DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. PENA DE PERDIMENTO DE EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. NULIDADE.
1. Integralmente mantida a sentença, uma vez que a solução dada à lide – ao devidamente considerar desproporcional a pena de perdimento aplicada – encontra-se conforme aos elementos presentes nos autos e aos ditames da razoabilidade e proporcionalidade.
2. Nulidade da pena de perdimento de embarcação, imposta pelo IBAMA. (TRF4, AC 5001954-24.2018.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 27/01/2021).
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada pelo rito comum por Fábio Isleb dos Santos em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, objetivando seja declarada a nulidade do Auto de Infração nº 9126346-E (PA nº 02026.000160/2017-42) e demais atos posteriores, dele decorrentes (a pena de perdimento da embarcação “JOEL SANTOS II” , inclusive).
Sustenta que há no autor de infração nulidade formal (indica apenas a aplicação de sanção correspondente a multa simples) e material (ausência de prova de atividade de pesca irregular). Também refere vício formal na notificação por edital. Diz, por fim, da ausência de motivação e da nulidade da aplicação da pena de perdimento ante a desproporcionalidade entre a infração, muta aplicada e o valor do bem, que serve ao sustento familiar.
Decisão deferindo a tutela de urgência no evento 6.
Sobreveio sentença, a qual julgou a demanda nos seguintes termos:
“3. Dispositivo
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para declarar a nulidade pena de perdimento da embarcação Joel Santos II, a qual deve ser devolvida à parte autora.
Extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno o IBAMA, porque majoritariamente sucumbente, ao ressarcimento das custas e ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da embarcação que ora se determina restituição ao proprietário, no que se consubstancia o proveito econômico obtido com a presente ação (CPC, art. 85, §§2º e 3º, I).
Sentença não sujeita à remessa necessária a reexame necessário (art. 496, §3º, I, do CPC).”
Irresignado, apelou o IBAMA, alegando, de início, que o procedimento adotado pela equipe de fiscalização desta autarquia ambiental, in casu, não seria ilegal e tampouco abusivo, e decorre de seu poder de polícia.
Sustenta que, tendo sido arbitrado dentro dos limites legais e em observância às premissas elencadas na lei, não haveria que se falar em efeito confiscatório da multa ambiental imposta e, portanto, em infringência do art. 150, inciso IV, da Constituição Federal.
Requer a reforma da sentença que declarou a nulidade pena de perdimento da embarcação Joel Santos II, com a devolução do barco à parte autora.
Foram apresentadas contrarrazões.
Vieram os autos a esta Instância.
É o relatório.
VOTO
- Caso concreto.
Deve ser integralmente mantida a sentença prolatada pelo juízo a quo, cujos termos utilizo como razões de decidir:
“2. Fundamentação
2.1. Nulidades formais
Encontra-se na doutrina a afirmação de que a validade do ato jurídico resulta não tanto da adequação formal dele em face de um modelo normativo abstrato, mas da verificação do seu conteúdo, da intenção das partes e dos valores realizados. Sustenta a superação da ótica formalista segundo a qual a simples discordância entre o ato concreto e um modelo jurídico daria margem inflexível à nulidade absoluta. Diz que se deve agregar um componente de valor predominante (axiológico) ou finalista ao exame da sanção cabível. A ausência de lesão aos valores tutelados pelo Direito pode tornar a desconformidade irrelevante, traduzindo-a em mera irregularidade (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2005. p. 467-468).
Sob esta ótica, a decisão liminar bem enfrentou a questão, nos seguintes termos:
“(…) O auto de infração e/ou o relatório fiscal (evento 1, PROCADM11) descrevem os fatos e deles consta a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos.
O destino a ser dado à embarcação está atrelado à decisão administrativa que confirme o autor de infração (Dec. nº 6514/08, art. 134, V).
O auto de apreensão e depósito da embarcação foi lavrado concomitantemente ao auto de infração, não havendo, portanto, se falar em ausência de descrição da pena de perdimento.
A notificação por AR da homologação do auto de infração foi direcionada ao mestre, funcionário do autor, que também firmou a autuação, constando o autor como interessado. Aliás, o encargo de fiel depositário foi transferido do mestre ao proprietário (autor) em decorrência do rompimento do vínculo de emprego.
A multa foi paga sem apresentação de impugnação (p. 32/33), de modo que nenhum prejuízo restou. Descaber, agora, invocar vício formal no intuito de anular todo o procedimento (…)”
2.2. Nulidade material – ausência de motivação e/ou de prova da atividade de pesca
A autuação deu-se por prática de infração administrativa prevista no inciso I do art. 101 do Decreto 6.514/2008 e no inciso IV do art. 72 da Lei 9.605/1998.
Do relatório de fiscalização (evento 1, PROCADM1, p. 14) extrai-se:
“(…) Em operação de fiscalização de rotina conjunta, IBAMAJNEPON-PF, realizada em 17/02/2017, na entorno da Ilha de Florianópolis, com o objetivo de coibir a pesca ilegal, sucederam-se os seguintes fatos:
Nas proximidades da Ilha de Campeche foi abordada a. embarcação Joel Santos II, de inscrição na Capitania dos Portos d4430490104. O responsável pela embarcação, Sr. Edmilson Lopes Benevides de CPF n° 989426627-49, não apresentou no momento da fiscalização nenhuma licença, ou autorização para a prática da pesca, ou qualquer outro documento referente à embarcação.
Em inspeção, constatou-se que a embarcação se encontrava carregada de gelo e mantimentos, indicando que estava em operação de pesca (…)”
O Decreto nº 6.514/08, que estabelece o processo administrativo federal para apuração das infrações ao meio ambiente, assim dispõe ao tratar da atividade de pesca:
Art. 42. Para os efeitos deste Decreto, considera-se pesca todo ato tendente a extrair, retirar, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos aquáticos e vegetais hidróbios suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.
Parágrafo único. Entende-se por ato tendente à pesca aquele em que o infrator esteja munido, equipado ou armado com petrechos de pesca, na área de pesca ou dirigindo-se a ela. (grifei)
Portanto, nos termos da legislação específica acerca da matéria, considera-se infração ambiental o ato tendente à pesca (assim entendido aquele em que o infrator esteja munido, equipado ou armado com petrechos de pesca, na área de pesca ou dirigindo-se a ela) em período ou local no qual esta prática esteja proibida.
Então, de acordo com a legislação que rege a matéria, para efeito de aplicação de penalidades na esfera administrativa, desnecessária é a efetiva captura de pescados, sendo considerada pesca ‘todo ato tendente a extrair, retirar, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes’. Considera-se, ainda, ato tendente à pesca ‘aquele em que o infrator esteja munido, equipado ou armado com petrechos de pesca, na área de pesca ou dirigindo-se a ela’.
Logo, não há que se falar em ausência de comprovação do exercício da atividade de pesca.
Inexiste, pois, a nulidade material alegada.
2.3. Da alegação de necessidade de aplicação de advertência previamente à multa
A jurisprudência firmou o entendimento de que a escolha da penalidade aplicável é atividade administrativa enquadrada no âmbito do poder discricionário da autoridade fiscalizadora, não sendo atribuição do judiciário corrigi-la se dentro dos parâmetros legais e em observância aos princípios norteadores da atividade administrativa. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INMETRO. MULTA ADMINISTRATIVA. PENALIDADE APLICADA. VALOR. ABUSIVIDADE. NÃO CARACTERIZADA. TAXA SELIC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCABIMENTO. – A teor do que dispõe o art. 8º da Lei nº 9.933/99, é da competência do INMETRO e das pessoas jurídicas de direito público que detiverem delegação de poder de polícia processar e julgar as infrações, bem assim aplicar aos infratores, isolada ou cumulativamente, as penalidades de advertência, multa, interdição, apreensão e inutilização. – A escolha da penalidade aplicável é atividade administrativa enquadrada no âmbito do poder discricionário da autoridade fiscalizadora. – Tendo a autuação ocorrido de acordo com as determinações legais e em observância aos princípios norteadores da atividade administrativa, correta a aplicação da multa. – A taxa referencial empregada pelo sistema de liquidação e custódia de títulos públicos federais, o SELIC, tem previsão legal no art. 13 da Lei 9.065/95. A ela também se refere a Lei 9.250/95, art. 14, III, no que interessa ao pagamento de tributos. – É pacífico o entendimento, tanto no STJ quanto neste Tribunal, de que o encargo de 20% de que trata o Decreto-Lei nº 1.025/69, nos embargos à execução fiscal, substitui a verba sucumbencial (TRF4, AC 5057333-56.2013.404.7100, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 10/09/2015).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INMETRO. MULTA ADMINISTRATIVA. PENALIDADE APLICADA. VALOR. ABUSIVIDADE. CARACTERIZADA. 1. A teor do que dispõe o art. 8º da Lei nº 9.933/99, é da competência do INMETRO e das pessoas jurídicas de direito público que detiverem delegação de poder de polícia processar e julgar as infrações, bem assim aplicar aos infratores, isolada ou cumulativamente, as penalidades de advertência, multa, interdição, apreensão e inutilização. 2. A escolha da penalidade aplicável é atividade administrativa enquadrada no âmbito do poder discricionário da autoridade fiscalizadora. 3. Hipótese em que flagrante nulidade na aplicação de pena superior ao mínimo legal sem a indicação de elementos concretos para tal, uma vez que a decisão não fez referência a nenhum dado objetivo, como gravidade da infração, vantagem auferida ou condição econômica do agente. Houve apenas o arbitramento de um valor, sem que seja possível acompanhar o raciocínio que embasou a eleição de tal montante. (TRF4, AC 5062904-80.2014.404.7000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 03/09/2015).
Inviável, portanto, a alegação de que a penalidade de advertência deveria ter sido aplicada previamente à multa, não cabendo ao Judiciário, de toda a sorte, determinar tal substituição.
2.4. Desproporcionalidade e/ou desarrazoabilidade da apllicação da pena de perdimento
Neste ponto, com razão a parte autora.
A questão vem exaurida pela decisão liminar proferida nos autos (evento 3), nos termos que seguem:
A autuação deu-se por prática de infração administrativa prevista no inciso I do art. 101 do Decreto 6.514/2008 e no inciso IV do art. 72 da Lei 9.605/1998. Colhe-se do relatório da fiscalização (evento 1, PROCADM11. p. 14):
Nas proximidades da Ilha de Campeche foi abordada a. embarcação Joel Santos II, de inscrição na Capitania dos Portos d4430490104. O responsável pela embarcação, Sr. Edmilson Lopes Benevides de CPF n° 989426627-49, não apresentou no momento da fiscalização nenhuma licença, ou autorização para a prática da pesca, ou qualquer outro documento referente à embarcação. Em inspeção, constatou-se que a embarcação se encontrava carregada de gelo e mantimentos, indicando que estava em operação de pesca. Considerando o Art. 42. do Decreto 6.514/2008, que dispõe: Considera-se pesca todo ato tendente a extrair, retirar, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos e moluscos aquáticos, foram tomadas as medidas que se segue.
Logo, não houve dano efetivo ao meio ambiente porque nenhum pescado foi encontrado no interior da embarcação quando da apreensão. Não há grande potencial lesivo decorrente da infração. A multa foi reduzida para R$3.500,00, havendo notória desproporção entre o valor do bem apreendido (R$900.000,00) e o valor da infração, considerado o potencial lesivo e a muta aplicada. Além disso, o autor declarou que a embarcação é o meio de subsistência da família.
Nessa linha é o entendimento do TRF4:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUTUAÇÃO. MULTA. PENA DE PERDIMENTO DA EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE. A apreensão dos instrumentos do crime é medida que deve guardar proporção com o dano causado, de forma que não se apresenta razoável a apreensão da embarcação, equipamento de elevado custo, se a reparação do dano exija diminuta alocação de recursos e o autuado seja pessoa economicamente hipossuficiente. (TRF4, AC 5036236-54.2014.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 29/09/2017).
EMENTA: ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUTUAÇÃO. REGULARIDADE. MULTA. REDUÇÃO. PENA DE PERDIMENTO DA EMBARCAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. Inexistindo irregularidade a inquinar a regularidade dos autos de infração lavrados contra a autora e dos processos administrativos que se seguiram, haja vista a competência dos servidores que realizaram sua autuação e a circunstância de o art. 71, inciso II, da Lei nº 9.605/98, prever prazo impróprio, é infundada sua pretensão anulatória. 2. A hipossuficiência financeira do autor e os parâmetros que, usualmente, são adotados pelo IBAMA em casos similares indicam a necessidade de redução do valor das multas administrativas. 3. A apreensão dos instrumentos da infração é medida que deve guardar proporção com o dano causado ao meio ambiente, não se mostrando razoável a imposição de perdimento da embarcação, equipamento de elevado custo, se a reparação do dano exige alocação de recursos reduzidos e o autuado é pessoa economicamente hipossuficiente, que depende dela para o exercício de sua atividade laboral. (TRF4, AC 5000183-80.2014.4.04.7101, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 29/09/2017)
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. APREENSÃO DE VEÍCULO. LIBERAÇÃO. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ.1. Embora exista previsão legal para apreensão do veículo utilizado na prática de infração ambiental, a medida deverá ser aplicada de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do disposto no art. 6º da Lei n. 9.605/98.2. O Tribunal de origem, na apreciação da matéria, entendeu que a referida embarcação é ferramenta de trabalho e sustento do agravado.3. O reexame das conclusões do acórdão a propósito da razoabilidade da apreensão do veículo atrai o impeditivo da Súmula 7/STJ: ‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’.4. Agravo regimental a que se nega provimento.(STJ, AgRg no AREsp 498497/CE, 2ª Turma, Rel. Ministro OG FERNANDES, DJe 29/05/2015) …”
- Dispositivo
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para declarar a nulidade pena de perdimento da embarcação Joel Santos II, a qual deve ser devolvida à parte autora.
Extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno o IBAMA, porque majoritariamente sucumbente, ao ressarcimento das custas e ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da embarcação que ora se determina restituição ao proprietário, no que se consubstancia o proveito econômico obtido com a presente ação (CPC, art. 85, §§2º e 3º, I).
Sentença não sujeita à remessa necessária a reexame necessário (art. 496, §3º, I, do CPC).”
Tenho que a sentença supracitada não comporta reparos, estando integralmente de acordo com o entendimento deste Regional.
A solução dada à lide – ao devidamente considerar desproporcional a penalidade de perdimento da embarcação – encontra-se conforme aos elementos presentes nos autos e aos ditames da razoabilidade e proporcionalidade.
Assim, entendo pela manutenção integral da sentença, por ter conferido à demanda solução razoável, proporcional e em conformidade com a legislação aplicável.
Mantida, assim, a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a nulidade da pena de perdimento da embarcação Joel Santos II.
- Honorários sucumbenciais.
A sentença apelada condenou a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios (nos termos do art. 85, § 2º e 3º, inciso I, do CPC) no valor de 10% sobre o valor da causa.
Tendo em vista o desprovimento do presente apelo, majoro o montante devido a título de honorários, tendo em vista a aplicação de honorários recursais, nos termos do art. 85, § 11 do CPC, de 10% para 12% sobre o valor da embarcação.
- Dispositivo.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.