PENAL E PROCESSUAL. CRIME AMBIENTAL. CONSTRUÇÕES REALIZADAS DENTRO DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DE CARIJÓS. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL. ABRANGÊNCIA DO TERMO ‘CONTRUÇAO’. ENQUADRAMENTO JURÍDICO. ART. 64 DA LEI 9.605/98. ARTS. 40 E 48 DA LEI 9.605/98. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. TRANSAÇÃO PENAL OU SUSPENSÃO DO PROCESSO. ARTS. 76 E 89 DA LEI 9.099/95. POSSIBILIDADE. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA MANIFESTAÇÃO DO MPF.
1. A construção em solo não edificável – ou seja dentro de Unidade de Conservação ESEC de Carijós -, sem autorização da autoridade competente, amolda-se exatamente ao tipo penal previsto no art. 64 da Lei 9.605/98.
2. O termo “construir”, elementar do tipo previsto no art. 64 da Lei 9.605/98, abrange não apenas edificações, como também reformas, ampliações, beneficiamentos (etc.) em construções já existentes, bem como o aterramento.
3. Os alegados danos causados à Unidade de Conservação foram apenas etapa inicial à concretização da conduta pretendida, de modo que se dá a absorção do crime-meio do art. 40 da Lei 9.605/98 pelo crime-fim de edificação proibida. Precedentes.
4. O impedimento da regeneração natural da vegetação configura mero exaurimento, na medida em que se trata do consequente e natural aproveitamento da própria construção, razão pela qual o crime do art. 48 da Lei 9.605/98 constitui pós-fato impunível do crime-fim de edificação proibida. Precedentes.
5. Hipótese de reclassificação dos fatos atribuídos ao réu apenas para o crime disposto no art. 64 da Lei 9.605/98.
6. Havendo absolvição, desclassificação ou afastamento de um dos delitos imputados ao agente em concurso formal ou material, mostra-se necessária a reavaliação da aplicabilidade dos benefícios processuais previstos na Lei 9.099/95.
7. Cabível, portanto, a remessa dos autos à instância de origem para que o Ministério Público Federal se manifeste quanto às previsões contidas nos arts. 76 e 89 da Lei 9.099/95, restando prejudicado, por ora, o restante do exame do mérito do apelo.
(TRF4, ACR 5021781-45.2018.4.04.7200, SÉTIMA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 16/12/2020).
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra um morador de Jurerê, em Florianópolis, imputando-lhe os crimes ambientais previstos no art. 40, caput, e do art. 48, ambos da Lei 9.605/98 por dano ambiental na ESEC Carijós.
Segundo Ministério Público Federal – MPF o acusado:
Promoveu, sem autorização das autoridades competentes e dentro da área delimitada de unidade de conservação federal de proteção integral, a construção de uma casa de alvenaria com aproximadamente 261 m², em terreno de marinha caracterizado como solo não edificável, inclusive com a derrubada de árvores, causando danos diretos à Estação Ecológica Carijós — ESEC Carijós, e às áreas de preservação permanente por ela protegidas.
Após instrução processual, o magistrado da 6ª Vara Federal de Florianópolis proferiu sentença condenando o acusado por ofensa aos artigos 40 e 48 da Lei nº 9.605/98, a 01 (um) ano de reclusão e 06 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto.
Inconformado, o acusado recorreu ao TRF4, que desclassificou os crimes do artigos 40 e 48 da Lei 9.605/98 para o único crime ambiental do art. 64 da Lei 9.605/98, por força do princípio da consunção, conforme já explicamos aqui no site.
Diante disso, o TRF4 determinou a remessa dos autos à instância de origem em Florianópolis para que o Ministério Público Federal oferte proposta de transação penal ou suspensão do processo, porquanto a pena para o crime ambiental do art. 64 da Lei nº 9.605/98, é de 06 (seis) meses a 01 (um) ano de detenção.
VOTO
Antes de adentrar no exame do mérito, bem como das teses defensivas trazidas em sede de apelo, cabe tecer algumas considerações acerca do enquadramento jurídico a ser dado aos fatos em apreço.
Narra a denúncia que, a partir de novembro de 2017, em terreno localizado […] Bairro Jurerê, em Florianópolis/SC, o [acusado]
promoveu, sem autorização das autoridades competentes e dentro da área delimitada de unidade de conservação federal de proteção integral, a construção de edícula de alvenaria com aproximadamente 261 m², em terreno de marinha caracterizado como solo não edificável, inclusive com a derrubada de árvores, causando danos diretos à Estação Ecológica Carijós — ESEC Carijós, e às áreas de preservação permanente por ela protegidas. Por ocasião da fiscalização realizada pelo ICMBio, houve a demolição parcial da obra construída.
Ainda na peça acusatória, após apresentar detalhes da fiscalização e dos fatos, o MPF conclui que, ao promover a construção/intervenção lesiva no interior da ESEC Carijós, o denunciado praticou o crime do art. 40, caput, da Lei nº 9.605/98.
E, ao manter aterro, construções e camada de brita sobre a área, o denunciado vem impedindo, de forma permanente, a regeneração natural da vegetação nativa e o cumprimento de suas funções ecossistêmicas, praticando, assim, a conduta tipificada no art. 48 da Lei nº 9.605/98.
Acolhendo a capitulação jurídica indicada pelo órgão acusador, o julgador sentenciante condenou [o acusado] como incurso nas sanções dos arts. 40 e 48 da Lei 9.605/98 (praticados na forma do art. 69 do CP), os quais apresentam a seguinte redação:
Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:
Pena – reclusão, de um a cinco anos. (…)
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Ocorre que, como se vê da narrativa e do exame perfunctório dos acontecimentos, a finalidade da ação promovida pelo réu era exclusivamente a realização da obra.
E tenho que a construção em solo não edificável (ou seja dentro de Unidade de Conservação ESEC Carijós), sem autorização da autoridade competente, em verdade se amolda exatamente ao tipo penal previsto no art. 64 da Lei 9.605/98, que assim prevê:
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida.
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
A propósito, de acordo com Hely Lopes Meirelles, entende-se por construção:
Toda realização material e intencional do homem, visando a adaptar o imóvel às suas conveniências. Nesse sentido tanto é construção a edificação ou a reforma, como a demolição, o muramento, a escavação, o aterro, a pintura e demais trabalhos destinados a beneficiar, tapar, desobstruir, conservar ou embelezar o prédio.’ (FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 245).
Também a jurisprudência pátria entende que reformas e ampliações de edificações já existentes, bem como o aterramento são espécies de “construção”, estando englobadas, portanto, no tipo penal em comento. Nessa linha:
APELAÇÃO CRIMINAL. CONSTRUÇÃO EM SOLO NÃO EDIFICÁVEL. ARTIGO 64 DA LEI Nº 9.605/98. ABRANGÊNCIA DO TERMO ‘CONSTRUÇÃO’. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO QUANTO À APLICAÇÃO DA PENA. Autoria e materialidade comprovadas.
No conceito de ‘construção’ cabem atividades como edificação, reforma, demolição, muramento, escavação, aterro, pintura e outros trabalhos destinados a beneficiar ou conservar o prédio.
A substituição da pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade – consistente na demolição do prédio e replantio da vegetação local – demonstra a observância da legislação atinente à matéria, cuja principal finalidade é a reconstituição do status ambiental anterior ao delito. Apelação parcialmente provida. (TRF4, ACR 2002.72.07.008763-8, Sétima Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJ 11/01/2006)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS. ARTS. 63 E 64. CONCURSO APARENTE DE NORMAS. CONDENAÇÃO À PENA INFERIOR A UM ANO. PRESCRIÇÃO. PRAZO PENAL. CONTAGEM EM ANOS. TERMOS INICIAL E FINAL. ARTIGO 10 DO CP.
1. Na linha dos julgados nesta Corte, para a configuração da conduta descrita no artigo 63 da Lei 9.605/98 é necessária a presença da elementar ‘alteração do aspecto paisagístico’, o que não se verifica na espécie.
Hipótese em que demonstrada apenas a construção/ampliação irregular de residência já existente em solo não-edificável. Incidência do art. 64 da Lei 9605/98. (…) (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2005.72.08.005258-0, 7ª Turma, Des. Federal Tadaaqui Hirose, D.E. 29/11/2007).
PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 64 DA LEI AMBIENTAL. PROMOVER ATERRO. CANALIZAÇÃO DE CURSO D’ÁGUA. CRIME ÚNICO DE CONSTRUIR EM LOCAL NÃO EDIFICÁVEL.
1. Aterrar também é uma forma de “promover construção”, nos termos do artigo 64 da Lei n. 9.605/1998.
2. Sendo obra construtiva, ainda que não destinada à habitação, incide tão somente o crime-fim do art. 64 da Lei 9.605/98. (TRF4 5000346-69.2010.4.04.7208, SÉTIMA TURMA, Relator NÉFI CORDEIRO, juntado aos autos em 17/02/2011)
Assim, entendo que os fatos narrados – inclusive se acolhida a tese defensiva que alega ter se tratado de mera reforma em edificações já existentes – se subsumem ao tipo penal do art. 64 da Lei Ambiental.
Já os tipos legais dos arts 40 e 48 da Lei nº 9.605/98 devem ser absorvidos pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98, por estarem integrados no iter criminis desse último, não se constituindo em condutas autônomas.
Com efeito, os alegados danos causados à Unidade de Conservação ESEC Carijós foram apenas etapa inicial à concretização da conduta pretendida, de modo que se dá a absorção do crime-meio do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo crime-fim de edificação proibida.
Por outro lado, o impedimento da regeneração natural da vegetação configura mero exaurimento, na medida em que se trata do consequente e natural aproveitamento da própria construção, razão pela qual o crime do art. 48 da Lei nº 9.605/98 constitui pós-fato impunível do crime-fim de edificação proibida.
Nesse sentido, vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98.CONSUNÇÃO. ABSORVIDO O CRIME MEIO DE DESTRUIR FLORESTA E O PÓS-FATO IMPUNÍVEL DE IMPEDIR SUA REGENERAÇÃO. CRIME ÚNICO DE CONSTRUIR EM LOCAL NÃO EDIFICÁVEL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável.
2. O crime de destruir floresta nativa e vegetação protetora de mangues dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir casa ou outra edificação em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida.
3. Dá-se tipo penal único de incidência final (art. 64 da Lei n. 9.605/98), já em tese crime uno, diferenciando-se do concurso formal, onde o crime em tese é duplo, mas ocasionalmente praticado por ação e desígnio únicos. 4. Recurso especial improvido. (STJ REsp 1639723/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 16/02/2017) (grifei)
No julgamento do Recurso Especial referido, o relator Min. Nefi Cordeiro destacou que:
“diversamente do posicionamento fixado em alguns precedentes do STJ (AgRg no REsp 1.214.052-SC, Sexta Turma, DJe 12/3/2013 e REsp 1.125.374-SC, Quinta Turma, DJe 17/8/2011), a Sexta Turma passa a adotar nova orientação, no sentido de que a suposta destruição da vegetação nativa é mera etapa inicial do único crime pretendido e realizado de construir em local não edificável (área de preservação permanente). Com efeito o crime de destruir floresta nativa dá-se como meio da realização do único intento de construir em local não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida.
Na mesma linha, o delito de impedir a regeneração natural da flora dá-se como mero gozo da construção, em evidente pós-fato impunível. Aquele que constrói uma edificação, claramente não poderá permitir que dentro daquela venha a nascer uma floresta. É mero exaurimento do crime de construção indevida, pelo aproveitamento natural da coisa construída.
Saliente-se que o conflito aparente de normas ocorre quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável.
Na hipótese, não há ação autônoma de destruir floresta ou de impedir sua regeneração, mas tão somente o ato de construir em local proibido, que tem na destruição condição necessária para a obra e no impedimento à regeneração mero gozo da edificação.
Outra diferenciação importante dá-se entre o conflito aparente de normas, em que o crime já é em tese uno, e o concurso formal, onde o crime em tese é duplo, mas ocasionalmente praticado por ação e desígnio únicos.
Aquele que constrói casa ou outra edificação em local onde havia floresta ou mangue jamais praticará crime dúplice (caso de concurso aparente de normas), diferentemente daquele que acerta seu inimigo com um tiro de fuzil e vê o projétil transpassar atingindo outra pessoa, pois neste caso houve o crime duplo que ocasionalmente, por ficção legal decorrente do único intento, é tratado como um crime só (com pena do crime mais grave, majorada).
Na construção em local de floresta não há dois crimes com único intento (hipótese de concurso formal), mas apenas um crime praticado.
Tampouco é caso de concurso material, pois então os crimes precisariam ser autônomos – com que não se concorda, pelo conflito aparente de normas – e com desígnios independentes (excluindo também o concurso formal perfeito).
Dessa forma, descartada a possibilidade da configuração do concurso material entre os delitos tipificados nos artigos 48 e 64 da Lei n. 9.605/1998, correta é a desclassificação para o único crime do art. 64 da lei ambiental.” (grifei)
Igualmente, a jurisprudência desse TRF4 é assente pela absorção das demais condutas pelo delito do art. 64 da Lei nº 9.605/98 em casos similares ao presente:
DIREITO PENAL. CRIMES AMBIENTAIS DA LEI 9.605/98. ARTIGOS 40, 48 E 64 DA LEI 9.605/98. CONCURSO APARENTE DE NORMAS. ÚNICA CONDUTA DELITIVA DO ARTIGO 64. VIOLAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CRIME CARACTERIZADO.
1. A construção de residência em local especialmente protegido (mata ciliar), dentro de Unidade de Conservação Federal. Os crimes previstos nos art. 40 e 48 da Lei 9.605/98 ocorrem no desiderato da prática do delito do art. 64 do mesmo diploma, não sendo possível reconhecer, na hipótese específica, a prática delituosa de três tipos penais distintos.
2. A construção de residência em área de preservação permanente (mata ciliar), não respeitados os limites definidos pelo Código Florestal, caracteriza a prática do crime do art. 64 da Lei 9.605/98. (TRF4, ACR 5010166-97.2014.4.04.7200, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 11/01/2018)
PENAL. ARTS. 38, 48 E 64 DA LEI Nº 9.605/98. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NÃO IMPLEMENTADA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INCIDÊNCIA. DOLO NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO. NULIDADE NÃO RECONHECIDA, DIANTE DA SOLUÇÃO CONFERIDA AO FEITO.
1. Prescrição da pretensão punitiva com base na pena concretizada não implementada, visto que não decorrido o prazo de 3 anos entre os marcos interruptivos.
2. Cabível a aplicação do princípio da consunção nas hipóteses em que a conduta de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente consistir em meio necessário à construção em solo não edificável ou no seu entorno, tipificada no art. 64 da Lei nº 9.605/98, delito que absorve, ainda, aquele previsto no art. 48 da Lei nº 9.605/98, que configura pós-fato impunível.
3. Tratando-se de área com anterior ocupação humana, contando com construções mais antigas e fornecimento de serviços públicos básicos, viável o reconhecimento de que o agente não agiu com consciência e vontade de praticar o delito tipificado no art. 64 da Lei nº 9.605/98.
4. Tendo em conta a solução conferida ao feito, não se reconhece eventual nulidade em função da ausência de oportunização do contraditório quando da apreciação dos embargos declaratórios opostos pela acusação na primeira instância. Aplicação do art. 282, §2º, do novo Código de Processo Civil e do art. 563 do Código de Processo Penal.
5. Concessão de ordem de habeas corpus, de ofício, para reconhecer a absorção do delito tipificado no art. 48 pelo crime previsto no art. 64 da Lei nº 9.605/98. Apelação do MPF desprovida. Apelação defensiva provida. Absolvição com base no art. 386, III, do CPP. (TRF4, ACR 5001016-92.2014.4.04.7200, OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 27/03/2017)
PENAL. EDIFICAÇÃO EM LOCAL PROIBIDO E IMPEDIMENTO DA REGENERAÇÃO NATURAL DA VEGETAÇÃO. ARTIGOS 48 E 64 DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. CONFLITO APARENTE. ALEGAÇÃO DA PRÁTICA DE DOIS CRIMES. IMPROCEDÊNCIA. IMPEDIMENTO DA REGENERAÇÃO COMO MERO EXAURIMENTO DO ATO DE EDIFICAR. AUSÊNCIA DE AUTONOMIA DA CONDUTA.PERMANÊNCIA DO DELITO DO ART. 48. IMPROCEDÊNCIA.CIRCUNSTÂNCIAS DE COMETIMENTO QUE IMPOSSIBILITAM A CONSIDERAÇÃO DA PERMANÊNCIA. TEMPO DO CRIME. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL À ÉPOCA DOS FATOS. PRESCRIÇÃO.
1. Correta a desclassificação da conduta imputada como infratora ao art. 48 para o art. 64 da lei de crimes ambientais. Mesmo que a denúncia tivesse imputado ao acusado ambos os tipos, seria imperiosa a aplicação do princípio da consunção, por ser o impedimento da regeneração da vegetação condição inafastável do cometimento do delito da edificação irregular, não havendo condutas distintas e autônomas, o que caracteriza o crime único.
2. Não é possível, afastado o art. 64 em razão da ausência de previsão legal à época dos fatos, promover a persecução de forma isolada em relação ao delito do art. 48,por não ser possível distinguir a conduta em dois crimes autônomos.
3. Mesmo que se considerasse viável a persecução em relação ao art. 48, por haver contravenção penal correspondente a este no antigo código florestal, tal contravenção já estaria prescrita, uma vez que, diante das circunstâncias do caso concreto, não se pode considerar o fato como crime permanente.
4. Apelação criminal desprovida. (TRF4, ACR 2005.72.00.001701-6, OITAVA TURMA,Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, D.E. 22/05/2014) (grifei)
Aliás, não é a primeira vez que este Tribunal se depara com processos decorrentes de ação fiscalizatória do ICMBio justamente na ESEC Carijós, em razão de fatos semelhantes ao que se examina no presente feito.
Naqueles, as Turmas Criminais deste TRF4 vêm adotando o posicionamento de que a correta classificação jurídica das construções realizadas dentro da Unidade de Conservação ESEC Carijós é o crime disposto no art. 64 da Lei 9.605/98. É o que se depreende dos recentes julgados, cuja ementa transcrevo abaixo:
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ARTIGOS 40 E 48 DA LEI 9.605/98. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO DELITIVO DO ARTIGO 64 DA LEI 9.605/98. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. FATO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 12.234/2010. PRESCRIÇÃO RETROATIVA PELA PENA MÁXIMA PREVISTA EM ABSTRATO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 107, IV, C/C O ART. 109, V, ART. 110, §§ 1º E 2º, TODOS DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 12.234/2010.
1. As condutas de causar dano a Unidade de Conservação e de impedir ou dificultar a regeneração da vegetação, previstas nos artigos 40 e 48 da Lei nº 9.605/98, decorreram unicamente da construção erguida em solo não edificável, tipo delitivo do artigo 64 da Lei nº 9.605/98, impondo a absorção do crime-meio e do pós-fato impunível pelo crime-fim de edificação proibida.
2. A pena máxima em abstrato para o delito do art. 64 da Lei nº 9.605/98 é de um ano de detenção, que atrai o prazo prescricional de quatro anos (art. 109, inciso V, do Código Penal). Considerando que o fato ocorreu até 2007, sendo a denúncia recebida apenas 2018, verifica-se o transcurso do lapso prescricional entre os referidos marcos interruptivos. Logo, impõe-se a declaração de extinção da punibilidade do apelante, nos termos do art. 107, IV, c/c o art. 109, V, art. 110, §§ 1º e 2º, todos do Código Penal, na redação anterior à Lei nº 12.234/2010.
3. Acolhida a preliminar defensiva pela extinção da punibilidade do apelante, resta prejudicada a análise das demais teses recursais. (TRF4, ACR 5007491-25.2018.4.04.7200, SÉTIMA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, juntado aos autos em 05/05/2020)
PENAL. PROCESSO PENAL. EMENDATIO LIBELLI. APLICAÇÃO EM MOMENTO ANTERIOR À SENTENÇA. POSSIBILIDADE. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 40, 48 E 64 DA LEI 9.605/98. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE.
1. A conduta de impedir ou dificultar a regeneração da vegetação, ou de causar dano a Unidade de Conservação, decorre unicamente da construção erguida em solo não edificável, em razão do que incide a absorção do crime-meio e do pós-fato impunível pelo crime-fim de edificação proibida.
2. Possível a emendatio libelli quando do recebimento da denúncia, quando a modificação se fizer necessária para beneficiar o réu e para permitir a correta fixação da competência ou do procedimento a ser adotado. (TRF4 5009595-87.2018.4.04.7200, SÉTIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 16/05/2019)
E, ainda: TRF4, ACR 5007538-96.2018.4.04.7200, OITAVA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 23/07/2020.
Assim, até mesmo para fins de isonomia, faz-se necessária a recapitulação dos fatos.
Cabe pontuar que a denúncia descreveu expressamente a construção em solo não edificável, sem autorização da autoridade competente, de modo que, constando na peça acusatória as elementares do dispositivo em comento, mostra-se possível a reclassificação jurídica, sem que haja ofensa ao princípio da correlação.
Destaco que se trata de aplicação do instituto da emendatio libelli, previsto no art. 383 do CPP, que ocorre quando a peça acusatória, descrevendo as circunstâncias concretas de determinado crime, atribui-lhe classificação diversa.
A propósito, é firme o entendimento de que:
Pode o julgador (inclusive em sede de segundo grau, desde que não importe em reformatio in pejus) enquadrar a conduta em dispositivos penais diversos dos apontados na peça acusatória com a finalidade de corrigir o libelo (emendatio libelli), uma vez que o réu defende-se dos fatos narrados e não da definição jurídica dada pela denúncia. (TRF4, ACR 0001802-77.2007.404.7004, Sétima Turma, Relator p/ Acórdão Néfi Cordeiro, D.E. 17/05/2012).
Diante do exposto, promovo a reclassificação dos fatos atribuídos a [acusado] para o crime disposto no art. 64 da Lei nº 9.605/98.
Há sólido entendimento jurisprudencial no sentido de que, em havendo absolvição, desclassificação ou afastamento de um dos delitos imputados ao agente em concurso formal ou material, mostra-se necessária a reavaliação da aplicabilidade dos benefícios processuais previstos na Lei nº 9.099/95. Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO.
1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal.
RECEPTAÇÃO E DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR EM VIA PÚBLICA SEM A DEVIDA PERMISSÃO OU HABILITAÇÃO. ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO ESPECIAL E ABERTURA DE VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA SE MANIFESTAR SOBRE A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS PREVISTOS NA LEI 9.099/1995. NULIDADE. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. Absolvido o réu de parte das imputações que lhe foram feitas ou desclassificada a conduta que lhe foi imputada, e sendo cabível o oferecimento dos benefícios previstos na Lei 9.099/1995, cumpre ao magistrado abrir vista dos autos ao Ministério Público, a fim de que sobre eles se manifeste. Enunciado 337 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
2. Na espécie, embora o magistrado singular tenha absolvido o acusado da prática do crime de receptação, condenou-o diretamente pela prática do crime de trânsito, deixando de remeter os autos ao Juizado Especial para que o Ministério Público se pronunciasse sobre a possibilidade de oferecimento dos benefícios da Lei 9.099/1995, procedimento que não se coaduna com a compreensão firmada neste Superior Tribunal de Justiça, impondo-se, assim, a anulação do édito repressivo. Precedente.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para anular a sentença condenatória, determinando-se a remessa dos autos ao Ministério Público, para que se manifeste sobre a possibilidade de oferecimento dos benefícios previstos na Lei 9.099/1995 ao paciente.
(HC 427.858/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 19/12/2018)
Idêntico entendimento vem sendo adotado pelas Turmas Criminais deste TRF4, conforme demonstram os seguintes julgados:
PENAL E PROCESSO PENAL. CONCURSO DE CRIMES. ABSOLVIÇÃO DE UM DOS DELITOS IMPUTADOS. CRIME DO ART. 342 DO CÓDIGO PENAL. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ARTIGO 89 DA LEI 9.099/95. SÚMULA 337 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. Havendo absolvição, desclassificação ou afastamento de um dos delitos imputados ao agente em concurso formal ou material, mostra-se necessária a reavaliação da aplicabilidade dos benefícios processuais previstos na Lei 9.099/95.
2. Remanescendo apenas o delito do art. 342 do Código Penal, cuja pena em abstrato é de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, cabível a remessa dos autos à vara de origem, oportunizando ao Ministério Público o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo.
3. Apelação criminal da ré NAUTICA GRACIELA TORRES CORBO DE COTTA DE MELLO provida. Extensão, de ofício, à corré, nos termos do artigo 580 do Código de Processo Penal. Prejudicado o exame da apelação criminal remanescente. (TRF4, ACR 5010764-26.2015.4.04.7100, OITAVA TURMA, Relator DANILO PEREIRA JUNIOR, juntado aos autos em 25/01/2019)
PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VIABILIDADE. DELITO DO ART. 70 DA LEI Nº 4.117/.62. REMANESCENTE. POSSIBILIDADE DE TRANSAÇÃO PENAL OU SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.
1. É o limite de vinte mil reais, na forma do art. 2º da Portaria MF nº 75, de 22/03/2012, objetivamente indicador da insignificância para o crime de descaminho.
2. Na linha dos precedentes do STF e do STJ, a constatação de reincidência específica, reincidência genérica,ou mesmo de contumácia na prática de crimes, afasta a aplicação do princípio da insignificância.
3. Comprovado que o montante de tributos iludidos é inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e não caracterizada a contumácia na prática delitiva, impõe-se a aplicação do princípio da insignificância em relação ao delito de descaminho para que absolvidos os acusados com base no artigo 386, inciso III, do CPP.
4. Remanescendo apenas o delito do art. 70 da Lei nº 4.117/62 e verificando-se, em tese, presentes os requisitos da transação penal/suspensão condicional do processo, cabível a remessa do feito à vara de origem para que instado o Ministério Público Federal a se manifestar a respeito da proposta dos benefícios despenalizadores da Lei n.º 9.099/95. Precedentes.
5. Apelação provida em parte. (TRF4, ACR 5013434-41.2014.4.04.7110, SÉTIMA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 14/05/2018)
Especificamente em relação à suspensão condicional do processo, confira-se, ainda, o teor da Súmula nº 337 do STJ:
É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.
Na hipótese, tendo em vista a desclassificação havida no presente julgado, remanesce apenas o delito inscrito no art. 64 da Lei nº 9.605/98, que comina pena de 06 (seis) meses a 01 (um) ano de detenção, além de multa.
Registro, ainda, que o apelante, em tese, preenche os requisitos objetivos dos benefícios processuais, pois não está sendo processado, tampouco foram condenado por outro crime.
Portanto, revela-se indispensável a baixa dos autos em diligência, a fim de que se analise a possibilidade de oferta dos institutos processuais no presente caso.
Cabe referir, ademais, que, conforme tem decidido esta Corte, não é caso de anulação da sentença, mas apenas da desconstituição temporária dos efeitos do decreto condenatório, o qual voltará a subsistir na hipótese de, se por algum motivo jurídico, não ocorrer a proposta da acusação ou não ser ela aceita pelo denunciado, valendo aqui lembrar a Súmula 696 do STF, que assim dispõe:
Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.
Por fim, solicito brevidade ao juiz de primeiro grau nas providências para a audiência, diante do curso avançado do prazo prescricional, com imediato retorno caso não haja acordo.
Conclusão
Ante o exposto, voto por, de ofício, reclassificar os fatos atribuídos a [acusado] no crime do art. 64 da Lei 9.605/98 e determinar a remessa dos autos à instância de origem para que o Ministério Público Federal se manifeste quanto às previsões contidas nos arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/95, restando prejudicado, por ora, o restante do exame do mérito do apelo.