ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REMESSA OFICIAL (ART. 19 DA LEI Nº 4.717/65, POR ANALOGIA). INFRAÇÃO AMBIENTAL. CAUSA DE PEDIR SEM RELAÇÃO COM AS PROVAS PRODUZIDAS. REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDA.
- “Consoante entendimento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça, impõe-se o conhecimento da remessa necessária em ação civil pública, por aplicação analógica do disposto no art. 19 da Lei nº 4.717/65. Precedentes do STJ (REsp nº 1.220.667/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 24.5.2017; REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, DJe 29.5.2009; e REsp nº 1799618/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 21.05.2019, DJe 30.05.2019)” (REO 0007657-50.2009.4.01.3900, Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, TRF1 – 5T, e-DJF1 25/10/2019).
- A ré foi autuada “por receber para fins industriais 33.601.732m3 de madeira em toras sem cobertura de ATPF, conforme ficha de controle mensais e notas fiscais de saída referentes ao mês de abril de 1999 a 15 de maio de 2000″.
- O juízo observou que “o auto de infração resta claro ao demonstrar o cometimento de uma infração ambiental, porém não a que ensejou a propositura da demanda. A causa de pedir remota verificada na inicial não se observa. De outro norte, não é crível participar de atividade ilícita para obter créditos fictícios e não utilizar tais créditos para emitir DOFs para tornar a madeira ilegal em madeira legal. O auto de infração narra conduta que não se amolda à lógica da utilização de créditos fictícios, simplesmente porque a decorrência esperada seria o `esquentamento da madeira que pressupõe a emissão dos documentos pertinentes. Ao se compulsar os demais elementos de prova constantes dos autos também não se comprova a participação da empresa no objeto de apuração da operação Ouro Verde II”.
- O MPF – PRR 1ª Região disse que “a construção lógico-argumentativa da inicial ancora o pedido em suposta fraude sobre o sistema de controle da autarquia federal, conforme indicado às fls. 24, 38 e 42 – `crédito inserido eletronicamente de maneira fraudulenta serviu para esquentar desmatamento ilegal de madeira em todo o Estado do Pará -, sem vincular de forma direta a infração autuada com o modus operandi da comercialização de créditos fictícios de madeira. Dessa maneira, não há o que se reparar na sentença que reconheceu a falta de pertinência da inicial com as provas postas em juízo”.
- A causa de pedir (recebimento de madeira sem Autorização de Transporte de Produto Florestal – ATPF) não guarda relação com as provas produzidas (inserção de dados falsos no sistema de controle do Documento de Origem Florestal – DOF). 6. Negado provimento à remessa oficial.
(TRF-1 – REO: 00117534520084013900, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 13/07/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 14/07/2020)
RELATÓRIO
A menção às folhas/páginas, nesta minuta, refere-se à rolagem única, ordem crescente.
Trata-se de remessa oficial de sentença, fls. 1241-1246, em que julgados “improcedentes os pedidos (art. 487, I, do CPC/2015)”.
O MPF (PRR – 1ª Região) opinou pelo não provimento da remessa oficial.
É o relatório.
VOTO
Está assim fundamentada a sentença:
2. FUNDAMENTAÇÃO
De início, decreto a revelia da ré Inês Mota Coelho, vez que devidamente citada não apresentou contestação. Todavia, não é o caso de se aplicar o efeito material do instituto, mormente por se tratar de litisconsórcio unitário.
Não deve prosperar a alegação de inépcia da inicial. Em que pese a peça vestibular ser por demais genérica, da contestação apresentada abstrai-se que a parte requerida conseguir extrair o teor das acusações, inclusive se defendendo de forma satisfatória, demonstrando pleno conhecimento daquilo que lhe era imputado.
Para além disso, é cediço que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, elevado à categoria de direito fundamental pela Constituição Federal em seu art. 225, tem, como um de seus instrumentos de garantia de efetividade, a disposição inserta em seu § 3º, no sentido de que “As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Significa dizer, portanto, que a par das consequências de cunho sancionatório decorrentes de conduta lesiva, deverá o infrator arcar ainda com os ônus de reparar os agravos causados ao meio ambiente, como forma de mitigar ou compensar os reflexos negativos de seu ato junto à coletividade, titular maior do direito consagrado no artigo 225 da CF/88.
Trata-se, aqui, do instituto da responsabilidade civil ambiental, o qual, em decorrência da relevância do bem tutelado, recebeu por parte do legislador infraconstitucional tratamento bem mais rigoroso do que o dispensado às responsabilidades civil e administrativa, positivando-se na modalidade objetiva, a qual sequer admite a discussão acerca da existência de culpa.
Destarte, dispõe o § 1º do art. 4º da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), que:
“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
A doutrina pátria, por seu turno, em análise acurada do citado dispositivo, houve por bem identificar cinco consequências da adoção da responsabilidade objetiva no campo ambiental, destacando-se:
“…a) a irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, mo nexo de causalidade, alguém tenha participado, e, tendo participado, de alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas de responsabilidade objetiva); c) inversão do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo causal (…).” (Sérgio Ferraz citado por José Afonso da Silva, na obra Direito Ambiental Constitucional, 6ª ed., Malheiros, 2007, p. 315., grifado no original)
Observa-se, portanto, que a configuração da responsabilidade civil ambiental terá como pressupostos a existência de uma conduta, lícita ou ilícita, o nexo causal e, por fim, o dano, sendo despicienda qualquer discussão da existência de culpa do agente.
Todavia, impende ressaltar, como dito, que não se prescinde do próprio dano e do nexo causal entre este e a ação ou omissão de quem o cause.
Assim sendo, é imperiosa a caracterização da lesão a um determinado bem jurídico que, segundo a melhor doutrina nacional, pode ter conteúdo econômico, configurando o denominado dano material, bem como configurar violação a direito de personalidade, gerando o chamado dano moral.
Feitas as premissas básicas, passo ao mérito.
Depreende-se que o autor demanda contra infrator ambiental.
A peça exordial foi dividida da seguinte forma: 1) Da contextualização do papel ministerial; 2) Dos grandes infratores do Estado; 3) Do Direito; 3.1) Das normas jurídicas que regem a matéria; “2.2)” Da ação civil pública; 3.2) Da legitimidade do MPF, do IBAMA, da empresa e dos sócios; 3.3) Da competência da justiça federal de Belém para o julgamento da demanda; 3.4) Da admissibilidade da demanda; 3.5) da possibilidade de se responsabilizar o infrator na esfera cível; 3.6) Da responsabilidade civil objetiva; 3.7) Do procedimento sumário; 4) Da condenação: Reparação in natura, indenização pelos danos material e pelo dano moral coletivo; 5) Do embargo às atividades do demandado; 6) do pedido liminar) 7) Do pedido final. Os temas estão divididos em 88 folhas.
Conquanto bem delineados os pedidos, a causa de pedir se torna de difícil entendimento, principalmente a causa de pedir remota, diante da generalidade da petição.
É certo que em determinadas passagens (fls. 24 e 42), vislumbra-se que o ilícito decorreu da fraude descortinada a partir da operação Ouro Verde II. Tal fraude, conforme já exposto acima, ocorreu através da inserção de créditos fictícios para determinadas empresas, o que possibilitava emitir documentos de origem florestal – DOF e comercializar madeira de origem ilícita, em empreitada criminosa que se chamava vulgarmente ‘esquentar madeira’.
Pois bem. A empresa requerida MADEIREIRA PÉROLA DO PARÁ LTDA foi autuada pelo seguinte motivo (fl. 27):
Por receber para fins industriais 33.601.732m3 de madeiras em toras sem cobertura de ATPF, conforme ficha de controle mensais e notas fiscais de saída referentes ao mês de abril de 1999 à 15 de maio de 2000.
Ora, o auto de infração resta claro ao demonstrar o cometimento de uma infração ambiental, porém não a que ensejou a propositura da demanda. A causa de pedir remota verificada na inicial não se observa.
De outro norte, não é crível participar de atividade ilícita para obter créditos fictícios e não utilizar tais créditos para emitir DOF’s para tornar a madeira ilegal em madeira legal.
O auto de infração narra conduta que não se amolda à lógica da utilização de créditos fictícios, simplesmente porque a decorrência esperada seria o ‘esquentamento da madeira’ que pressupõe a emissão dos documentos pertinentes.
Ao se compulsar os demais elementos de prova constantes dos autos também não se comprova a participação da empresa no objeto de apuração da operação Ouro Verde II.
Nessa senda, o caso requer a aplicação do princípio dispositivo, mantido pelo novo código de processo civil em seu art. 1411 (art. 128 do CPC/73).
Assim, torna-se imperioso reconhecer que não há elementos nos autos para reconhecer a pertinência da inicial com as provas postas em juízo.
É dizer: em que pese haver o dano calcado no AI 336379-D, o mesmo não pertine aos fatos narrados na inicial. De toda sorte, diante da imprescritibilidade da reparação do dano ambiental, outra demanda poderá ensejar a reparação cível com base no referido auto de infração.
3. DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos (art. 487, I, do CPC/2015).
Traslade-se cópia desta sentença para a ação cautelar nº 2008.39.00.010653-9.
Sem honorários advocatícios, os quais somente são cabíveis na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do parquet, o que não se verifica na hipótese. Nesse sentido é a jurisprudência pacífica do STJ ( AgRg no REsp 887631/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.6.2010; REsp 764.278/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 28.5.2008; REsp 896.679/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 12.5.2008; REsp 419.110/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJde 27.11.2007; AgRg no Ag 542.821/MT, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 6.12.2006); Inf. Nº 0478 do STJ.
“Consoante entendimento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça, impõe-se o conhecimento da remessa necessária em ação civil pública, por aplicação analógica do disposto no art. 19 da Lei nº 4.717/65. Precedentes do STJ (REsp nº 1.220.667/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 24.5.2017; REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, DJe 29.5.2009; e REsp nº 1799618/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 21.05.2019, DJe 30.05.2019)” (REO 0007657-50.2009.4.01.3900, Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, TRF1 – 5T, e-DJF1 25/10/2019).
A ré foi autuada “por receber para fins industriais 33.601.732m3 de madeiras em toras sem cobertura de ATPF, conforme ficha de controle mensais e notas fiscais de saída referentes ao mês de abril de 1999 a 15 de maio de 2000”.
O juízo observou que “o auto de infração resta claro ao demonstrar o cometimento de uma infração ambiental, porém não a que ensejou a propositura da demanda. A causa de pedir remota verificada na inicial não se observa.
De outro norte, não é crível participar de atividade ilícita para obter créditos fictícios e não utilizar tais créditos para emitir DOF’s para tornar a madeira ilegal em madeira legal.
O auto de infração narra conduta que não se amolda à lógica da utilização de créditos fictícios, simplesmente porque a decorrência esperada seria o ‘esquentamento da madeira’ que pressupõe a emissão dos documentos pertinentes.
Ao se compulsar os demais elementos de prova constantes dos autos também não se comprova a participação da empresa no objeto de apuração da operação Ouro Verde II”.
O MPF – PRR 1ª Região disse que “a construção lógico-argumentativa da inicial ancora o pedido em suposta fraude sobre o sistema de controle da autarquia federal, conforme indicado às fls. 24, 38 e 42 — ‘crédito inserido eletronicamente de maneira fraudulenta serviu para esquentar desmatamento ilegal de madeira em todo o Estado do Pará’ -, sem vincular de forma direta a infração autuada com o modus operandi da comercialização de créditos fictícios de madeira. Dessa maneira, não há o que se reparar na sentença que reconheceu a falta de pertinência da inicial com as provas postas em juízo”.
Como se vê, a causa de pedir (recebimento de madeira sem Autorização de Transporte de Produto Florestal – ATPF) não guarda relação com as provas produzidas (inserção de dados falsos no sistema de controle do Documento de Origem Florestal – DOF).
Com tais razões, nego provimento à remessa oficial.
É como voto.