EMBARGOS À EXECUÇÃO DE DÍVIDA ATIVA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUTO DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA DE SUBSÍDIOS FÁTICOS MÍNIMOS. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO PUNITIVA DO IBAMA. 1. É subjetiva a responsabilidade por infração ambiental, de modo que o auto de infração deve ser lavrado contra a pessoa que cometeu a infração. 2. É nulo o auto de infração lavrado sem os mínimos subsídios fáticos para a caracterização da infração. 3. Decorridos cinco anos ou mais da data da prática de infração ambiental, deve ser reconhecida a prescrição da ação punitiva do IBAMA.
(TRF-4 – AC: 50018388220134047211 SC 5001838-82.2013.4.04.7211, Relator: FRANCISCO DONIZETE GOMES, Data de Julgamento: 10/06/2020, PRIMEIRA TURMA)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA em face da sentença que declarou a nulidade do Auto de infração da CDA dele originada e do Termo de Embargo/Interdição e, por consequência, determinou a extinção da execução fiscal.
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença julgando este feito e a ação anulatória, esse, com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os presentes embargos à execução fiscal, para:
a) declarar a nulidade do Auto de Infração n. 247904-D, da CDA dele originada e do Termo de Embargo/Interdição nº 037637;
a.1) por consequência, deve ser extinta a execução fiscal.
Os embargos à execução não estão sujeitos ao pagamento de custas (art. 7º da Lei 9289/96).
Condeno o embargado ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo nos mínimos legais para cada faixa de incidência (no caso, 10% e 8% sobre o valor da causa), na forma estabelecida pelo art. 85, §§ 3º e 5º do CPC/15.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Havendo interposição de recurso por qualquer das partes, intime-se a parte contrária para apresentação de contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade, nos termos dos §§ 1o e 3o do artigo 1.010 do CPC.
Transitada em julgado, traslade-se cópia desta decisão para a execução fiscal. Oportunamente, dê-se baixa e arquive-se o feito.
Na apelação interposta, o IBAMA reitera, em preliminar, o agravo retido interposto no evento 56. Relativamente ao mérito, sustenta que o embargante deve responder pelo valor da multa imposta até o limite do valor do patrimônio transferido, com base no artigo 5º, XLV, da Constituição Federal; que o laudo pericial não mencionou a existência de Termo de Responsabilidade de Manutenção de Florestas em Manejo averbado à matrícula do imóvel, que informa a localização, na propriedade, da área em que deveria ser mantida a cobertura vegetal florestal; que a prescrição da pretensão punitiva somente inicia com o término do processo administrativo. Requer o provimento da apelação, a fim de que seja reformada a sentença proferida.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal. É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
A apelação do IBAMA se apresenta formalmente regular e tempestiva.
Agravo Retido
Quanto ao agravo retido concernente ao deferimento do pedido de perícia técnica judicial sob o seguinte fundamento de que, ainda que se trate de responsabilidade administrativa, se o adquirente não corrige o dano, ele perpetua do dano ambiental, de modo que a conduta infratora é renovada, sendo, portanto, legitimado passivo o adquirente na execução fiscal,, a matéria confunde-se com o mérito, motivo pelo qual será analisada conjuntamente.
Mérito
Do exame dos autos, verifico que o Julgador de origem analisou com critério e acerto as questões suscitadas, examinando corretamente o conjunto probatório e aplicando os dispositivos legais pertinentes. Assim, para evitar desnecessária tautologia, transcrevo os fundamentos da sentença e adoto-os como razões de decidir, in verbis:
Passa-se assim à análise das razões que embasam as iniciais dos autos em análise.
1. Ausência de autoria: Responsabilidade subjetiva administrativa
Em ambas as ações suscitou-se como matéria de defesa o fato de que o autor/embargante não cometeu as infrações descritas nos autos impugnados. Na ação anulatória tratou-se do tópico como ausência de autoria, e nos embargos à execução como ilegitimidade passiva para responder à execução fiscal.
Inicialmente, necessário estabelecer distinção entre a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa.
No âmbito da matéria ambiental, tem-se que apenas a responsabilidade civil é de caráter objetivo. Ou seja, a reparação de danos ambientais e as pretensões indenizatórias podem ser direcionadas a todos aqueles envolvidos na ocorrência do dano, inclusive atuais proprietários, tendo em vista ser a responsabilidade solidária e ilimitada.
Entretanto, o mesmo raciocínio não se aplica no âmbito da responsabilidade administrativa, a qual identifica infratores, lhes aplicando penalidades em decorrência de suas condutas. Nesse caso, a pretensão punitiva deve ser direcionada especificamente contra o autor do dano perpetrado, não se admitindo a responsabilidade solidária, tampouco a propter rem.
A distinção entre as duas responsabilidades já foi objeto de julgado pelo TRF4:
[…] 8. A responsabilidade civil por dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do agente, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis (do qual se infere a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental). Em outros termos, todos os agentes que, direta ou indiretamente, obtiveram proveito da atividade que resultou no evento lesivo respondem objetiva e solidariamente pelos prejuízos causados ao meio ambiente, com fundamento na teoria do risco integral, previsto na legislação ambiental (arts. 3º e 14, § 1º, da Lei n.º 6.938/81), combinado com o art. 942 do Código Civil. 9. Estando em discussão a responsabilidade civil dos réus pelos danos ambientais e à saúde humana causados por acidente envolvendo a embarcação, e não a responsabilidade administrativa pela infração ambiental em si, o dever de reparação integral do meio ambiente degradado é atribuído a todos os que estão vinculados ao evento lesivo, independentemente de dolo ou culpa do agente (o proprietário e o operador (exportador) do navio, os donos da carga, o administrador do terminal portuário), enfim todos que se beneficiaram diretamente da atividade lesiva. […] (TRF4, AC 5006075-38.2012.404.7101, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 29/05/2017)Pois bem. No caso concreto, embora o IBAMA sustente que a responsabilidade pelo corte acompanha o atual proprietário da área degradada, tem-se que suas alegações se fundam todas nos preceitos da responsabilidade civil ambiental. Senão vejamos (evento 36, PET1 dos embargos):
No que tange ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se que a obrigação decorrente de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. E, por isso, tal responsabilidade seguirá a atividade ou a propriedade, mesmo após transmitidas a terceiros.
Ocorre que a discussão dos processos em análises é travada exclusivamente em torno da responsabilidade administrativa do autor/embargante, já que não se trata de pretensão envolvendo reparação civil por dano ambiental, mas tão-somente anulação de autos de infração, com a consequente desoneração do autuado com relação à penalidade aplicada.
Desta maneira, não basta atribuir ao atual proprietário a responsabilidade pela imputação da infração lavrada, sem sequer investigar se houve por parte dele o cometimento de alguma conduta contrária à ordem jurídica.
No caso concreto, a perícia realizada concluiu, com base em levantamentos fotográficos e fotos de satélites, mediante georreferenciamento e ortorretificação de imagens, que os cortes descritos nos autos de infração ocorreram no intervalo de tempo entre julho de 1998 a agosto de 1999, sendo que a vegetação encontrada no local, atualmente, refere-se a plantio de reflorestamento, intentado entre 1999 e 2001 (evento 111, LAUDO1 dos embargos e evento 37, LAUDO2 da ação anulatória). Anote-se as explicações do perito:
4. Houve corte de árvores naturais ou a destruição/desmatamento/supressão de área considerada de mata atlântica para implantação de projeto de reflorestamento com espécie exótica? Em caso afirmativo, é possível estimar a data da ocorrência (tanto do eventual corte de árvores naturais ou destruição/desmatamento/supressão de área considerada de mata atlântica, quanto do plantio de espécie exótica – pinus)?
Sim. Houve a supressão de vegetação considerada de mata atlântica para a implantação de projeto de reflorestamento. A data ou o período aproximado da supressão de vegetação pode ser obtido através da avaliação de imagens de satélite ou aerofotogramétricas, de acervo e de diversos anos, sobre o perímetro da área objeto da perícia.
Salienta-se que o georreferenciamento e a ortorretificação das imagens não apresentam resultados perfeitos, mas com a comparação dos temas (cores e forma) dentro da área de interesse com as áreas adjacentes e principalmente entre imagens de anos subsequentes, pode-se demonstrar o período em que houve a supressão da vegetação.
O perito pesquisou no site do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, imagens dos anos 1992, 1998, 1999, 2000 e 2001.
Obteve-se as composições das imagens Landsat5/TM das Figuras 3, 4, 5, 6 e 7, que seguem abaixo. A composição 453 é denominada falsa cor, que permite a vegetação apresentar tons de vermelho, coloração em que melhor são distinguidas nuances, evidenciando limites e texturas.
Ressalta-se que estas imagens apresentam baixa resolução espacial (cada pixel corresponde no solo a 30 x 30 metros) mas são a melhor fonte de dados disponível. Os tons em vermelho mais escuro representam a vegetação mais densa e os tons em vermelho mais claros a vegetação menos densa ou mais rala. Em vermelho brilhante são plantios de pinus e tons cianos ou claros podem indicar campos, lavouras e solo exposto.
A seguir os resultados da interpretação das imagens. […]
A imagem de 25/06/1998, Figura 4, demonstra a vegetação ainda sem a supressão na área objeto, mas já com uma coloração mais homogênea nas áreas alteradas da imagem da Figura 3, de 1992. Isso pode indicar que houve revegetação nestas áreas alteradas.
Já a imagem de 31/08/1999, Figura 5, demonstra que houve alteração na vegetação existente na área objeto. A diferença na conformação e cor da imagem dentro da área objeto em relação as áreas adjacentes, indica ter ocorrido supressão da vegetação.
Além do mais, o limite da mudança entre as imagens coincide com o limite do projeto de reflorestamento. E a supressão pode ter ocorrido a partir de julho de 1998 até agosto de 1999, intervalo de tempo entre as imagens.
Já na imagem de 07/12/2000 da Figura 6 e a imagem de 23/10/2001, Figura 7, para confirmação, permanece a alteração na área objeto.
Então, não é possível afirmar as datas início e fim da supressão, mas é fato que ocorreu no intervalo de tempo entre julho de 1998 até agosto de 1999. […]
A data ou período aproximado do plantio do reflorestamento de pinus foi avaliado através da determinação da idade do reflorestamento na ocasião da perícia.
Para tanto, foram derrubadas árvores nos diversos talhões do projeto de forma a determinar a idade através da contagem dos anéis de crescimento. Os anéis de crescimento são círculos observados na madeira de algumas árvores, entre elas o pinus. De uma forma usual, os anéis de crescimento representam o crescimento em diâmetro que a árvore apresenta no verão (mais espesso porque a árvore cresce mais neste período) e no inverno (mais fino porque a árvore não cresce tanto neste período). Estes crescimentos diferem em coloração na madeira e a soma dos dois indicam o quanto a árvore cresceu em um ano (Foto 4).
Então, deste modo, é possível determinar a idade da árvore a partir da contagem dos anéis de crescimento. […]
Com isto, confirmou-se os anos de plantio apontados na Figura 6, sobre os limites da área do reflorestamento.
E, pode-se afirmar que a data de execução do plantio do reflorestamento de pinus deu-se entre os anos de 1999 e 2001.
Considerando que o autor/embargante recebeu o imóvel em questão como uma doação apenas no ano de 2002 (evento1, PET3, p.116 da ação anulatória), não é possível atribuir a ele a autoria dos autos de infração lavrados. Afinal, a prova pericial deixou assente que os cortes na área cessaram no ano de 1999 e, portanto, devem ser imputados exclusivamente ao proprietário anterior.
Conforme antes exposto, a responsabilidade administrativa é subjetiva e, portanto, apenas pode figurar como autuado, em auto de infração lavrado pela administração pública, o administrado efetivamente responsável pela conduta constatada e descrita pelos agentes públicos.
Não é o caso. Aliás, no processo administrativo em comento sequer houve constatação pelos fiscais do IBAMA do cometimento da conduta descrita no auto, já que foi lavrado “às cegas”, apenas com base em documentação entregue pelo próprio autor/embargante, a fim de obter a regularização de plano de manejo instituído pelo proprietário anterior. Este ponto será apreciado a seguir e reforça a insubsistência dos autos de infração que são objeto da discussão.
Apenas para encerrar o tópico, tem-se que o IBAMA não comprovou a responsabilidade subjetiva do agente autuado. Pelo contrário: sucumbiu diante da solidez da prova pericial produzida, a qual garante que o último corte realizado na propriedade se deu no ano de 1999.
Deste modo, é seguro concluir que o autor/embargante não foi o autor do dano ambiental e, por isso, a ele não pode ser imputada penalidade administrativa relacionada à conduta que nunca cometeu.
Assim, a ele também não pode ser atribuído o descumprimento do Termo de Responsabilidade de Manutenção de Florestas, já que, quando recebeu o imóvel, referido termo já não representava a realidade da propriedade, tendo o autor procurado o órgão ambiental justamente para adequá-lo.
Por consequência, deve ser reconhecida a nulidade dos autos de infração lavrados e declarada a ilegitimidade do demandante para responder pelas execuções fiscais relacionadas.
Apesar de a ausência de autoria ser fundamento o bastante para encerrar a discussão da presente lide, passa-se ainda à apreciação da questão da prescrição e da ausência de requisitos formais na lavratura dos autos, tendo em vista que a melhor explanação de tais pontos inclusive reforçam o fundamento do presente tópico.
2. Prescrição
Embora não tenha sido suscitada na inicial dos embargos, a prescrição da pretensão punitiva foi abordada expressamente como fundamento da ação anulatória, servindo a apreciação de seu teor a ambos os processos, até porque se trata de matéria de ordem pública, podendo inclusive ser reconhecida de ofício.
Pois bem. O autor sustentou a ocorrência de prescrição no caso, tendo em vista que o auto de infração foi lavrado quando já passados mais de cinco anos do cometimento da conduta.
Uma vez mais, necessária a distinção entre as responsabilidades civil e administrativa, no que diz respeito ao dano ambiental. A pretensão reparatória de danos ambientais, por ser de natureza civil, é objetiva e ilimitada, sendo também imprescritível por conta de o meio ambiente equilibrado se constituir em direito fundamental de terceira geração.
No entanto, a pretensão punitiva administrativa, além de ser subjetiva, conforme exposto no tópico anterior, está sujeita a prazo prescricional, já que se trata da aplicação de penalidade em face do cometimento de uma conduta.
O Decreto 6.514/08 dispôs o seguinte sobre a prescrição do direito da administração em apurar a prática de infrações:
Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.
§§§1oConsidera-se iniciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do auto de infração.
Quanto à incidência da prescrição em face das autuações administrativas ambientais, o Tribunal Regional da 4ª Região já decidiu:
ADMINISTRATIVO. MULTA AMBIENTAL. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. 1. No que diz com a prescrição/decadência relativamente às ações punitivas da Administração Federal, o Recurso Especial n.º 1112577/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou que incide a lei n.º 9.873/99, com as alterações promovidas pela Lei n.º 11.941/09 – de aplicação imediata em face de sua natureza eminentemente processual. 2. Da referida disposição legal, constata-se que a Administração, consoante o art. 1.º, tem o prazo de cinco anos para a apuração da infração e constituição do crédito, contado da data da infração. Tal prazo, porém, é interrompido pela notificação do infrator, na forma do art. 2º. 3. Além deste prazo, o artigo1º, § 1º, prevê a ocorrência da prescrição intercorrente incidente sobre o processo administrativo que esteja paralisado por mais de 3 (três) anos. 4. Por fim, o art. 2º-A da referida norma estipula o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança da multa aplicada, contado da constituição definitiva do crédito, que se verifica com o término do processo administrativo de apuração da infração e constituição da dívida. Tal prazo prescricional da ação executiva, será interrompido pelo despacho do juiz que ordenar a citação, além de outras hipóteses previstas no art. 2º-A (TRF4, AG 5041666-82.2016.404.0000, TERCEIRA TURMA, Relator ALCIDES VETTORAZZI, juntado aos autos em 09/02/2017).
ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IBAMA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. RECUPERAÇÃO DO DANO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. RECONHECIMENTO. No caso, em 05/12/2008, a situação alegada no Auto de Infração estava solucionada, pois a área já tinha sido recuperada e o dano cessado. Assim, não era e não é permanente o dano, tendo decorrido a partir daquela data – 05/12/2008 – o prazo de prescrição de 5 anos, conforme artigo 1º da Lei 9.873/99, e também conforme o Decreto 6.514/2008, art. 21, que estabelece a prescrição em cinco anos, contados da data da prática do ato. Logo, em 05/12/2013 estaria prescrita a penalidade e precluso o direito de executá-lo. Considerando que a execução foi ajuizada em 03/12/2014, deve ser reconhecida a prescrição. (TRF4, AC 5000547-85.2015.404.7014, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 10/08/2016)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IBAMA. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Sendo a penalidade em questão oriunda da atuação punitiva de um ente da Administração Pública Federal e a infração posterior à Lei n.º 9.873/1999, incidem os prazos nela previstos, de sorte que o IBAMA dispunha do prazo decadencial de cinco anos, a contar da prática do ato infracional para a apuração da infração e constituição definitiva do crédito e, a partir daí, do prazo prescricional de cinco anos para a sua cobrança. 2. O prazo prescricional, de cinco anos, para que ocorra o ajuizamento da ação de execução de crédito decorrente de multa administrativa, inicia somente quando encerrado o processo administrativo. (TRF4, AC 5000382-26.2015.404.7115, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 17/09/2015)
Conforme já exposto, a prova pericial produzida no feito indicou que o desmatamento experimentado pelas áreas autuadas deu-se apenas até o ano de 1999. Tendo o IBAMA lavrado os autos de infração apenas em 06/10/2005, e não havendo qualquer elemento nos autos que indique atividade anterior do órgão fiscalizatório tendente a apurar a ocorrido, resta evidente a ocorrência de prescrição da pretensão do IBAMA em autuar o autor pelos referidos cortes.
O IBAMA afirmou em contestação (evento1, PET4, p. 168 da ação anulatória) se tratar de infração continuada e que, por isso, não haveria ocorrido a prescrição. Sem razão. A perícia realizada deixou claro que o corte cessou no ano de 1999, não tendo havido continuidade do desmate até a data de lavratura dos autos.
Ainda, sem razão a argumentação do IBAMA no que se refere ao autor ter mantido exploração econômica na área desde 2002, danificando a floresta originalmente existente (evento1, PET4, p.170 da ação anulatória):
Em 2005, foi constatado que o proprietário, desde 2002, manteve exploração econômica na área em desacordo com o compromisso averbado, danificando a floresta originalmente existente ao manter a atividade. Tal fato demonstra o caráter continuado da infração. Quando recebeu o imóvel, ao invés de respeitar a averbação na matrícula e recuperar os danos, o autor manteve a exploração por mais três anos e solicitou ao IBAMA a readequação do Plano de Manejo, no intuito de continuar a descumprir o compromisso que deveria respeitar .
Isso porque as alegações contradizem a prova pericial. Afinal, tendo o último corte na propriedade sido realizado no ano de 1999, tendo sido seguido de plantio de reflorestamento entre 1999-2001, não se pode atribuir ao autor, proprietário da área desde 2002, a conduta de “exploração econômica da área”.
Aliás, nesta mesma argumentação, o IBAMA aduz que tal fato foi constatado em 2005. Ocorre que, conforme se explanará a seguir, nunca houve visita fiscalizatória no local em que se descreveu a infração, a fim de apurar a exata dimensão dos fatos, de modo que as alegações do réu falecem de credibilidade diante do contexto probatório produzido nos autos.
Em conclusão: houve prescrição do direito do IBAMA em apurar a infração de corte/destruição de mata realizado até o ano de 1999 no imóvel matriculado sob n. 1.447 (Registro de Imóveis da Comarca de Palmas / PR).
Sendo assim, por este motivo também são insubsistentes os autos de infração em comento.
3. Ausência de informações essenciais à lavratura do auto
Por fim, cumpre explanar acerca da ausência de observância, pela autoridade administrativa, da inserção de informações mínimas necessárias para subsidiar e justificar a autuação lavrada.
A perícia realizada constatou a inexistência de indicação de coordenadas geográficas nos Autos de Infração; a inexistência de relatórios técnicos de fiscalização ou fotográficos subsidiando a autuação; a inexistência de vistoria no local a fim de justificar a autuação, sendo que a lavratura foi realizada exclusivamente com base no mapa/tabela apresentado pelo próprio autor à autoridade ambiental, senão vejamos:
6. As coordenadas indicadas no auto de infração correspondem à área pertencente ao imóvel do autor?
No Auto de Infração nº 247.904 não constam coordenadas que possam indicar a área ser pertencente ao imóvel do autor. Descreve que está em desacordo com o Termo de Manutenção de Florestas em Manejo, firmado em 15/07/1992, no imóvel de matrícula nº 1.447.
Analisando os Processos Administrativos enviados pelo IBAMA ao perito, não há relatório técnico de fiscalização ou relatório fotográfico que acompanhe o Auto de Infração.
7. Demais considerações que achar pertinentes.
Descritos abaixo estão os fatos que motivaram o Auto de Infração, que já foram citados nos autos, mas que o perito julga pertinente descrever, assim como o anexo relacionado, em melhores condições de visualização.
O Embargante protocolou em 28/04/2005 no PROTOCOLO/SAC/IBAMA/PR o documento “Adequação de Plano de Manejo Florestal” (páginas 1 a 24 do Anexo 02 Parte 1 e páginas 1 a 14 do Anexo 02 Parte 2), cujo objetivo conforme descrito no requerimento era o de “requerer a adequação do Plano de Manejo com Rendimento Sustentado protocolado sob nº 11.948/92 nesta autarquia federal, efetivado na Fazenda Santa Helena, no município de Palmas – Pr., imóvel matriculado sob nº 1.447 no 1º Ofício de Registro de Imóveis de Palmas” (página 3 do Anexo 02 Parte 1).
O motivo apresentado foi o de ter sido constatado diferenças na locação e tipologias em relação ao Plano de Manejo Sustentado protocolado em 1992 com o então novo levantamento realizado em abril de 2005.
Do protocolo originou-se o Processo Administrativo nº 02017.001144.2005-42 (Anexo 02, Parte 1, 2, 3 e 4). Nesta “Adequação de Plano de Manejo Florestal”, na folha 7 do processo administrativo (página 8 do Anexo 02 Parte 1), o Embargante demonstra na tabela “USO ATUAL DO SOLO CONFORME LEVANTAMENTO REALIZADO”, que a área ocupada com reflorestamento de pinus é de 106,49 ha.
Em 15/09/2005 nas folhas 41 a 44 do Processo Administrativo (páginas 9 a 15 do Anexo 02 Parte 3), o Analista Ambiental do IBAMA emite um relatório, com o seu parecer sobre as possíveis infrações, área atingida e a descrição do fato, entre outras informações, para aplicação das penalidades, tendo como parâmetro a tabela citada acima.
E, em 06/10/2005 foi lavrado o Auto de Infração nº 247.904-D contendo informações originadas da mesma tabela. Neste mesmo documento “Adequação de Plano de Manejo Florestal”, o Embargante apresenta a “PLANTA TOPOGRÁFICA E USO DO SOLO” (folha 29 do PA, página 11 do Anexo 02 Parte 2), confeccionada sobre uma imagem do satélite CBERS, onde demonstra o limite do imóvel e o limite aproximado da área reflorestada com pinus.
Em todos os processos administrativos este é o único documento que aponta a área objeto do auto de infração e da perícia.
Plotando-se o limite aproximado da área reflorestada com pinus da “PLANTA TOPOGRÁFICA E USO DO SOLO” com os limites obtidos na perícia, pode-se afirmar que tratam da mesma área.
Assim, se mostra evidente que absolutamente irregulares os autos lavrados. Isso porque não foram embasados sequer em uma vistoria técnica, não indicaram as coordenadas geográficas do local autuado, nem foram acompanhados de relatório de fiscalização. É dizer, os autos foram lavrados às cegas, o que fragiliza sobremodo a presunção de veracidade de seu teor.
Neste sentido, vão rejeitadas as alegações do IBAMA no sentido de prevalecer tal presunção (evento1, PET4, p. 172 da ação anulatória):
Não há o que se questionar, outrossim, acerca da autoria da infração, pois devidamente indicada por ato de agente público, com competência para tal, dotado de fé-pública e de presunção de veracidade.
Por este motivo é que tal constatação reforça ainda mais a tese de ausência de autoria, bem como da ocorrência de prescrição no caso. Afinal, não houve atividade fiscalizatória por parte da autoridade ambiental: não se constatou in locu a ocorrência de destruição de vegetação perpetrada pelo autuado, nem se efetuou diligências de constatação antes que o novo proprietário procurasse o IBAMA para readequar o plano de manejo, momento em que a prática do corte efetuado pelo dono anterior do imóvel já havia se consolidado.
Não bastasse, também merece acolhida a alegação de “vício insanável” apontada pela parte autora na ação anulatória, referente à descrição da conduta praticada como “danificar floresta primária em estágio médio de regeneração” (evento 1, PROCADM3, p.2).
É que, nos termos da Resolução n.28/94 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, verifica-se que uma vegetação primária não pode estar em regeneração (já que nunca foi destruída), sendo que apenas aquelas consideradas secundárias é que já sofreram algum processo de supressão e, por isso, estão sujeitas a estágios de regeneração. Sendo assim, a descrição da conduta apontada pelo IBAMA nos autos de infração é tecnicamente incoerente, demonstrando uma vez mais que a lavratura não encontra respaldo fático.
Destarte, ante todas as falhas técnicas relacionadas aos autos de infração lavrados (equivocada atribuição de autoria ao autor/embargante; prescrição do direito de autuação pelo corte efetuado até 1999; vícios na lavratura dos autos), tem-se que estes devem ser anulados. Por consequência, merecem ser extintas as execuções fiscais relacionadas, sendo procedentes os pedidos em análise neste julgamento conjunto.
Prejudicadas as demais arguições veiculadas no bojo dos autos.
Com efeito, a responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva ao passo que, a responsabilidade por infração ambiental, tem natureza administrativa e é subjetiva, de modo que o auto de infração deve ser lavrado contra a pessoa que cometeu a infração.
Nesse sentido o precedente desta Turma:
AMBIENTAL. ANULAÇÃO DE AUTOS DE INFRAÇÃO LAVRADOS PELO IBAMA. INCÊNDIO EM MATA NATIVA. AÇÃO PENAL. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. OBSERVÂNCIA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. DÚVIDA QUANTO À AUTORIA DA INFRAÇÃO. 1. No que diz respeito à observância da coisa julgada formada no processo penal, em que pese a fundamentação da sentença proferida na ação penal estivesse voltada à inexistência de provas de que o ora demandante tivesse concorrido para o crime que lhe havia sido imputado de provocar incêndio em mata ou floresta, o dispositivo daquela sentença rejeitou a denúncia e absolveu o ora autor com base no art. 386, IV, do Código de Processo Penal. Assim, por força do disposto no art. 935 do Código Civil, impõe-se observar, na esfera administrativa, a conclusão alcançada na esfera penal, sendo inviável considerar que o demandante teria sido autor do fato que lhe foi imputado nas autuações. 2. Mesmo que fosse superada essa consideração, ainda assim seria procedente o pedido do autor de anulação das autuações. 3. O caráter propter rem que é inerente às obrigações decorrentes da responsabilidade civil ambiental não desfigura o caráter pessoal das autuações decorrentes de infrações administrativas ambientais. Para ser válida, a imputação de infração administrativa ambiental deve estar amparada em circunstâncias fáticas que deem amparo à conclusão de que o imputado realmente exerceu a conduta infracional. 4. No caso concreto, há fundada dúvida quanto à autoria do incêndio que levou à autuação do demandante. Mesmo que se admita que a prova necessária à imputação da conduta infracional no âmbito administrativo não necessita ser tão robusta quanto a prova exigida no âmbito penal, ainda assim deve se reconhecer que inexistem, no presente caso, indícios suficientes para atribuir ao demandante a autoria do fato pelo qual foi autuado. 5. Desconstituída a presunção de veracidade dos atos administrativos de autuação, ante a demonstração de inexistência de suficientes indícios que deem suporte à descrição dos fatos neles descritos, impõe-se a anulação das autuações. 6. Apelação do IBAMA improvida. Sentença de procedência mantida. (TRF4, AC 5004521-39.2015.4.04.7206, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 10/04/2019)
Ademais, prova pericial produzida foi clara ao demonstrar que o corte de floresta nativa foi realizado até 1999 (Evento 111), data anterior à aquisição do imóvel pelo embargante (Evento 6, MATRIMÓVEL2 – pag. 16).
No tocante à previsão do artigo 5º, XLV, da Constituição Federal (nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido) não só não justificaria a autuação do embargante — uma vez que não se trata aqui de obrigação de reparar o dano ou de decretação do perdimento de bens, nem está respondendo o embargante na condição de herdeiro do infrator — como, ao contrário, serve de fundamento para afastar a sua responsabilização, por positivar o princípio da intranscendência das penas.
De outra banda, o fato de haver Termo de Responsabilidade de Manutenção de Florestas em Manejo averbado junto à matrícula do imóvel, não afasta a conclusão de nulidade do auto de infração, que não foi embasado em vistoria técnica ou acompanhado de relatório de fiscalização.
A sentença corretamente reconheceu a prescrição da ação punitiva cujo prazo inicia com a prática da infração (artigo 1º da Lei nº 9.873, de 1999), de modo que, por ocasião da lavratura do auto de infração em 06/10/2005, já havia ocorido a prescrição (Evento 1 – OUT5 – pag. 2).
Sucumbência recursal
Nos termos do § 11 do artigo 85 do CPC, o percentual dos honorários advocatícios será acrescido em 10%, observado o escalonamento previsto no § 5º do mesmo artigo.
O percentual final será de 11% quando enquadrados no inciso I do § 3º; de 8,8% quando enquadrados no inciso II, e assim sucessivamente, conforme escalonamento previsto no § 5º.
Prequestionamento
Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (art. 1.026, § 2º, do CPC).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e ao agravo retido.