ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. PENA DE PERDIMENTO. DESPROPORCIONALIDADE.
1. Identificada a existência da infração, visto que o transporte do material de origem vegetal foi realizado com documento indispensável (DOF) erroneamente preenchido, mostrando-se legítimo e regular o auto de infração lavrado.
2. Embora a pena de perdimento tenha previsão legal, a sua aplicação no caso concreto ofende o princípio da proporcionalidade, uma vez que implica a imposição ao administrado da entrega de bem avaliado em montante em muito superior à própria multa que lhe foi aplicada, ressaltando-se inexistência de circunstâncias que indiquem a reiteração da conduta ilícita, já que não há notícias de autuação anterior, embora o autor já estivesse atuando no ramo de transporte há vários anos.
(TRF4, AC 5001784-51.2015.4.04.7210, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 25/05/2018)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por TRANSPORTES E MADEIREIRA CAARO LTDA. – ME em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, objetivando a declaração de nulidade do auto de apreensão nº 456595-C, relacionado ao veículo Ford/Cargo 2628E, placas MIK-0527, que teria sido apreendido pela autarquia federal face ao seu emprego para a perpetração de delito ambiental.
Após regular trâmite do feito, sobreveio sentença que julgou procedente a demanda, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito do processo, e JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na inicial, para anular a decisão proferida pelo IBAMA no processo administrativo nº 02026.001638/2011-66, no que concerne à decretação do perdimento do caminhão FORD/Cargo 2628E, placas MIK-0527.
Ratifico e mantenho a decisão do evento 3, que antecipou parcialmente os efeitos da tutela.
Com fundamento no art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, condeno o IBAMA ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 10% do valor atribuído à causa, devidamente atualizado pelo IPCA-E. Por outro lado, o IBAMA é isento do pagamento de custas processuais (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96).
Sentença não sujeita ao reexame necessário. Havendo recurso voluntário de qualquer das partes e preenchidos os seus requisitos, dou-o desde já por recebido em seu duplo efeito, exceto no tocante à manutenção da antecipação dos efeitos da tutela (evento 3), devendo a Secretaria providenciar a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região após as contrarrazões.
Sentença registrada eletronicamente. Dou-a por publicada com a sua disponibilização no sistema eletrônico. Intimem-se as partes.
Irresignado, o IBAMA apelou, aduzindo, em síntese, que a Lei nº 9.605/98 estabelece a obrigatoriedade da apreensão dos instrumentos do delito, em seu art. 25, devendo ser posteriormente declarado o seu perdimento, quando se constatar e comprovar o cometimento da infração ambiental com o veículo apreendido.
Apresentadas contrarrazões recursais, o feito foi remetido a esta Corte. É o relatório.
VOTO
Uma vez que concordo totalmente com o entendimento adotado pelo Juízo a quo quando da prolação da sentença combatida, peço vênia e integro, nas razões de decidir do apelo, a fundamentação constante no referido decisum, assim vertida:
I – RELATÓRIO
Trata-se de ação sob rito ordinário promovida por TRANSPORTES E MADEIREIRA CAARO LTDA – ME em desfavor de INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, por meio da qual pretendeu, em sede de tutela antecipada, a suspensão da ordem de entrega do veículo.
No mérito, requereu a confirmação da liminar, bem como a declaração de nulidade da decisão homologatória do termo de apreensão nº 456595-C.
Narrou a parte autora, em apertada síntese, que, na data de 22.09.2011, Marcos Aurélio Geremias conduzia o veículo FORD/Cargo 2628E, placas MIK-0527, de propriedade da parte autora, transportando madeira em quantidade superior ao previsto na nota fiscal, quando foi abordado e autuado pelo IBAMA no posto da CIDASC em Dionísio Cerqueira/SC.
Em razão do transporte de madeira nativa em desacordo com a licença outorgada pela autoridade competente (DOF nº 06712139), a parte autora suportou a apreensão da totalidade das toras de madeira transportadas (97), bem como do veículo, instrumento da prática da infração.
Alegou, em seu arrazoado, o trânsito em julgado da decisão administrativa proferida em 27.03.2013, que não homologou o termo de apreensão nº 456595-C, em razão do que a decisão proferida em 09.06.2014, que determinou o perdimento do caminhão, estaria ferindo a coisa julgada.
No mérito, sustentou que não houve a prática de crime ambiental, mas um equívoco no preenchimento da nota fiscal e do DOF, de modo que o caminhão não poderia ser caracterizado como instrumento da prática ilícita.
Destacou, também, a desproporcionalidade da medida aplicada, considerando que o veículo foi avaliado em R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais).
O pleito antecipatório foi acolhido (evento 3), determinando-se a suspensão da decisão proferida pelo IBAMA.
Citado, o réu apresentou contestação (evento 12), por meio da qual defendeu que a parte autora incorreu em infração ambiental, quando transportou de forma irregular 22,385 m³ de madeira nativa, enquanto a licença DOF nº 06712139 previa 11,97 m³, sendo lícita, portanto, a responsabilização.
Houve réplica (evento 15). A parte autora requereu a oitiva de testemunhas (evento 21), o que foi acolhido, designando-se, para tanto, audiência de instrução (evento 23).
As partes apresentaram alegações finais (eventos 33 e 36).Vieram os autos conclusos para sentença. É o breve relato. Decido
II – FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINAR
Da coisa julgada administrativa
Segundo a parte autora, a autoridade ambiental teria inobservado os efeitos da coisa julgada administrativa, proferindo, a despeito da primeira decisão que não tratou do veículo, uma segunda decisão, em que declarava o perdimento do caminhão.
Pois bem, analisando o caderno processual, verifico que a primeira decisão administrativa, proferida em 27.03.2013, não teria aplicado, de fato, a pena de perdimento, sequer se pronunciado a respeito do termo de apreensão nº 456595-C (evento 1, PROCADM8). Eis o teor do dispositivo:
13. Ante às provas, documentos e pareceres que instruem os autos, em especial aqueles que integral a presente decisão, aplico e homologo as seguintes penalidades:
a) multa simples: homologo o Auto de Infranção nº 449960-D, em todos os seus termos.
b) apreensão: homologo o Termo de Apreensão nº 456596-C, declarando o perdimento da madeira apreendida e concordando com a destinação dada à mesma.
Já a segunda decisão, proferida em 09.06.2014, homologou o termo de apreensão atinente ao caminhão, nº 456595-C, e declarou o perdimento do veículo pois “não foi objeto de julgamento” (evento 1, PROCADM10, pág. 3).
Na situação delineada, goza a Administração do poder/dever de autotutela para corrigir o erro administrativo da primeira decisão, nos termos do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999.
Dessa forma, não tendo transcorrido o prazo decadencial de 5 anos, mas de aproximadamente 1 ano e 3 meses entre as duas decisões, rejeito a alegação da parte autora.
MÉRITO
A controvérsia colocada sob discussão nos presentes autos diz respeito à possibilidade de anulação do ato administrativo proferido pelo IBAMA, que declarou o perdimento do veículo FORD/Cargo 2628E, placas MIK-0527, em razão do transporte de toras de madeira nativa em desconformidade com a licença DOF nº 06712139.
Depreende-se das provas carreadas que na data da abordagem pela fiscalização ambiental, em 22.09.2011, o veículo em comento transportava o dobro do montante prescrito na licença DOF e na nota fiscal.
De acordo com o artigo 1º da Instrução Normativa nº 162/2006, do IBAMA, O Documento de Origem Florestal – DOF “[…] constitui-se licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo, contendo as informações sobre a procedência desses produtos e subprodutos, gerado pelo sistema eletrônico denominado Sistema DOF, na form a do Anexo I desta Instrução Normativa”.
O artigo 2º da IN prevê que madeira em toras são entendidas como produto florestal.
O Decreto nº 6.514/2008, que trata, dentre outros temas, das infrações e sanções administrativas, estabelece:
Art. 3o As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; […]
Art. 47. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira serrada ou em tora, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Multa de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico aferido pelo método geométrico.
§1o Incorre nas mesmas multas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente ou em desacordo com a obtida.
§2o Considera-se licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento aquela cuja autenticidade seja confirmada pelos sistemas de controle eletrônico oficiais, inclusive no que diz respeito à quantidade e espécie autorizada para transporte e armazenamento.
§3o Nas infrações de transporte, caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização.
§4o Para as demais infrações previstas neste artigo, o agente autuante promoverá a autuação considerando o volume integral de madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal que não guarde correspondência com aquele autorizado pela autoridade ambiental competente, em razão da quantidade ou espécie.
Compete transcrever os dispositivos da Lei nº 9.605/1998 vigentes na ocasião da apreensão:
Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.
§1º Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.
§2º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.
§3° Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições científicas, culturais ou educacionais.
§4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem. […]
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […]
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; […]
§6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.
Destaco, por fim, que tais normativas encontram amparo no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.(…)
§3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.(grifo nosso)
Em atenção aos regramentos delineados, tenho, a meu juízo, que não há ilegalidade no ato administrativo que declarou o perdimento do veículo, pois a conduta do motorista do caminhão, de transportar toras de madeira nativa em quantitativo diverso daquele declarado na licença DOF, configura infração administrativa.
Ressalte-se que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já reconheceu a aplicabilidade da legalidade da pena de perdimento de veículos utilizados para o transporte ilegal de madeira, conforme se vê dos precedentes abaixo:
APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. APREENSÃO DE VEÍCULO. REITERAÇÃO DELITIVA. Há disposição legal expressa que autoriza a apreensão de equipamentos, veículos ou produtos utilizados/obtidos na infração ambiental e o pequeno volume de madeira transportada ilegalmente não tem o condão de retirar a legitimidade da apreensão, mormente quando configurada a reiteração da conduta ilícita. (TRF4, AC 5001587-39.2014.404.7014, Terceira Turma, Rel. Salise Monteiro Sanchotene, DE 12.12.2015)
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PERDIMENTO DO VEÍCULO USADO COMO INSTRUMENTO PARA A PRÁTICA DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. A legislação ambiental, através da Lei n.º 9.605/98 e do Decreto n.º 3.179/99, prevê expressamente a possibilidade da aplicação da pena de perdimento de veículo utilizado para a prática de infração ambiental. (TRF4, AC 2009.70.00.004951-1, Quarta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 08/02/2010)
ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO DO VEÍCULO USADO COMO INSTRUMENTO PARA A PRÁTICA DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. Apelação conhecida e desprovida. (TRF4, AC 2007.70.00.031663-2, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 12/11/2008)
Contudo, não se pode deixar de analisar a aplicação da pena de perdimento, no caso concreto, sob o aspecto da proporcionalidade. De fato, modernamente, tem-se sustentado que também o ato administrativo discricionário está sujeito ao controle judicial, sob o aspecto da sua finalidade. E somente atende a sua finalidade o ato administrativo que se mostra proporcional, dado que ato desproporcional é abusivo e, obviamente, não se coaduna com os fins da administração pública.
No tocante às infrações ambientais, somente atende a finalidade para a qual foi prevista pelo legislador a sanção que seja imposta de forma proporcional à conduta infracional. Nesta linha de raciocínio, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região recentemente:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. APREENSÃO DE VEÍCULO. INUTILIDADE PARA A INSTRUÇÃO PENAL. RESTITUIÇÃO. INSTRUMENTOS. CARACTERÍSTICAS. PERTINÊNCIA POSSIBILIDADE. 1. A norma do art. 25, § 4º da Lei nº 9.605/98 não se dirige aos objetos que não são utilizados propriamente para delitos ambientais. 2. Hipótese em que não se justifica a manutenção de apreensão de veículos de propriedade do réu que não contenham características tais que permitam concluir que são instrumentos da prática delitiva. 3. Não interessando à instrução do processo (CPP, art. 118), nem estando sujeito à pena de perdimento (CP, art. 91, II), o bem deve ser liberado ao proprietário. 4. Apelação provida (TRF4, ACR 5003794-40.2011.404.7103, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, D.E. 06/08/2013).
AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENS APREENDIDOS PELO IBAMA. PERDIMENTO. PROPORCIONALIDADE. . A Lei nº 9.605/98 não tipifica cada uma das condutas infracionais administrativas contrárias ao direito ambiental, mas apenas define, genericamente, a infração administrativa como violação às leis de proteção ambiental, sendo, na verdade, um tipo aberto. . O Decreto nº 3.179/99, procurando dar um tratamento isonômico, adequou as sanções previstas na lei às diversas condutas contrárias à legislação ambiental, cominando as respectivas penalidades, ou seja, especificou as sanções administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, regulamentando a Lei nº 9.605/98, em perfeita consonância com ela e com a definição constante de seu art. 70. . A pena de apreensão e perdimento dos bens, ainda que encontre previsão expressa na Lei nº 9.605/98 (art. 72, IV) e no Decreto nº 3.179/99 (art. 2º, IV), deve levar em conta a proporcionalidade, a fim de evitar a imposição exagerada de penalidade o que constituiria abuso passível de anulação por via judicial. (TRF4, AC 2007.71.00.013548-2, Terceira Turma, Relator Nicolau Konkel Júnior, D.E. 07/04/2010)
Do voto condutor do acórdão proferido no precedente acima transcrito, extrai-se o seguinte excerto, que parece ser plenamente adequado ao caso presente e por isso mesmo é adotado como fundamento da presente decisão:
A adequação da conduta do infrator à modalidade de ilícito foi correta, assim como a multa imposta e seu valor, que está compreendido naquela faixa definida pelo referido decreto.
Ademais, como foi muito bem destacado na sentença, a limite estreito do mandado de segurança não permite sindicar a origem da madeira, de modo a precisar se trata de floresta nativa ou plantada.
Por outro lado, no que diz respeito à pena de apreensão e perdimento dos bens do apelante, ainda que sua aplicação encontre previsão expressa na Lei nº 9.605/98 (art. 72, IV) e no Decreto nº 3.179/99 (art. 2º, IV), mesmo que de forma genérica, é de se analisar sua proporcionalidade no presente caso. Afinal, a imposição exagerada de penalidade constitui abuso passível de anulação por via judicial.
A jurisprudência, em casos igualmente graves, tem destacado que a manifesta desproporção entre o valor dos instrumentos de crimes e o dano causado não justifica a aplicação da medida extrema:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS. PROPORCIONALIDADE COM O DANO. 1. A apreensão dos instrumentos do crime é medida que deve guardar proporção com o dano causado, de forma que não se apresentaria razoável a apreensão de equipamento de elevado custo se a reparação do dano, acaso determinada na sentença, exija diminuta alocação de recursos. 2. Recurso e remessa oficial improvidos. (AMS nº 1998.04.01.022752-3/SC, 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relator desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 06/09/00, p. 203)
É certo que o dano ambiental, muitas vezes, não pode ser precisamente quantificado, de modo a permitir a verificação da adequada proporção da pena com o dano que se pretende evitar. No entanto, há casos em que os instrumentos utilizados para a prática de infrações ambientais estão, de forma evidente, fora dessa zona nebulosa, mostrando-se desproporcionais em relação ao dano causado.
Além disso, deve ser feita uma distinção entre o instrumento criado para a prática infracional (o que revela uma ação preordenada) e aquele instrumento utilizado apenas circunstancialmente, mas que, em seu emprego ordinário, se destina à prática de atividade lícita.
Neste sentido também se orienta o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
MANDADO DE SEGURANÇA – APREENSÃO, PELO IBAMA, DE PÁ CARREGADEIRA USADA NA RETIRADA DE ‘MACADAME’ DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – SERVIÇO PRESTADO POR EMPREITEIRO EM ÁREA DEMARCADA PELA PREFEITURA – PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ – INAPLICABILIDADE DO ART. 35 DO CÓDIGO FLORESTAL. 1 – O art. 35 do Código Florestal (Lei 4.771/65) determina que a autoridade apreenderá os produtos e os instrumentos utilizados na infração a suas normas. No tocante aos instrumentos, deve-se entender que a norma é direcionada àqueles que são preordenados à prática do delito, não abrangendo quaisquer ferramentas ou equipamentos de trabalho. Nosso sistema constitucional não conhece a pena de confisco, mas sim a de perda de bens, que tem natureza reparatória. A perda dos instrumentos do delito, sem caráter reparatório, só se justifica como medida de política criminal preventiva, inaplicável a instrumentos de trabalho. 2 – O agente que pratica o ato como contratado pelo Poder Público, em área por este demarcada, tem a seu favor a presunção de boa-fé, pois que não lhe é exigível supor que a administração, cujos atos, por sua vez, gozam da presunção de legitimidade, esteja praticando uma ilicitude. Assim, só poderá sofrer constrição em seus bens se provada, em processo regular, sua responsabilidade. 3 – Hipótese em que salta à vista a desproporção entre a infração e a penalidade que resultaria da perda daquele bem, de alto valor, além de estar provado que se trata de equipamento adquirido mediante financiamento com alienação fiduciária ao BESC, que é titular de sua propriedade resolúvel. 4 – Apelo e remessa oficial desprovidos. (AMS nº 97.04.47001-0/SC, 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relator desembargador federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU de 09/08/00, p. 259)
No caso presente, a multa imposta ao apelante, inclusive por seu elevado valor, já é suficiente para satisfazer os objetivos da aplicação de uma sanção administrativa, quais sejam, desestimular o infrator a cometer futura violação (finalidade preventiva) e punir o infrator pela conduta perpetrada (finalidade punitiva).
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a imediata devolução dos bens apreendidos, à exceção do produto florestal que, segundo a autuação, tem origem diversa daquela constante da licença.
No caso dos autos, conforme já destacado na decisão que antecipou os efeitos da tutela, há flagrante desproporcionalidade entre o valor do bem apreendido e em relação ao qual o IBAMA pretende decretar a pena de perdimento, um caminhão avaliado em R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais), e as mercadorias apreendidas (R$4.400,00).
Observe-se, outrossim, que não se trata de infração ambiental grave, eis que a empresa transportava madeira para cuja extração possuía o devido licenciamento.
A prova oral consubstancia tal entendimento.
Inquirida a testemunha Marcos Aurelio Geremias, informou que estava presente no dia em que a carga do caminhão foi apreendida; que na ocasião era o motorista; que não conferiu a nota quando carregou o caminhão; que quando passou pelo posto fiscal, o IBAMA pediu a nota fiscal; que, pelo que sabe, não houve outras apreensões; que, pelo que sabe, o caminhão apreendido era o único da empresa; que acredita que a empresa tenha 6 funcionários; que a empresa é familiar (evento 32).
A testemunha Valdecir Antonio Justen informou, por sua vez, que acredita que a empresa exista há 12, 13 anos; que a empresa trabalha com a compra, deslocamento e revenda da madeira; que a empresa é pequena, familiar; que não estava presente no dia da apreensão; que pelo que sabe a empresa somente possui um caminhão (evento 32).
Por fim, a testemunha Andrietti Eidt informou que é filho do proprietário da empresa autora; que trabalham nesse ramo desde 1992; que o caminhão apreendido é o único da empresa; que o veículo é utilizado para transporte de toras e entrega de madeira; que não houve outros processos semelhantes; que a empresa possui 4 funcionários, além da família; que a nota e a DOF foram emitidas pelo agricultor; que o motorista não conferiu a nota (evento 32).
A análise do cabimento da pena de perdimento do veículo utilizado na prática de infrações ambientais deve ser realizada com muito cuidado, considerando-se que o meio ambiente possui valor inestimável, não se podendo, na grande maioria dos casos, quantificar com maior exatidão a extensão do dano ambiental, de modo que a atuação fiscalizatória e punitiva também deve ser orientada pelos princípios da precaução e da prevenção. Além disso, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não pode se pautar pura e simplesmente na divergência entre o valor da multa e/ou do dano ambiental (nos casos em que este possa ser precisamente apurado) e o valor do bem apreendido (veículo ou maquinário utilizado para a prática do ilícito), visto que bastaria que os infratores utilizassem veículos ou máquinas de alto valor para buscarem o afastamento da pena de perdimento com base no aludido princípio.
No caso dos autos, todavia, como já destacado acima, considero que se trata de infração ambiental de reduzida gravidade, mesmo porque, a rigor, não houve dano ao meio ambiente em si.
Vale lembrar, ainda, que além da pena de perdimento o autor foi multado em face da infração ambiental praticada.
Destaco, além disso, que não há notícias de que o autor se dedique com regularidade à prática de transporte ilegal de madeira, pois não há nos autos nenhuma informação de autuação anterior, embora já estivesse ele atuando no ramo de transporte havia vários anos.
Desse modo, tenho por descabida a aplicação da pena de perdimento do caminhão do autor, seja pela desproporcionalidade da medida, seja porque não se trata de bem utilizado com regularidade para a prática de infração ambiental.
Efetivamente, a aplicação de pena de perdimento do bem apreendido, prevista em lei (artigo 72, inciso IV, da Lei n.º 9.605/98, e art. 3º, inc. IV do Decreto nº 6.514/2008, vigente à época dos fatos), afigura-se desproporcional à gravidade e dimensão do dano perpetrado, impondo-se o seu afastamento, pelas razões já declinadas pelo juízo a quo.
Por oportuno, transcrevo ementas deste Tribunal relativas ao tema em debate:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. PROCESSO ADMISTRATIVO. REGULARIDADE. APLICAÇÃO DE PENA DE PERDIMENTO DE BEM. DESPROPORCIONALIDADE. MULTA. 1. O artigo 17-Q da Lei n.º 6.938/81 autorizou o IBAMA a firmar convênios com os Estados, Municípios e o Distrito Federal, permitindo o exercício de atividade de fiscalização ambiental. Com esse intuito, o IBAMA e a Polícia Militar Ambiental do Estado de Santa Catarina celebraram o Convênio n.º 76/2001, no qual foi pactuado um regime de mútua cooperação entre convenentes, com vista à execução de ações fiscalizatórias, voltadas à preservação e consecução do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis, no âmbito daquela unidade federativa. Nesse contexto, é irretocável a atuação do órgão policial, que sancionou a conduta causadora de degradação ambiental, em cumprimento à legislação de regência. 2. Embora a pena de perdimento tenha previsão legal (artigo 72, inciso IV, da Lei n.º 9.605/98, e artigo 2º, inciso VII, do Decreto n.º 3179/99, vigente à época dos fatos), a sua aplicação no caso concreto ofende o princípio da proporcionalidade, uma vez que implica a imposição ao administrado da entrega de bem que vale dez vezes mais do que a própria multa que lhe foi aplicada. 3. A sanção pecuniária, arbitrada na seara administrativa, deve ser restabelecida, porquanto foram respeitados os parâmetros legais, estando adequadamente fundamentada a decisão administrativa. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5023568-85.2013.404.7200, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 14/08/2017)
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. ANULAÇÃO. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA. IMPOSSIBILIDADE. PENA DE PERDIMENTO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. Identificada a existência da infração, visto que a movimentação da mercadoria foi realizada com documento indispensável (DOF) erroneamente preenchido, mostra-se legítimo e regular o auto de infração lavrado. 2. A multa constitui sanção de caráter administrativo. Mantido o valor, porquanto fixada dentro dos parâmetros adotados pela legislação e atendidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. A pena de perdimento da mercadoria mostrar-se-ia desproporcional em face do contexto fático delineado, uma vez identificado que a eiva ocorreu de forma isolada e acidental e envolve irregularidade de ordem meramente formal, decorrente do preenchimento do referido documento com quantidade diversa de madeira do que a efetivamente comercializada, como conseqüência de erro de digitação, sem que se tenha evidenciado o intento de burlar a fiscalização. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001426-83.2010.404.7106, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 03/09/2014)
ADMINISTRATIVO. PENA DE PERDIMENTO DE VEÍCULO. SÚMULA 138 DO TRF. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO NO TRANSPORTE DE MERCADORIAS CONTRABANDEADAS E/OU DESCAMINHADAS. NÃO DEMONSTRAÇÃO NO CASO CONCRETO. GRANDE DIFERENÇA ENTRE OS VALORES Dos produtos E DO CAMINHÃO APREENDIDO. DESPROPORCIONALIDade DA SANÇÃO. VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A pena de perdimento somente deve ser aplicada ao veículo transportador quando concomitantemente houver: a) prova de que o proprietário do veículo apreendido concorreu de alguma forma para o ilícito fiscal; b) relação de proporcionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias apreendidas. 2. Não comprovada a participação do proprietário no ilícito que resultou na apreensão de seu veículo, bem como ter sido constatada grande diferença entre os valores dos bens e inexistência de circunstâncias que indiquem a reiteração da conduta ilícita, impõe-se a declaração da nulidade do ato que decretou o perdimento do bem, devendo a União proceder a sua imediata devolução ao seu legal proprietário. 3. Invertida a verba honorária que vai fixada nos termos do art. 20, § 3º e 4º do CPC. 4. Apelação provida. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002581-91.2014.404.7103, 3ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/02/2015)
Nesse diapasão, verifica-se que a decisão proferida pelo Juízo a quo não merece qualquer reproche, devendo ser mantida, em todos os seus termos.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Em razão do exposto, voto por negar provimento à apelação.