Para a tipificação do crime ambiental do art. 38 da Lei 9.605/98 é necessário que a conduta tenha sido praticada contra vegetação de “floresta” de preservação permanente, conforme entendeu o Juízo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao absolver o acusado. Lei a íntegra da sentença.
Relatório
Trata-se de ação penal que imputada ao réu a prática do crime previsto no artigo 38 da Lei 9.605/98.
Foi ofertado o benefício da suspensão condicional do processo, providenciando-se sua citação.
Todavia, por força de decisão proferida no Habeas Corpus que determinou o cumprimento do art. 396 do CPP antes do eventual oferecimento do referido benefício penal, houve a suspensão da audiência aprazada para tal.
Em 21/05/2018, a denúncia foi recebida, e o denunciado, por meio de defensor constituído, apresentou resposta à acusação.
No articulado, sustentou, em suma, a inépcia da denúncia, a nulidade da fiscalização motivada por denúncia anônima, a ausência de justa causa à persecução e a necessidade de absolvição sumária.
O Ministério Público, com vista dos autos, pugnou pelo recebimento da denúncia, bem como pela designação de audiência, a fim de que seja ofertada ao denunciado proposta de suspensão condicional do processo.
É o relatório. Decido.
Segundo a denúncia ofertada pelo Ministério Público, o réu teria praticado o crime previsto no art. 38 da Lei n. 9.605/98, unicamente porque danificou “vegetação rasteira, através do plantio de cana-de-açúcar e passagem de um carreador, a menos de 50 metros da vereda existente em sua propriedade rural”.
Sem delongas, convém reconhecer que, no presente caso, a denúncia, peça responsável por estipular as balizas da pretensão acusatória, narrou a prática de fato penalmente atípico, devendo-se estancar, desde logo, a persecução criminal.
O art. 38 da Lei n. 9.605/98 tipifica o ato de “Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção”.
Como se vê, o tipo tem como elemento integrante o vocábulo “floresta”. A conceituação de “floresta”, cumpre notar, é dotada de certa imprecisão terminológica, pelo menos no âmbito legal, de modo que se recorre à doutrina para delimitá-la, valendo citar a lição de Renato Marcão, que a traduz como “formação arbórea densa, de alto porte, que cobre área de terra mais ou menos extensa” (Crimes Ambientais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 162).
O Superior Tribunal de Justiça, na mesma esteira, já decidiu que:
“o elemento normativo ‘floresta’, constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei nº 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte” (RHC n. 63.909/CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 26/03/2019).
Nesse contexto, a jurisprudência predominante entende que a destruição de vegetação rasteira que não pode ser confundida com floresta – não configura o crime em questão.
Lembre-se, nessa seara, que, no âmbito do processo penal, não se pode admitir o uso de analogia em desfavor do réu.
Destarte, segundo o Superior Tribunal de Justiça:
“O artigo 38 da lei 9.605/98 proíbe as condutas de destruir, danificar ou utilizar com infringência das normas de proteção, vegetação cerrada, que cobre uma grande extensão de terras e é composta por árvores de grande porte, não sendo aplicável quando o dano ocorre em pequena área ou em qualquer outra espécie de vegetação (rasteira, arbustiva, etc)” (REsp n. 1919436/TO, Rel. Min. Olindo Menezes (Des. convocado), p. em 17/09/2021).
Calha invocar ainda a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que aponta para o mesmo norte:
CRIME AMBIENTAL. DESTRUIÇÃO OU DANIFICAÇÃO DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
O crime previsto no art. 38 da Lei 9.605/98 exige que a área destruída, desmatada ou utilizada em desacordo com as normas de proteção ambiental, além de se encontrar em área de preservação permanente, se trate de floresta, ainda que em formação.
Tratando-se a vegetação em questão de vegetação rasteira (gramínea nativa, típica do Bioma Cerrado), não está caracterizado o delito, tendo em vista que esta não se enquadra no conceito de “floresta” exigido pelo tipo penal, não sendo possível ampliá-lo em obediência ao princípio da legalidade estrita.
(TJMG – Apelação Criminal 1.0216.11.001946-2/001, Relator(a): Des.(a) Fernando Caldeira Brant, 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 04/10/2017, publicação da súmula em 11/10/2017).
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL – ARTIGO 38 DA LEI N.º 9.605/98 – FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – ABSOLVIÇÃO IMPOSTA.
1. Ausentes provas judicializadas a comprovar que o réu destruiu ou danificou floresta de preservação permanente, impõe-se a absolvição.
2. A supressão de vegetação rasteira em área de preservação permanente não caracteriza o delito do artigo 38 da Lei n.º 9.605/98. (TJMG Apelação Criminal 1.0071.17.003438-4/001, Relator(a): Des.(a) Dirceu Walace Baroni, 8ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 18/06/2020, publicação da súmula em 22/06/2020)
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIMES AMBIENTAIS – ART. 38 DA LEI 9.605/98 – DANOS À VEGETAÇÃO RASTEIRA – CONDUTA ATÍPICA – ART. 39 DA LEI 9.605/98 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA RECONHECIDO – ATIPICIDADE CONFIGURADA – ABSOLVIÇÕES CONFIRMADAS – RECURSO MINISTERIAL NÃO PROVIDO.
I – Supressão de vegetação rasteira não configura o crime previsto no art. 38 da Lei 9.605/98, na medida em que referido tipo penal prevê, como elemento normativo do tipo, a floresta, ainda que em formação.
II – O corte de três árvores não caracteriza o delito descrito no art. 39 da Lei de Crimes Ambientais, na medida em que não é suficiente para desestabilizar o ecossistema.
(TJMG – Apelação Criminal 1.0710.12.000234-4/001, Relator(a): Des. (a) Júlio César Lorens, 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 26/05/2020, publicação da súmula em 04/06/2020).
À luz da evidência, o único fato concreto expressamente atribuído pelo órgão acusatório ao réu na denúncia – a danificação de vegetação rasteira em área de preservação permanente -, não constitui crime ambiental.
Assim, tem-se que o Ministério Público não imputou ao réu a prática de qualquer ato subsumível à previsão abstrata do art. 38 da Lei n. 9.605/98, impondo-se a absolvição sumária do denunciado.
Ante o exposto, considerando que o fato narrado na exordial evidentemente não constitui crime, absolvo sumariamente o réu, com supedâneo no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal.