REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. MULTA ADMINISTRATIVA. IBAMA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. LEI N. 9.873/99, ART. 1º, § 2º. FATO TAMBÉM CONSTITUI CRIME. PRAZO CÓDIGO PENAL. 2 ANOS. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1. Lide envolvendo auto de infração lavrado pelo IBAMA em decorrência de ação de fiscalização realizado em imóvel que era de propriedade do autor, posteriormente doado aos filhos, imputando-se ao autuado a conduta de “fazer funcionar serviço potencialmente poluidor através de draga marítima sem licença ou autorização da autoridade ambiental competente”, na forma dos artigos 70 c/c 60 da Lei Federal nº 9.605/98, e artigos 6º do Decreto Federal nº 7661/88 e 44 do Decreto Federal nº 3179/99.
2. Remessa necessária e apelação cível do IBAMA em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido do autor, declarando a prescrição da punibilidade e a nulidade do AI e do processo administrativo.
3. No que tange ao prazo prescricional suscitado, impõe-se destacar que o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, é regulado pela Lei n.º 9.873/99.
4. Constata-se que a conduta imputada também constitui crime, previsto na Lei de Crimes Ambientais, cuja pena prevista é de detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente (art. 60 da Lei n. 9.605/98), tendo sido inclusive ajuizada ação penal, a qual resultou em aceitação de proposta de suspensão condicional do processo e a consequente extinção da punibilidade do então réu, conforme informações prestadas pelo próprio IBAMA.
5. Aplicável o disposto no § 2º do art. 1º da Lei n.º 9.873/99, segundo o qual “quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal”, ressaltando-se que a norma legal não excepciona os prazos prescricionais menores que 5 anos.
6. O prazo prescricional aplicável, considerando-se a pena máxima prevista para o crime (de 1 a 6 meses), é de 2 anos, na forma da redação anterior do art. 109, VI, do Código Penal, vigente à época dos fatos, e não o prazo quinquenal, como pretende o apelante.
7. O artigo 2º da Lei n.º 9.873/99 elenca os atos de interrupção do prazo prescricional. Ocorrido um deles, o prazo recomeçará a correr na sua integralidade, independentemente do quanto já tenha transcorrido. Devemos observar que os referidos atos interruptivos constituem verdadeira sucessão cronológica de atos não repetíveis e nem substituíveis, o que significa dizer que cada ato acima descrito só pode ocorrer uma única vez e em momento determinado.
8. Observa-se que o prazo prescricional de 2 anos foi interrompido com a notificação do autuado, em 19.7.2007, recomeçando em 20.7.2007, o qual já havia transcorrido quando da decisão administrativa 1 recorrível, em 3.4.2012, que poderia interrompê-lo novamente, restando, portanto, prescrita a pretensão punitiva.
9. Ainda que assim não fosse, houve o transcurso de mais de 2 anos entre a decisão condenatória recorrível, de 3.4.2012, e a conclusão do processo administrativo, ocorrida em 23.7.2015, com a notificação do autuado da decisão e para pagamento da dívida, sendo inequívoca a consumação da prescrição da pretensão punitiva, nos termos dos artigos 1º, § 2º, da Lei nº 9.873/99.
10. Remessa necessária e apelação não providas. (TRF-2 – APELREEX: 00894011620154025101 RJ 0089401-16.2015.4.02.5101, Relator: MARCELO PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 25/09/2019, 8ª TURMA ESPECIALIZADA)
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa necessária e recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS (IBAMA) contra a sentença de fls. 906/910, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro em ação pelo procedimento comum, a qual julgou parcialmente procedente o pedido formulado por JONAS BATISTA DA SILVA, “declarando a prescrição da punibilidade e a nulidade do AI nº 527069-D e do processo administrativo nº 02022.002291/2007-22”.
No pedido inicial, narrou o autor que, em decorrência de ação de fiscalização pelo IBAMA em 5.7.2007 em imóvel que era de sua propriedade, posteriormente doado aos filhos, foi lavrado o Auto de Infração n. 527069-D, em 19.7.2007, imputando-se ao autuado a conduta de “fazer funcionar serviço potencialmente poluidor através de draga marítima sem licença ou autorização da autoridade ambiental competente”, na forma dos artigos 70 c/c 60 da Lei Federal nº 9.605/98, e artigos 6º do Decreto Federal nº 7661/88 e 44 do Decreto Federal nº 3179/99.
Alegou, em síntese, que “o suposto ato ilegal também é tipificado como crime, uma vez que tal conduta foi enquadrada no artigo 60 da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/98), a prescrição será regida pela legislação penal”, conforme disposto no art. 1º, § 2º, da Lei n. 9.873/99, aplicando-se, portanto, o prazo prescricional de 2 anos (art. 109, VI, do Código Penal).
Assim, interrompido o prazo prescricional com a lavratura do auto de infração e notificação do autuado em 19.7.2007, esse recomeçou a fluir em 20.7.2007, expirando em 20.7.2009.
Sustentou que “a decisão definitiva da ação punitiva que ocorreu em 27.05.2014 e informada ao Autor em 31.07.2015 não pode ter os seus efeitos aplicados em decorrência de já terem passados mais de 2 anos entre a data do AI e a notificação da decisão condenatória, incidindo, portanto, no presente caso, o instituto da prescrição da pretensão punitiva, eis que transcorrido o lastro prescricional legal”.
Defendeu, outrossim, a violação à ampla defesa e o contraditório, a incompetência do IBAMA para a lavratura do auto de infração, a ausência de prévia advertência da infração e a desproporcionalidade da multa aplicada, requerendo a declaração de nulidade do ato administrativo em questão.
Em razões recursais, aduz a parte apelante, relativamente à regra prevista no § 2º do art. 1º da Lei n. 9.873/99, “que uma mesma conduta somente se revestirá da caracterização de infração administrativa e penal quando demonstrar um maior grau de censurabilidade social e ambiental, ou seja, quando a conduta for mais grave”, e que “somente será aplicado o § 2º quando o resultado implicar numa situação mais gravosa para o administrado, ou seja, quando a utilização do prazo prescricional criminal importar num prazo maior para a Administração concluir a consolidação da sanção. Isso porque não se afigura razoável que o autuado seja privilegiado com um prazo mais curto quando a sua conduta, na realidade, é mais gravosa”.
Assim, entende que o prazo prescricional aplicável à hipótese é de 5 anos, considerando que, na pior das hipóteses, a decisão condenatória recorrível se deu em 3.4.2012.
Outrossim, alega que “mesmo que se considere o equivocado prazo de 2 (dois) anos para prescrição da pretensão punitiva, deve-se ressaltar que o processo administrativo se desenvolveu regularmente, não ficando paralisado por mais de (três) anos, tendo portanto ocorrido sucessivas interrupções do prazo decadencial, com base no artigo 2º, II, da Lei 9.873/99”.
Contrarrazões às fls. 926/933. Subiram os autos com as razões de recurso e para o reexame necessário da sentença.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (fls. 939/945). É o relatório. Peço dia para julgamento.
VOTO
Consoante relatado, trata-se de remessa necessária e recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS (IBAMA) contra a sentença de fls. 906/910, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro em ação pelo procedimento comum, a qual julgou parcialmente procedente o pedido formulado por JONAS, “declarando a prescrição da punibilidade e a nulidade do AI nº 527069-D e do processo administrativo nº 02022.002291/2007-22”.
Versa o pedido originário sobre o Auto de Infração n. 527069-D lavrado pelo IBAMA em 19.7.2007 em decorrência de ação de fiscalização realizado em 5.7.2007 em imóvel que era de propriedade do autor, posteriormente doado aos filhos, imputando-se ao autuado a conduta de “fazer funcionar serviço potencialmente poluidor através de draga marítima sem licença ou autorização da autoridade ambiental competente”, na forma dos artigos 70 c/c 60 da Lei Federal nº 9.605/98, e artigos 6º do Decreto Federal nº 7661/88 e 44 do Decreto Federal nº 3179/99.
Aduziu o autor, em sua inicial, a prescrição da pretensão punitiva do IBAMA, além da nulidade do auto de infração.
A ré, em sua apelação, alega, em síntese, que o disposto no § 2º do art. 1º da Lei n. 9.873/99 somente é aplicável quando o prazo prescricional criminal importar num prazo maior para a Administração, o que não ocorre na hipótese, em que seria reduzido, razão pela qual deve-se considerar o prazo prescricional quinquenal.
Outrossim, defende que, ainda que se considere o prazo de 2 anos, houve sucessivas interrupções do prazo decadencial, não tendo o processo administrativo ficado paralisado por mais de 3 anos.
No que tange ao prazo prescricional suscitado, impõe-se destacar que o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, é regulado pela Lei n.º 9.873/99, nos seguintes termos:
Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício
ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
§2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Art. 1º-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.
Ao ser cometida a infração administrativa surge, primeiramente, o próprio direito de punir da Administração Pública, que, a partir de então terá o dever de apurar o ocorrido através do processo administrativo, em que será garantido o contraditório e a ampla defesa. Nesse período estará em curso o prazo da prescrição da pretensão punitiva.
No caso em apreço, foi imputada ao autuado a conduta de “fazer funcionar serviço potencialmente poluidor através de draga marítima sem licença ou autorização da autoridade ambiental competente”, na forma dos artigos 70 c/c 60 da Lei Federal nº 9.605/98, art. 6º da Lei n. 7.661/88 e art. 44 do Decreto n. 3.179/99, conforme auto de infração n. 527069, lavrado em 19.7.2007, restando o autuado notificado na oportunidade (fls. 34/35).
Constata-se que a conduta imputada também constitui crime, previsto na Lei de Crimes Ambientais, cuja pena prevista é de detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente (art. 60 da Lei n. 9.605/98), tendo sido inclusive ajuizada ação penal (processo n. 0000739-71.2007.4.02.5161), a qual resultou em aceitação de proposta de suspensão condicional do processo e a consequente extinção da punibilidade do então réu, conforme informações prestadas pelo próprio IBAMA.
Nesse contexto, aplicável o disposto no § 2º do art. 1º da Lei n.º 9.873/99, segundo o qual “quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal”, ressaltando-se que a norma legal não excepciona os prazos prescricionais menores que 5 anos.
Assim, o prazo prescricional aplicável, considerando-se a pena máxima prevista para o crime (de 1 a 6 meses), é de 2 anos, na forma da redação anterior do art. 109, VI, do Código Penal, vigente à época dos fatos, e não o prazo quinquenal, como pretende o apelante.
Ainda, o artigo 2º da Lei n.º 9.873/99 elenca os atos de interrupção do prazo prescricional:
Art. 2º Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III – pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
Ocorrido um deles, o prazo recomeçará a correr na sua integralidade, independentemente do quanto já tenha transcorrido.
Devemos observar que os referidos atos interruptivos constituem verdadeira sucessão cronológica de atos não repetíveis e nem substituíveis, o que significa dizer que cada ato acima descrito só pode ocorrer uma única vez e em momento determinado.
No caso dos autos, conforme cópia do processo administrativo acostada, o auto de infração foi lavrado em 19.7.2007, sendo promovida a notificação da indiciada na mesma data, a qual apresentou defesa em 8.10.2007 (fls. 90/104).
Em 25.9.2008 foi emitido parecer (fls. 128/130), havendo posterior análise de reincidência e novo parecer técnico às fls. 176/182, de 8.6.2011, sendo intimado o autuado para alegações finais. Em 3.4.2012, foi proferida decisão mantendo a sanção aplicada (fl. 192).
Em 22.10.2012, foi interposto recurso administrativo (fls. 212/258), julgado improcedente em decisao de 27.5.2014 (fl. 330), sendo o autuado notificado da decisão e para pagamento da multa em 23.7.2015 (fl. 389).
Diante dos fatos descritos, observa-se que o prazo prescricional de 2 anos foi interrompido com a notificação do autuado, em 19.7.2007, recomeçando em 20.7.2007, o qual já havia transcorrido quando da decisão administrativa recorrível, em 3.4.2012, que poderia interrompê-lo novamente, restando, portanto, prescrita a pretensão punitiva.
Ainda que assim não fosse, houve o transcurso de mais de 2 anos entre a decisão condenatória recorrível, de 3.4.2012, e a conclusão do processo administrativo, ocorrida em 23.7.2015, com a notificação do autuado da decisão e para pagamento da dívida, sendo inequívoca a consumação da prescrição da pretensão punitiva, nos termos dos artigos 1º, § 2º, da Lei nº 9.873/99.
Esse entendimento busca preservar ainda um dos princípios norteadores da atuação administrativa, qual seja, o da eficiência, além de proporcionar maior segurança jurídica aos administrados sujeitos ao poder administrativo sancionador.
Até porque, de forma similar ao que ocorre no direito penal, cometido o ilícito surge a pretensão punitiva e, por consequência, surge a possibilidade de sobre ela incidir a prescrição, principalmente para que o infrator não fique indefinidamente sob a ameaça da imposição de uma medida que irá em desfavor dos seus interesses.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à remessa necessária e à apelação.
É como voto.