HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME AMBIENTAL. MERA CONDIÇÃO DE SÓCIO DA EMPRESA. É inepta a denúncia que imputa a prática de crime ambiental a agente somente em razão de ele ser sócio não-administrador da pessoa jurídica que teria sido responsável pelo delito. ORDEM CONCEDIDA.
(TJ-SC – HC: 40171473520178240000 Balneário Camboriú 4017147-35.2017.8.24.0000, Relator: Sérgio Antônio Rizelo, Data de Julgamento: 22/08/2017, Segunda Câmara de Direito Criminal)
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor do Paciente que está sofrendo constrangimento ilegal por ato do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Balneário Camboriú que, nos autos da Ação Penal instaurada para apurar a responsabilidade criminal de paciente e de outros dois corréus pela prática, em tese, do delito previsto no art. 38-A da Lei 9.605/98, admitiu a exordial acusatória e determinou o processamento do feito.
Aduz a Impetrante, em síntese, que não há justa causa para o exercício da ação penal contra o Paciente, tampouco justificativa para que ele figure no polo passivo da demanda.
Sob tais argumentos requereu a concessão da ordem, com o trancamento da ação penal. A Autoridade impetrada prestou informações.
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão, manifestou-se pela concessão da ordem. Este é o relatório.
VOTO
O mandamus deve ser conhecido, e a ordem, concedida.
Não exatamente pelos motivos expostos no writ, e sim por aqueles suscitados pela Procuradoria de Justiça Criminal: a denúncia, no que diz respeito ao Paciente, é flagrantemente inepta.
A exordial foi redigida nos seguintes termos:
Infere-se dos autos que no mês de junho de 2011 agentes da Polícia Militar Ambiental de Tijucas, atuantes em nossa cidade, após receber uma denúncia deslocaram-se até a Rua Aqueduto, final da Avenida das Flores, nesta cidade, com a intenção de averiguar a ocorrência supressão de vegetação em área de preservação permanente, realizado em imóvel da empresa denunciada, atualmente dirigida pelo denunciado, e também sócio à época dos fatos.
No local foi constatado a execução de serviço de terraplanagem, com recuperação de área degradada, que segundo consta nos autos, a referida atividade estava autorizada pela Secretaria de Meio Ambiente da cidade, por meio do parecer, posteriormente ratificada pelo Secretário do Meio Ambiente André Ritzman.
Ademais, o secretário do Meio Ambiente informou, na oportunidade, que a empresa foi notificada pela Prefeitura Municipal somente em relação à supressão da vegetação nativa.
Ocorre que no dia 21 de junho, o engenheiro agrônomo da empresa denunciada apresentou um parecer técnico da Secretaria do Meio Ambiente à Polícia Militar Ambiental onde autorizava o serviço de terraplanagem e implantação de recuperação de área degrada (PRAD), porém, não restou apresentadas a Licença Ambiental de Operação (LAO), a Guia de Utilização do DNPM para a execução da mineração e a dispensa de título minerário, resultando na lavratura do competente Auto de Infração Ambiental, nº 30122-A, além de outras medidas que constam nos presentes autos (fls. 12/14).
Posteriormente, foi declarada a incompetência da Justiça Estadual à fl. 52, sendo os autos remetidos à Justiça Federal, que, por sua vez, por meio do Ministério Público Federal, requereu o arquivamento dos autos em relação á atividade de terraplanagem e mineração, por ter sido comprovada sua regularidade, todavia, requereu nova remessa para Justiça Estadual para apuração do crime de supressão de vegetação.
Desta forma, por decisão acostada as fls. 57, os autos retornaram à Justiça Estadual, e após diligências requeridas por este Órgão Ministerial ao Delegado de Policia, bem como pelo parecer técnico nº 178/12/CODAM, constatou-se a ocorrência de supressão de 13.500,00 m² de vegetação secundária do Bioma Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, praticada até o ano final do 2011, sem autorização dos órgãos ambientais competentes, conforme auto de infração acostado as fls. 20 lavrado pelo Departamento de Fiscalização Ambiental e Parecer Técnico de fls. 72/79 emitido pela FATMA.
Assim agindo, os denunciados infringiram a lei ambiental, configurando o delito previsto no artigo 38-A, da Lei 9.605/98, eis que suprimiram vegetação secundária de Mata Atlântica em estado médio e avançado de regeneração, sem autorização legal e em infringência as normas de proteção regulamentadoras (fls. 16-18).
Em síntese: a denúncia aponta que em 2011, em atendimento a uma denúncia, a Polícia Militar Ambiental foi ao local dos fatos e constatou a ocorrência de um serviço de terraplanagem que, concomitantemente, teria ocasionado a supressão de vegetação secundária do Bioma Mata Atlântica.
Tal destruição da vegetação ocorreu em imóvel de propriedade da empresa ré, Orion Administração e Participações Ltda., que era administrada, à época por Péricles Martins Pinto (também corréu), e que hodiernamente é dirigida pelo Paciente (que, naquela ocasião, era apenas sócio).
Não há, porém, qualquer justificativa para o fato de o Paciente figurar no polo passivo da demanda.
A ele não foi atribuída qualquer conduta definida, e foi expressamente consignado que ele não era o administrador da empresa ré na época dos fatos. Nem sequer ficou subentendido que ele, de alguma forma, teve alguma participação na deliberação que culminou com a conduta delituosa.
E o simples fato de ele ser sócio da empresa não permite que ele seja objetivamente responsabilizado, na esfera criminal, pelos delitos atribuídos à pessoa jurídica:
A denúncia e o aditamento, apesar de descreverem a conduta delitiva consistente na supressão de vegetação em área de preservação permanente, não expõem, nem mesmo de passagem, o nexo causal entre o comportamento dos recorrentes e o fato delituoso. A acusação limitou-se a vinculá-los ao crime ambiental porque eram sócios da empresa em que realizada a fiscalização. Como é cediço, mesmo a denúncia geral deve conter elementos mínimos que preservem o direito do acusado de conhecer o conteúdo da imputação contra si. A mera atribuição de uma qualidade não é forma adequada para se conferir determinada prática delitiva a quem quer que seja. Caso contrário, abre-se margem para formulação de denúncia genérica e, por via de consequência, para reprovável responsabilidade penal objetiva (RHC 70.395, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 6.10.16).
No mesmo sentido:
Hipótese em que o Parquet estadual, ao aditar a denúncia e trazer os recorrentes para o polo passivo da ação penal originária, nem sequer mencionou que eles seriam detentores de poderes gerenciais da empresa causadora do dano ambiental. Além disso, o simples fato de os acusados serem sócios ou administradores da pessoa jurídica acusada não pode automaticamente levar à imputação de delitos, sob pena de restar configurada a responsabilidade penal objetiva (RHC 50.470, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 17.9.15).
Ainda:
Mera condição de sócio da pessoa jurídica não é suficiente, por si só, para desencadear a persecutio criminis, se não demonstrado um mínimo de indício de que tenha, ativa e diretamente, participado das ações delituosas (autoria) (RHC 33.432, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, j. 18.6.14).
Por fim:
No caso, olvidou-se o órgão acusatório de narrar qual conduta voluntária praticada pelos recorrentes teria dado ensejo à poluição noticiada, limitando-se a apontar que seriam os autores do delito simplesmente por se tratarem de sócios da sociedade empresária em questão, circunstância que, de fato, impede o exercício de suas defesas em juízo na amplitude que lhes é garantida pela Carta Magna (RHC 30.821, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.8.13).
Assim, uma vez que a denúncia não descreve, no que diz respeito ao Paciente, qual seria a participação dele no delito, sua inépcia deve ser reconhecida e ela deve ser rejeitada ( CPP, art. 395, I).
Ante o exposto, vota-se pela concessão da ordem, a fim de rejeitar a denúncia oferecida na Ação Penal, por ser inepta.