de indenização por dano moral”.
Apelação de ANTÔNIO CESNIK:
a) prescrição, porque “entre a data do incêndio florestal (31.10.2005) e o ajuizamento da Ação Civil Pública (22.12.2008), restou superado o prazo de 03 (três) anos previsto no art. 206, §3º, inc. V, do Código Civil”;
b) “a imprescritibilidade de determinados ‘direitos’ devem ser identificados pelo nosso ordenamento jurídico pátrio por se tratarem de exceções legais. No que concerne a reparação civil de danos ambientais, não há qualquer previsão legal que determine expressamente o afastamento da prescrição”;
c) “por se tratar a imprescritibilidade de uma exceção em nosso ordenamento jurídico, a exemplo dos incisos XLII (racismo) e XLIV (grupos armados) do art. 5º, § 5º (ressarcimento do erário) do art. 37, § 4º (terras indígenas) do art. 231, todos da Carta Política 1.988, bem como alguns crimes hediondos definidos por lei, faz-se necessário que os casos da sua afirmação estejam integralmente expressos em lei”;
d) na petição inicial, são tecidos “enormes e cansativos comentários na exposição fática acerca de uma pretensa fraude junto ao IBAMA, cuja investigação se deu nos autos do Inquérito Policial n. 133/2007, que por sua vez originou o proc. 2007.39.00.008932-0, em trâmite perante a 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Belém, tendo por objeto a operação ‘Ouro Verde II’”;
e) “o Recorrente jamais desmatou e/ou provocou qualquer incêndio em floresta”;
f) “o Apelante sequer é réu no processo criminal em epígrafe, entretanto é utilizado como causa de pedir da pretensão ministerial”;
g) não se evidenciou “onde o Recorrente se encaixa como parte integrante do grupo que, em tese, teria lesado o IBAMA, tendo em vista que não há qualquer indício da sua participação na pretensa fraude”;
h) “é inexistente a relação de causalidade entre o Apelante com a fraude investigada pelo Inquérito Policial n. 133/2007, ou com qualquer vantagem propiciada pela operação ‘Ouro Verde II’”;
i) com relação à suposta fraude documental, “é obvia a conclusão de que tais fatos em nada se referem ao incêndio na Fazenda Prosperidade, da mesma forma que o dano a que se refere na oportunidade fática ocorreu em Belém, na sede do IBAMA, e não em Paragominas”;
j) a sentença “incluiu na mesma vala comum situações extremamente distintas e ignorou a boa técnica processual, aproveitando os cacos de uma petição inicial que não foi confeccionada para o Apelante”;
k) “todos os fatos articulados pelo Apelado partiam do princípio de que o Apelante estava, de alguma forma, envolvido na fraude perpetrada junto ao IBAMA e que deflagrou a ‘Operação Ouro Verde II’ pela Polícia Federal”;
l) “não basta que o Recorrente tenha sido autuado pelo IBAMA para fazer dele culpado pelo incêndio florestal na Fazenda Prosperidade, ou muito menos que seja rotulado de grande infrator para fazer dele réu confesso por um suposto crime/dano ambiental. A petição inicial não alcança êxito em trazer para seu bojo a figura do Recorrente como grande infrator ambiental, muito pelo contrário, é completamente omissa quanto às nuances do caso concreto”;
m) “desde os primórdios da defesa, o Apelante afirmou e comprovou que quando da aquisição da Fazenda Prosperidade, em uma pequena fração da sua área estava sob o domínio de posseiros e que o valor ajustado para quitação apenas seria integralizado quando da retirada dos invasores. É peculiar o comportamento de posseiros, com ou sem a tutela do INCRA. Caracterizam-se por pessoas com baixo grau de escolaridade, completo desapego às questões legais e atitudes agressivas em relação ao meio ambiente. Resultado disso foi o incêndio por eles provocado na Fazenda Prosperidade”;
n) “quando do enquadramento do Recorrente como parte legítima da demanda, às fls. 28 da inicial, já oportunidade meritória, faz ligeira referência ao fato de ser proprietário de uma fazenda (não informa sequer o nome) e que deveria responder pelo dano ambiental (não informa qual o dano e nem sequer o tamanho da área descrita nos autos de infração, muito menos onde ela está localizada)”;
o) “pleiteando ampliar a área agricultável de sua propriedade, o Recorrente se dirigiu ao Órgão Ambiental (IBAMA), para conseguir uma autorização para queima controlada, cuja cópia encontra-se no processo administrativo junto à Presidência do IBAMA, que, inclusive, foi apresentada e aceita pelo Agente Fiscalizador quando da lavratura do Auto de Infração que trata do Incêndio (AI nº 428077/D)”;
p) “o Apelante não tinha o interesse em atear fogo ou desmatar o restante da fazenda, tanto é que providenciou um acero ao redor da área que pretendia queimar com aproximadamente 30 (trinta) metros de largura, justamente pelo seu temor da ação do fogo, primeiro porque tinha autorização para queima controlada da área que havia pleiteado, e, segundo, que não poderia desmatar, propriamente dito, uma área que não era detentora de floresta, mas de vegetação secundária (JUQUIRA)”;
q) é vã a “tentativa de criar um paralelo entre fatos completamente distintos, uma vez que não houve desbaste de floresta, mas incêndio de cunho, inicialmente, criminoso, completamente alheio a vontade do réu”;
r) “o Apelante não obteve qualquer vantagem financeira com o incêndio na área da ‘Fazenda Prosperidade’, muito contrário, tal fato que lhe trouxe apenas problemas e prejuízos, tendo em vista as autuações do IBAMA e a presente demanda”;
s) “o Requerido jamais comercializou sequer um galho de madeira ou pelo menos um saco de carvão vegetal retirado de sua propriedade”;
t) “o dano ambiental que pretensamente o Apelante teria cometido foi no Município de Paragominas, mais precisamente na área da ‘Fazenda Prosperidade’, ainda no ano de 2005, representados pelos autos de infração nºs 428075/D e 428077/D, de 27.01.2006, COMPLETAMENTE DISTINTO DO DANO QUE REPRESENTA O CERNE DESTE FEITO, e que nem ao menos foi alvo de qualquer comentário pelo Ministério Público Federal, razão pela qual seria impossível realizar paralelo visando vincular assuntos sem a menor correlação”;
u) “o dano explicitado no item anterior não foi de autoria do Apelante, mas provavelmente dos invasores que detinham a posse de cerca de 50 ha (cinquenta hectares) da área da referida fazenda, eis que ocasionado justamente na saída dos invasores por ocasião de indenização paga pelo antigo proprietário do imóvel”;
v) “a região de Paragominas é submetida a rigorosa estação de seca compreendida entre os meses de julho a dezembro. Tal período é caracterizado pelos baixos níveis pluviométricos, fazendo com que a vegetação seja castigada com a ausência das chuvas. O fator da seca é reconhecido e notoriamente marcado por incêndios às margens de rodovias e imóveis rurais, que se alastram com enorme facilidade. O controle de incêndio por vezes se torna praticamente impossível diante da combinação de farto material orgânico (madeira, folhas secas etc.) e alta atividade eólica, cuja ação do vento funciona como fator agravante para o fogo”;
w) “sobre a autoria do incêndio objeto do auto de infração lavrado pelo IBAMA, em nenhum momento tal instituição comprovou ter sido o Apelante responsável pela queimada de quase 700 (setecentos) hectares. Diga-se de passagem, que a autuação se deu 03 (três) meses após o incêndio (janeiro/2006), não havendo que se falar sequer em flagrante”;
x) “para a configuração do dever de indenizar em decorrência de culpa objetiva é necessário a conjugação de 03 (três) fatores concomitante e inexoravelmente: (I) A AÇÃO OU A OMISSÃO DO RECORRENTE DE MODO A PRODUZIR O DANO; (II) NEXO DE CAUSALIDADE; e, (III) DANO PROPRIAMENTE DITO”;
y) “o valor da condenação representa tão somente algo em torno de 3,65% (três vírgula sessenta e cinco por cento) do pretendido pelo Apelado, fato que demonstra sua evidente litigância de má-fé”;
z) há “necessidade de reforma da r. sentença também no sentido de arbitrar honorários advocatícios”.
Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
a) “a decisão judicial merece ser reformada na parte em que não acolheu a pretensão do Ministério Público Federal: a) não acolhimento do valor proposto a título de indenização, com base na média do valor da madeira, extraído da Tabela da Secretaria da Fazenda do Estado do Pará”;
b) não acolhimento do dano moral coletivo”; b) “entendeu o juízo a quo que, por não ser possível mensurar o valor da vegetação destruída, não seria possível calcular o dano com base no valor médio da madeira de acordo com os dados florestais paraenses”;
c) “se, …, a vegetação destruída pelo ilícito possuía valor inferior ao montante declinado por este Parquet Federal, a ele caberia o ônus de provar o desacerto do critério, indicando especificamente um critério plausível de mensuração da vegetação destruída”;
d) “em matéria ambiental, …, a jurisprudência brasileira tem admitido a inversão do ônus da prova, com esteio no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII), à luz do subsistema de tutela processual coletiva, tendo em conta a necessidade de se fazer uma distribuição dinâmica do ônus da prova na tutela de direitos fundamentais de titularidade difusa, como consectário lógico da responsabilidade civil objetiva”;
e) “a quantificação do dano – … – resulta de um seriíssimo estudo econômico feito pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, através do Parecer Técnico 82/2008, com o fim de mensurar dano com critérios técnicos e transparentes, a se evitar a estipulação aleatória de valores”;
f) “pelo estudo chegou-se a uma média de volumetria arbórea por hectare de terra, que é multiplicado pela dimensão da propriedade analisada no caso concreto, tudo com lastro na Instrução Normativa 6/2006 do IBAMA”;
g) “cabe ao demandado, por ser o infrator, demonstrar que a vegetação destruída se afasta dos valores, declinando os motivos técnicos”;
h) “a decisão adversada estabeleceu, como parâmetro, o valor da multa ambiental aplicada administrativamente pelo IBAMA”; “entretanto, vale consignar que o critério lançado pelo Ministério Público Federal na petição inicial é amplo, comportando, assim, gradações. O valor do metro cúbico lançado diz respeito a uma média aritmética entre os extremos”;
i) “a se considerar o menor valor arbóreo fixado na tabela (R$ 124,51), o montante da indenização, seguindo os mesmos passos metodológicos indicados, corresponderia a R$ 3.441,456,40”;
j) “o imóvel incendiado ostentava vegetação, embora não tenha sido possível identificar o valor econômico da flora destruída, em razão da incineração. Obviamente, o valor indicado não está necessariamente relacionado à exploração de madeira pelo causador do dano e, sim, à simples existência de vegetação na área, mesmo que secundária”;
k) “a área desmatada corresponde a quase 7 (sete) quilômetros quadrados da Amazônia Legal. Destarte, é imperioso levar a efeito a condenação pelo dano moral que experimentou, de forma difusa, a sociedade, inclusive as gerações futuras, em razão da lesão ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Contrarrazões do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
a) “a demanda foi ajuizada pouco mais de três anos depois do evento danoso. Isto é, incêndio ocorreu em 32.10.2005, ao passo que a ação civil pública foi protocolada em 12.12.2008. Inaplicável, ao caso, o lapso previsto no art. 206, §3º, V, do CC/2002, traçado para situações privadas, da vida civil”;
b) “a pretensão quanto ao dano ambiental é, segundo ampla jurisprudência brasileira, imprescritível”;
c) “à míngua de previsão específica de lustro prescricional, tem lugar a norma residual prevista no art. 206, do CC/2002, que é decenal”;
d) “a contextualização da ação do MPF não obliterou a específica descrição das condutas do réu. Com efeito, a petição inicial demonstra que o demandado promoveu a queimada de 691,43ha na Amazônia Legal, em imóvel de sua propriedade”;
e) “em momento algum o MPF afirmou que o demandante estava envolvido nos fatos investigados pela Operação Ouro Verde II, ou com a exploração florestal”;
f) “o Ministério Público Federal instruiu o feito com farta documentação advinda do IBAMA, sobre a qual pôde o demandado se manifestar, inclusive na fase administrativa”;
g) “a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente independe do elemento culpa”;
h) “a jurisprudência reconhece o vínculo de causalidade entre a conduta e o dano, quando se extrai dos autos que o incêndio teve por origem queimada controlada”;
i) há “nexo de causalidade entre a conduta do demandado (que implementara queimada controlada em sua propriedade um mês antes do evento) e o resultado, o desmate de quase 700 hectares de vegetação amazônica”;
j) “para a ruptura do nexo de causalidade, o que se mostra plausível em casos de incêndio, incumbiria ao recorrente fazer prova de que sua queimada controlada se encontrava dentro dos limites estabelecidos (60,00 ha), com indicação das cautelas tomadas para que o fogo não se alastrasse. Além disto, deveria indicar os terceiros que, alegadamente, teriam causado o incêndio”;
l) “o juízo a quo acertadamente certificou que o réu não intentou demonstrar a alegada ruptura do nexo de causalidade, limitando-se a mencionar que parcela de sua propriedade estava ocupada por posseiros”;
m) “a condenação do Ministério Público Federal em razão da simples sucumbência parcial”, significaria “amesquinhar a independência funcional de que gozam os membros do Ministério Público”.
Contrarrazões do IBAMA:
a) “ficou provado e reconhecido judicialmente que: o demandado, tentando dar aparência de legitimidade em sua ação, obteve autorização de queimada, no entanto, abusou do direito concedido e desmatou mais de 690 ha de floresta. Não provou, ademais, a ausência de nexo causal ou inexistência de dano decorrente de sua atividade”;
b) “inaplicável, ao caso, o lapso previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/2002, eis que direcionado para o direito privado”;
c) “a petição inicial demonstra que o demandado promoveu a queimada de 691,43ha na Amazônia Legal, em imóvel de sua propriedade. Esta é a causa de pedir do feito”;
d) “a responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva e na modalidade do risco integral”;
e) “caberia ao apelante demonstrar a inexistência de nexo causal entre a sua atividade e os danos perpetrados, ou a inexistência do mesmo”;
f) “a responsabilidade por danos ao meio ambiente independe do elemento culpa”.
Apelação do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA:
a) “é inconteste que a madeira queimada possuía um valor econômico mínimo. Difícil de mensurar seria seu valor total agregado levando-se em conta sua representatividade para o ecossistema”;
b) “o valor médio de madeira comercializável reputa-se justo e razoável”;
c) “franqueou-se no processo a oportunidade do demandado questionar o valor apontado, inclusive podendo provar o valor menor do que o indicado na inicial, no entanto, quedou-se inerte de sorte que é assente em doutrina e jurisprudência a inversão do ônus da prova em matéria ambiental, quer seja pela aplicação do princípio da precaução, quer seja pelo instituto da responsabilidade objetiva”;
d) “insuficiente o critério apontado na sentença por somente considerar o tamanho da área queimada em cotejo com o valor da multa administrativa por hectare”;
e) “demonstrado que a tabela da SEFA sobre os valores de mercado das toras é o meio mais razoável de se identificar os prejuízos materiais vivenciados na região, é forçoso reconhecer-se que, ainda que não se utilize o critério do valor médio das madeiras, seja aplicado ao menos o valor de piso constante, qual seja, (R$ 124,51). Aplicando-se a metodologia utilizada, teríamos de indenização o valor de R$ 3.441.456,40”.
Contrarrazões de ANTÔNIO CESNIK:
a) “a demanda proposta pelo ilustre Parquet, …, é completamente desprovida de dados concretos acerca da volumetria da madeira supostamente existente na área, pautando seu entendimento em pareceres técnicos (82/2008) que nem de longe são capazes de atestar, com precisão, a quantidade de madeira em uma determinada região. Por outro lado, como se não bastasse, fundamenta seu absurdo pedido em uma tabela utilizada pela SEFA que aponta valores das madeiras”;
b) “os valores constantes da tabela SEFA são muito superiores aos de mercado”;
c) “a área objeto da fiscalização e que deu origem ao Auto de Infração n. 428077, de 27.01.2006, às fls. 133, não detinha mata virgem, ou seja, vegetação intocada, mas tão somente vegetação secundária, regionalmente denominada JUQUIRA, indicando que já havia sido alvo de exploração florestal talvez pelo seu antigo proprietário”;
d) “o incêndio criminoso que (sic) não foi provocado pelo Apelado, consoante se verifica da Ocorrência Policial de fls. 172, que informou o fato à Autoridade Policial, em 03.11.2005, ou seja, anteriormente à fiscalização do IBAMA (27.01.2006), sendo tal fato foi imputado aos invasores, os quais, inclusive, foram registrados no contrato de compra e venda, de 16.11.2003, Cláusula Segunda”;
e) “falou-se no apelo em transferir a responsabilidade da prova ao Apelado justamente porque o Apelante não se preocupou em trazer a verdade à tona”;
f) “não há prova do dano moral coletivo”;
g) “o Ministério Público Federal deveria, …, produzir prova e não simplesmente pretender que o Apelado se desincumba exclusivamente do ônus probatório. Tudo o que estava ao seu alcance foi feito, ou seja, toda documentação acostada aos presentes autos dão conta que o Apelado se movimentou no sentido de informar a autoridade quando do incêndio, e, mesmo antes disso, requereu ao IBAMA que autorizasse uma queima controlada”.
Parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, neste Tribunal:
a) “a jurisprudência deste Eg. Tribunal Regional, e do Superior Tribunal de Justiça se posicionam no sentido da imprescritibilidade das ações de natureza ambiental em razão da perpetuação do dano no tempo”;
b) “não assiste razão à alegação de inépcia da inicial e ilegitimidade do poso passivo da demanda por parte do apelante Antônio Cesnik, visto que os documentos constados no Processo Administrativo nº 1.23.000.001942/2008-11 e do Auto de Infração nº 428077 (fls. 106/145) comprovam a existência do dano apontando o demandado como responsável”;
c) “com relação à fixação do dano, temos que é necessária a realização de perícia, uma vez que são imprescindíveis para mensurar a extensão dos danos ambientais (materiais e morais coletivos) para a fixação da indenização devida, pois os elementos carreados nos autos revelam-se insuficientes para esse fim”;
d) “como não realizada a perícia, entendemos correta a aplicação da indenização apontada pelo juízo”;
e) “no tocante ao dano moral difuso em matéria ambiental, a jurisprudência do Eg. Tribunal já se fixou no sentido que a responsabilidade civil é objetiva, independendo da existência de dolo ou culpa”;
f) “ao entendimento de ter restado inequívoca a prova do dano ambiental provocado, surge,…, a obrigação de indenizar a coletividade”.
É o relatório.
VOTO preliminar (vencido)
De acordo com a Lei Complementar n. 140/2011, “compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada” (art. 17).
Não obstante, “nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis” (§ 2º).
Ressalva o § 3º que “o disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput”.
Além disso, de acordo com o art. 4º, “os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de cooperação institucional: … V – delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar; VI – delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar”.
O art. 5º acrescenta que “o ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente”.
Órgão ambiental capacitado é “aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas” (parágrafo único).
A Lei Complementar n. 140/2011 manteve, em linhas gerais e com as devidas adaptações, a mesma configuração de competências previstas na Lei n. 6.938/81 e na Resolução CONAMA n. 237/97.
Por isso, continuam válidos os mesmos comentários outrora feitos sobre distorções decorrentes de condicionantes fáticas e resistências interpretativas na questão:
a) tendência histórica para a centralização de competências;
b) visão fragmentada da realidade, levando à descaracterização da extensão regional ou estadual dos efeitos da obra ou empreendimento;
c) deficiências de muitas entidades estaduais e municipais, quando não a inexistência de órgão ou entidade especializada no cuidado dos interesses ambientais;
d) tendência de fuga a tarefas antipáticas perante a população local;
e) ausência de melhor estudo e reflexão por parte de autoridades administrativas e jurisdicionais.
É sabido que a federação brasileira veio de um Estado unitário, e essa origem histórica é reconhecida como motivo de persistente orientação centralizadora de competências da União e suas entidades autárquicas.
Em sentido inverso e no interesse dos empreendedores – que partem do pressuposto de maior facilidade para o licenciamento de seus projetos perante as entidades estaduais e locais – pretende-se, muitas vezes, a fragmentação do empreendimento de modo a reduzir sua área de influência direta e, com isto, afastar a competência do IBAMA para o licenciamento.
É inegável a deficiência estrutural de alguns Estados e da grande maioria dos Municípios, além da maior suscetibilidade dos respectivos órgãos a influências político-eleitoreiras, causadoras de desvio de finalidade.
Neste aspecto, o art. 20 da Resolução n. 237/97-CONAMA estabelece que “os entes federados, para exercerem suas competências licenciatórias, deverão ter implementados os Conselhos de Meio Ambiente, com caráter deliberativo e participação social e, ainda, possuir em seus quadros ou a sua disposição profissionais legalmente habilitados”.
Situa-se na deficiência estrutural ou na omissão o motivo para o exercício da competência supletiva da União (IBAMA), em relação aos Estados e, dos Estados, em relação aos Municípios.
Na mesma proporção que há interesse em exercitar a competência para o licenciamento de obras e empreendimentos “bem vistos” pela população local, há propensão para negar o licenciamento de obras ou empreendimentos antipáticos à comunidade ou, no mínimo, busca-se remeter tal atribuição para outra esfera.
Essa tendência tem a ver com o chamado efeito NIMBY (not in my backyard), que sintetiza o sentimento natural das pessoas de que se deve construir um presídio ou uma indústria poluidora, imprescindíveis para a sociedade, mas não na vizinhança.
Finalmente, as distorções podem surgir de equívocos na interpretação dos fatos e normas, o que se observa em algumas manifestações do Ministério Público e decisões jurisdicionais em que se utiliza o critério da titularidade do bem público na fixação da competência para o licenciamento.
Não há negar que a Resolução n. 237/97-CONAMA estabelece, em alguns casos, competência do IBAMA com base na titularidade do bem público, mas é necessário considerar que essa titularidade não dispensa o interesse regional ou nacional, que está previsto na cabeça do art. 4º.
A 6ª Turma deste Tribunal, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2007.01.00.0000782-5, por maioria, decidiu que:
“1 – A competência para a condução do licenciamento ambiental deve ser definida de acordo com o potencial dano do empreendimento e não segundo a propriedade da área em que são realizadas as construções.
2 – As obras de construção ou reforma de barracas na orla marítima de Salvador/BA, ainda que estejam localizadas em terrenos de marinha, de propriedade da União, não atraem a competência exclusiva do IBAMA para conduzir o correspondente estudo de impacto ambiental, por não estar configurado impacto ambiental nacional ou regional”.
Nesse julgamento, a então Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, hoje eminente Ministra do Superior Tribunal de Justiça, proferiu o voto vencedor, de notável precisão:
“… é certo que a área em questão é de propriedade da União, dada sua condição de terreno de marinha. A propriedade do bem não é, todavia, no meu entendimento, o que define a competência para o licenciamento ambiental, assim como também não é o que define, por exemplo, a competência para editar posturas municipais, como, por exemplo, o número de andares de edificação na orla marítima.
Lembro antigo acórdão do Supremo Tribunal Federal, na Representação 1.048, em que se questionou a constitucionalidade de artigo da Constituição da Paraíba que estabelecia um limite para a altura dos prédios que seriam construídos na praia de Tambaú.
Naquela ocasião, alegou-se a inconstitucionalidade da Constituição Estadual, não porque esse terreno fosse de marinha, de propriedade da União, mas em face do interesse municipal, porque seria peculiar ao interesse municipal definir a altura dos prédios.
Prevaleceu, naquela ocasião, o entendimento de que era o interesse comum ao Estado e Município, mas não se cogitou que pudesse ser obrigação da União definir o número de andares dos prédios na orla marítima, mesmo que se tratasse de terreno de marinha.
Da mesma forma, penso que a questão da propriedade do bem não é o que define a competência para o licenciamento ambiental. A Lei 6.938/81, § 4º, estabelece: ‘Compete ao IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo no caso de atividade e obras com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional’.
Então, nos termos da lei, apenas o impacto ambiental nacional e regional acarretará a competência do IBAMA para o licenciamento ambiental. O motivo da regra me parece claro: a inviabilidade de um órgão central licenciar todos os empreendimentos, mesmo de pequeno porte, como barracas de praia, em toda a zona costeira de tamanho continental, independentemente da extensão do dano ambiental e a competência concorrente (sic), em matéria de meio ambiente, de todos os entes da Federação.
No caso ora em exame, penso que não há dúvida, com a devida vênia do relator, de que o potencial dano causado por barracas de praia não é nacional e nem regional, mas está circunscrito, a meu ver, à orla de Salvador”.
Parto logo para a conclusão, no que interessa a este julgamento. O critério de competência para o licenciamento (polícia preventiva) é o mesmo para a competência sancionadora (polícia repressiva) e, por simetria, além de atenção, também, ao princípio federativo, para a legitimidade do Ministério Público, estadual ou federal, na ação civil pública relativa ao dano ambiental.
Só haverá legitimidade do Ministério Público Federal na hipótese de dano regional (com repercussão em mais de um Estado da Federação), nacional ou internacional. A lógica é a mesma, aliás, aplicável, com mais razão, à competência jurisdicional, que é indelegável.
Houve, à fl. 300, decisão nos seguintes termos: “Considerando os critérios estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça para aferição da legitimidade ativa em ações civis públicas voltadas à reparação de dano ambiental na esfera federal (vide julgamento do REsp n. 440.002/SE), fixo o prazo de 10 (dez) dias para que o MPF comprove em juízo que a área em que ocorreu o ilícito ambiental é terra pública federal ou se encontra sob tutela jurídica direta da União Federal”.
O autor juntou informação no sentido de que “a área em comento situa-se em Gleba Pública Federal, estando assim sob a tutela e interesse da União e do Ibama, conforme preceitua o art. 109, I, da CF/88”. Há nessa informação, todavia, uma contradição, uma vez que se afirma, nas outras oportunidades, que a área é de propriedade particular do réu.
Nem o critério da titularidade do bem justifica, pois, a legitimidade do Ministério Público Federal e do IBAMA, este que, no caso, assumiu o polo ativo da ação.
VOTO (mérito)
Nas 79 laudas da petição inicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL não faz referência específica ao fato que serve de base ao pedido. Seu discurso é todo voltado, genericamente, para a questão ambiental no Estado do Pará, a Operação “Ouro Verde II”, os grandes infratores da região, as normas jurídicas que regem a matéria, as características da ação civil pública, a legitimidade do Ministério Público para as ações relacionadas com o meio ambiente, a competência do IBAMA, responsabilidade objetiva, dano moral coletivo etc.
De específico, diz-se, unicamente, que “o réu, na qualidade de infrator ambiental (fl. 27) e dono da fazenda (fl.38) deve responder pela reparação ambiental aqui pleiteada”.
A título de complementar a inicial, junta-se cópia de “procedimento administrativo” do qual consta “relação dos maiores devedores”, estando entre eles o réu, ANTÔNIO CESNIK, como devedor de 1.186.518,18 UFIRs (fl. 116).
Junta-se, também, cópia de processo administrativo iniciado com auto de infração por “provocar incêndio em floresta na área da Fazenda Prosperidade acima da autorização fornecida pelo IBAMA, xerox em anexo, num total de 691,45 ha, de acordo com o Mem. nº 26/05 de 29/07/05 e imagem CBERS 2 – orbita/… (ilegível) 159/104 de 11/07/05, cópia em anexo”.
Não fora o interesse público envolvido na causa, a petição inicial deveria ser tida como inepta. Levo em conta, também, que, apesar daquela deficiência, o réu captou a pretensão e exercitou, com proficiência, seu direito de defesa.
Não há prescrição, pelo menos, no que diz respeito à pretensão, que se protrai no tempo, de recomposição do meio ambiente.
No mérito propriamente dito, observa-se que o auto de infração foi confirmado à consideração de que, “gozando os atos administrativos do atributo da presunção de legitimidade, caberia ao interessado o ônus de trazer alguma prova ou elemento capaz de afastar a presunção de existência da infração, gerada com a lavratura do auto de infração 428077-D, constante às folhas 2 dos autos.
A defesa por ele articulada, por sua vez, não traz qualquer elemento probatório neste sentido, não oferecendo sequer algum indício que poderia sustentar seus argumentos, no sentido de que o incêndio teria sido provocado pelos posseiros já existentes no imóvel.
Longe de caracterizar qualquer arbítrio por parte do Poder Público, a presunção (relativa) da veracidade de seus atos mostra-se essencial dentro do Estado Democrático de Direito, na medida em que atende a um dos princípios básicos do direito administrativo moderno, qual seja, a supremacia do interesse público sobre o particular.
Desta forma, viabiliza-se a atuação de Administração Pública, que, de outro modo, encontraria sérias dificuldades para desenvolver suas atividades, o que prejudicaria, em última instância, toda a coletividade.
Ressalte-se que o autuado ao tornar-se legítimo possuidor do imóvel em que foi praticada a infração, conforme instrumento às folhas 40/42, assumiu a responsabilidade pelos danos ambientais que viessem a ocorrer em seu interior.
Trata-se de princípio de grande importância no direito ambiental, segundo o qual aquele que aufere os bônus da utilização econômica de sua propriedade deve também suportar os ônus decorrentes desta atividade.
Acrescente-se ainda que, conforme posição francamente majoritária na doutrina e jurisprudência, a responsabilidade administrativa por danos ambientais é de natureza objetiva, razão pela qual mostra-se desnecessária a comprovação de culpa ou dolo na conduta do autuado”.
Nenhuma prova foi produzida, além do referido acervo documental juntada à inicial (auto de infração, diga-se, também sustentado apenas na presunção de legitimidade).
É verdade que na inicial tratou-se da possível inversão do ônus da prova em matéria de responsabilidade por dano ambiental, mas não houve, especificamente, por decisão interlocutória, tal inversão, no caso concreto.
Na sentença, considerou-se que “é inconteste a ocorrência do dano ambiental perpetrado pelo requerido, de acordo com os elementos probatórios reunidos nos autos, e, inobstante suas afirmações, este não logrou produzir provas de que não degradou o meio ambiente, estando suficientemente demonstrada, no presente caso, a ocorrência dos pressupostos aptos a fundamentar a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais causados. Ressalte-se que, mesmo tendo sido oportunizada a especificação de provas (fl. 288), o demandado nada requereu.
O ato administrativo praticado pelo IBAMA quando da autuação (AI n. 428077-D) goza de presunção de legalidade e veracidade, cabendo ao requerido produzir prova em contrário (provar que o ato é ilegítimo ou que os fatos que o fundamentam não correspondem à verdade), o que não ocorreu na espécie.
Entendo que a existência de Boletim de Ocorrência do qual consta a informação de que o fogo teria sido ateado por famílias de invasores (fl. 173), não tem o condão de afastar tal presunção e a responsabilidade do requerido, visto que o BO tomou por base apenas relatos do próprio demandado.
Ressalte-se, ainda, que o fato de o requerido ter buscado autorização da autarquia ambiental para queima controlada a ser efetivada aproximadamente no período em que teria, segundo ele, ocorrido o incêndio, vem, na verdade, confirmar o seu interesse em atear fogo em área de sua propriedade à época (queima controlada permitida para 25/08 a 25/09/2005, sendo que o incêndio teria acontecido em 31/10/2005, conforme relatos do próprio requerido – fls. 135 e 173).
Isso se consideradas verdadeiras as suas afirmações, pois, da análise dos documentos acostados aos autos, são possíveis verificar que a área em questão já se encontrava devastada antes disso (fl. 137 e seguintes), questão que pode, inclusive, conduzir à conclusão de que o réu teria solicitado autorização para queima controlada e registrado ocorrência policial no intuito de respaldar e fundamentar eventual defesa, seja administrativa ou judicialmente”.
Não há, “data venia”, prova da autoria e causalidade do dano, mas apenas a suspeita decorrente do fato de o réu ter requerido e obtido do IBAMA autorização para queima controlada de área menor (60 ha). Essa mera suspeita não é suficiente para atribuir-lhe responsabilidade civil, ainda que objetiva.
A responsabilidade objetiva, mesmo em matéria de dano ambiental, não tem a extensão de dispensar totalmente a demonstração, ainda que indiciária, da autoria e causalidade.
Considere-se, no caso, que não houve inversão do ônus da prova, por decisão específica. Ainda que tivesse havido tal inversão, deveria ser considerada com reservas, diante da dificuldade da prova negativa em sentido contrário, nas circunstâncias.
O incêndio foi levantado, depois de um ano, por imagem de satélite e o só fato de ter ocorrido na propriedade do réu não autoriza a presunção de que tenha sido ele o autor.
Diz a sentença que “o autuado ao se tornar legítimo possuidor do imóvel em que foi praticada a infração, conforme instrumento às folhas 40/42, assumiu a responsabilidade pelos danos ambientais que viessem a ocorrer em seu interior”.
Presunção dessa natureza causaria enorme insegurança e a possibilidade de graves injustiças.
Por isso, dou parcial provimento à apelação do réu para indeferir o pedido de indenização. Prejudicadas as demais apelações.
Deixo de condenar o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em honorários de advogado, ante a disciplina normativa, específica, da ação civil pública.
É como voto.