ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA COM PETRECHOS PROIBIDOS. TIPO EM BRANCO. NORMA COMPLEMENTAR. INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA N. 06/2002. AUTO DE INFRAÇÃO ANULADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. DEFERIMENTO.
Lavrado auto de infração, pelo IBAMA, em que se imputa conduta de pescar mediante a utilização de petrechos não permitidos, infração ambiental prevista no artigo 19, parágrafo único, inciso II, do Decreto 3.179/99, sujeita a multa.
A respectiva infração ambiental possui tipo em branco, na medida em que se faz necessário invocar norma complementar com o fim de se saber quais são os petrechos proibidos por lei na prática da pesca.
Na hipótese, a questão é regulamentada pela Instrução Normativa 06/2002 que, referente a utilização de rede de arrasto e tamanho da malha, disciplinou situações transitórias, com estabelecimento de diferentes níveis relativos a cada período da temporada de pesca.
A norma em exame, ainda, determinou a revisão dos parâmetros dos sistemas de pesca no ano em que a administrada foi fiscalizada. No entanto, a Administração não revisou as respectivas regras, o que gerou uma lacuna normativa no período e insegurança jurídica aos praticantes da referida atividade pesqueira
O exercício da fiscalização e punição pela Administração não prescinde da expressa autorização na lei, ao que não pode ser presumida circunstâncias de cunho restritivo ao administrado – caracterizadoras dos elementos que compõe a infração administrativa-, ou mesmo desconsiderados os limites de aplicação dos efeitos contidos na própria norma.
Manutenção da sentença que declarou a nulidade da autuação. Remessa oficial e apelação do IBAMA, conhecidas e desprovidas. Negado provimento à apelação do IBAMA e à remessa oficial. (TRF-1 – AC: 00049551020044013900, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 20/05/2019, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 31/05/2019)
RELATÓRIO
ECOMAR INDÚSTRIA DE PESCA S/A ajuizou ação objetivando a anulação de auto de infração e a restituição do pescado e os petrechos de pesca apreendidos pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA).
A multa resultante da autuação é de R$ 562.700,00 (fl. 26).
Na Cautelar n. 0004229-36.2004.4.01.3900, preparatória desta ação, foi deferida liminar, confirmada na sentença, para “nomear o representante legal da autora como fiel depositário das embarcações apreendidas, desde que já exercesse a condição de senhor ou possuidor”, e para “proibir a doação do pescado apreendido ou realização de leilão para sua venda e, ao mesmo tempo, nomear a empresa, por seu representante legal, fiel depositário do bem”. Foi negado provimento à apelação e à remessa oficial interpostas da sentença na cautelar.
Na sentença proferida nestes autos, fls. 192-201, foi julgado procedente o pedido ao fundamento de que:
a) “a autora foi autuada por pesar 56.200kg de peixes das espécies dourada, bagre, piramutaba, arraia, pescada curuça, pescada amarela, cambeua, com utilização de petrechos (rede túnel com malha de 80mm) não permitido pelo IBAMA (cf. auto de infração de fl. 26)”;
b) “produzida a prova testemunhal, o engenheiro florestal, Norberto Souza, respondendo às perguntas do procurador do IBAMA, disse, entre outras coisas, que, no momento da abordagem, os barcos não estavam pescando. Por outro lado, o servidor em questão afirmou, também, que os comandantes dos barcos admitiram utilizar rede de malha de 80mm”;
c) “a autora arrolou dois dos comandantes dos três barcos apreendidos pela fiscalização e os mesmos negaram o uso de petrechos não permitidos pelo IBAMA”;
d) “as fotografias apresentadas pelo IBAMA, também não conduzem à conclusão de que a autora usou material de pesca proibido, uma vez que as imagens não permitem concluir que as redes de pesca estavam nas embarcações apreendidas”;
e) “no sistema jurídico pátrio, quando a norma tem vigência temporária, ela tanto pode conter dispositivo expresso a respeito do período de tempo no qual terá vigência quanto pode regular situação transitória, neste caso, são conhecidas como normas temporárias tácitas, tendo em vista que regulam determinada situação que, cessada, provoca o fim da vigência da norma que deu causa.
Em razão disso, a IN 06/2002, editada pelo IBAMA, não pode ser invocada pelo réu para dispor acerca do tamanho da malha da rede de pesca usada pela autora, pois, a norma do art. 8º da citada instrução continha a seguinte disposição:
Em 2004 serão revistos os parâmetros dos sistemas de pesca estabelecidos nos arts. 4º, 5º e 6º desta Instrução Normativa. / Por seu turno, está no art. 6º da IN 06/2002, do IBAMA, a disposição que ensejou a autuação.
Confira-se: Art. 6º Na temporada de pesa de 2002, fica proibido o uso de rede de arrasto, pelas embarcações devidamente permissionadas, com malha inferior a cem milímetros, no saco túnel (medida entre ângulos opostos, da malha estaticada). / § 1º A partir da temporada de pesca de 2003, o tamanho mínimo da malha estabelecida no caput deste artigo passa a ser de cento e vinte milímetros. / § 2º As demais partes da rede de arrasto deverão ser confeccionadas com malha superior ao tamanho mínimo estabelecido para o saco túnel.
A cópia do auto de infração (fl. 26), lavrado em 26-04-2004, adota como fundamento o tamanho da malha, justamente a disposição contida no § 1º do art. 6º da IN 06/2002 do IBAMA.
A referida instrução normativa expressamente consignou que as disposições em questão seriam revistas para o ano de 2004. Decorre daí ofensa ao direito da autora, tendo em vista que é dever do Estado conduzir a vida social sob o pálio da segurança jurídica, o que não ocorre quando o ente público tem competência para regular determinada atividade, institui norma com prazo de vigência certo e, ocorrido o termo final, não edita a norma subsequente que deveria ser obedecida pelo empreendedor, ficando este na incerteza acerca da condução de sua atividade profissional, como se deu no presente caso, resultando daí a nulidade da autuação”.
Réu condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00.
O autor apela, às fls. 208-221, requerendo majoração da condenação do réu em honorários advocatícios para 20% do valor da causa, que alega ser de R$ 562.700,00.
O IBAMA apela, às fls. 226-234, alegando que:
a) “há nos autos: primeiro, prova irrefutável do uso da rede de arrasto na atividade pesqueira desenvolvida pela apelada; segundo, prova da vigência da norma que proibia aquele tipo de rede (com 80 milímetros)”;
b) “o próprio auto de infração já é prova da materialidade do ilícito, pois, conforme reconhecido na própria sentença, trata-se de ato administrativo que goza de presunção de legitimidade e veracidade”;
c) “as fotos só fazem corroborar o auto de infração, indicando claramente que as redes estavam nas embarcações da apelada. Afinal, não há razão alguma para que o juiz conclua – ou sequer suspeite – que as redes foram colocadas pelos fiscais do IBAMA ao lado dos barcos”;
d) “a malha utilizada pela apelada, de 80 milímetros, era proibida, pois inferior ao mínimo estabelecido no art. 6º, caput”; d) “a partir da temporada de 2003 [a autuação ocorreu em 26-04-2004] o mínimo legal aumentou para 120 milímetros, numa clara tendência de se permitir rede de malha cada vez maior”;
e) “se a tendência era justamente aumentar a malha, evidente que a previsão contida no art. 8º, de se rever os parâmetros para 2004, era para aumentar mais ainda – jamais diminuir”;
f) “no ano de 2004, não havia outra IN regulando a matéria. Permanecia em plena vigência a citada IN 06/2002. Aliás, tal regramento permanece vigente até hoje [13-11-2008, data da apelação]”; g) “o fato é que não houve revogação da Instrução Normativa n. 06/2002, que permanece vigente até a presente data. O art. 8º diz que serão revistos os parâmetros de 2004, mas não diz que, caso não ocorra, os arts. 4º, 5º e 6º estarão automaticamente revogados. Portanto, vigente está o tamanho mínimo em vigor desde 2003, […] de cento e vinte milímetros”;
h) “a ação fiscalizatória abordou os três barcos em frente à Ilha do Papagaio, na boca do Município de Vigia. As embarcações pesqueiras possuíam rede de arrasto com saco túnel inferior ao permitido”.
Contrarrazões da autora às fls. 236-249 e do IBAMA, às fls. 256-258. É o relatório.
VOTO
Apelação do IBAMA
O mérito desta causa foi apreciado pelo Tribunal no julgamento da apelação na Cautelar n. 004229-36.2004.4.01.3900 (2004.39.00.004228-1), preparatória da presente ação.
Confira-se o voto condutor do acórdão:
A sentença está sujeita ao reexame necessário, além de que, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço da apelação.
A sentença não deve ser reformada, ao passo que bem examinado o mérito discutido.
A autuação lavrada pelo IBAMA, na data de 26/04/2004, imputou à autora da ação a prática da conduta descrita como infração ambiental, constante do art. 19, parágrafo único, inciso II, do Decreto 3.179/99:
Art. 19. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:
Multa de R$ 700,00 (setecentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), com acréscimo de R$ 10,00 (dez reais), por quilo do produto da pescaria.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas multas, quem:
I – pescar espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;
II – pescar quantidades superiores às permitidas ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos ; e (destacado)
III – transportar, comercializar, beneficiar ou industrializar espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibida.
Evidentemente, trata-se de um tipo em branco, aquele em que se faz necessária a complementação por outra norma, no caso, com o fim de se saber quais são os aparelhos, petrechos, métodos proibidos na atividade de pesca.
No caso, a fiscalização constatou a utilização de rede túnel com malha de 80mm.
A norma que regulamenta a matéria é a Instrução Normativa n. 06/2002, do IBAMA, notadamente os artigos 6° e 8°, que dispõem:
Art. 6°. Na temporada de pesca de 2002, fica proibido o uso de rede de arrasto, pelas embarcações devidamente permissionadas, com malha inferior a cem milímetros, no saco túnel (medida entre ângulos opostos, da malha esticada).
§1° A partir da temporada de pesca de 2003, o tamanho mínimo da malha estabelecida no caputdeste artigo passa a ser de cento e vinte milímetros.
§2° As demais partes da rede de arrasto deverão ser confeccionadas com malha superior ao tamanho mínimo estabelecido para o saco túnel.
Art. 8° Em 2004 serão revistos os parâmetros dos sistemas de pesca estabelecidos nos art. 4°, 5° e 6° desta Instrução Normativa.
O IBAMA ressalta a validade da autuação, eis que a referida norma sempre esteve em vigor, e que mesmo diante do fato de não ter sido editada nova regulamentação a partir do ano de 2004, como foi determinado no art. 8°, permaneceria em vigor a exigência do mínimo estabelecido para o tamanho da malha (100mm), constante do art. 6°.
Além disso, sustenta que a intenção do legislador sempre foi permitir malhas cada vez maiores, conforme se extrairia dos dispositivos mencionados.
Acontece que a questão tem a ver com a legalidade, em que se deve nortear e pautar os atos da Administração. A norma complementar – que regulamenta a extensão do petrecho, com o fim de se definir sua proibição ou não, para efeitos de incorrer o administrado em infração ambiental – disciplina diferentes tamanhos respectivamente a cada período da atividade (ano), ou seja, trata-se de uma norma que disciplina situações transitórias.
É certo que se verifica uma tendência na adoção de malhas cada vez maiores, mas não se deve descartar a presença de uma lacuna normativa no período em que fiscalizado o autor da ação.
Não se impugna também a vigência da referida norma, mas fato é que o teor dos dispositivos de regência são expressos em limitar a exigência naquele espaço de tempo (na temporada de pesca de 2002….; a partir da temporada de pesca de 2003…). Não há margem para conferir outra interpretação, a não ser a literal.
Até se poderia cogitar que pela expressão contida no § 2°, do art. 6°, “a partir da temporada de pesca de 2003…”, a exigência permaneceria válida até ulterior e eventual alteração, porquanto a norma ainda se encontra vigente.
No entanto, a determinação de revisão dos parâmetros dos sistemas de pesca contida no art. 8° sugere que aquela exigência se limita ao ano de 2003, além de que a utilização da referida expressão adverbial no início do dispositivo se deu em função de sua edição no ano de 2002, sendo correta a flexão no tempo futuro.
Caso contrário, não haveria qualquer sentido para comando de revisão das regras no ano de 2004.
Se deveria a Administração revisar e editar novo regramento – em cumprimento a determinação contida no ato normativo (que não parece uma mera faculdade, mas imposição de um dever) -, mas não o fez, incorreu em desídia, sobre a qual o administrado não pode ser penalizado.
Mais uma vez, sublinhe-se que os atos devem ser expressos a fim de permitirem que a Administração aja, quando mais em se tratando do exercício do direito de fiscalizar e punir.
A questão, assim, pode ser vista sob dois aspectos. Por um lado, a falta de amparo normativo para configuração da infração ambiental, que pressupõe regramento expresso contido em lei, em seu sentido amplo.
Por outro, a situação em que se posiciona o administrado, ao ter ciência da norma que disciplina sua atuação profissional, a qual impõe o dever de regulamentação a partir de determinado período, sem que a Administração o faça a contento, gerando-lhe, por consequência, insegurança jurídica, que não pode ser tolerada em nosso sistema.
Isto posto, conheço da remessa oficial e da apelação, e nego-lhes provimentos.
Vê-se que a Turma já se posicionou sobre o mérito da causa.
No intuito de manter coerência com o entendimento (de mérito) do julgamento da cautelar, nego provimento à apelação do IBAMA e à remessa oficial, pelos mesmos fundamentos.
Apelação do autor
A autora apela requerendo majoração da condenação do IBAMA em honorários advocatícios, de R$ 1.000,00 para 20% do valor da causa, que alega ser de R$ 562.700,00.
A autora atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00 e requereu “seja a Autarquia condenada nas custas processuais e honorários advocatícios de 20% sobre o valor da causa”.
Não obstante o valor da multa seja de R$ 562.700,00 (fl. 26), o que, em princípio representa o proveito econômico, o valor da causa não foi objeto de impugnação.
A condenação do réu em honorários advocatícios foi fixada em valor superior ao requerido pela autora, com fulcro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil de 1973.
De todo modo, em face do proveito econômico discutido, do tempo exigido para o serviço (o processo se estende desde março de 2004, ou seja, há 15 anos), o trabalho do advogado e o lugar da prestação do serviço (Estado do Pará), o valor dos honorários arbitrado na sentença não remunera adequadamente o profissional que representa a parte autora.
Dou parcial provimento à apelação da autora para, com base no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/1973, elevar a condenação do IBAMA em honorários advocatícios para R$ 3.000,00.
É como voto.