PENAL. PENA DE MULTA. PRESCRIÇÃO. CRIME AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. Conforme autoriza o art. 79 da Lei de Crimes Ambientais, incide subsidiariamente, na falta de previsão específica, o disposto no art. 114, I, do Código Penal, segundo o qual “a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada”;
2. Transcorrido o lapso prescricional superior a dois anos, contados entre a data do recebimento da denúncia e a publicação do édito condenatório, verifica-se a extinção da punibilidade estatal quanto aos crimes imputados à pessoa jurídica recorrente;
3. Prescrição reconhecida. Prejudicado o exame do apelo. (TRF-4 – ACR: 50010011820134047214 SC 5001001-18.2013.4.04.7214, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 09/07/2019, SÉTIMA TURMA)
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia, pela prática, em tese, dos delitos previstos nos artigos 38 e 55 da Lei n. 9.605/98. A denúncia assim narrou os fatos (evento 1, DENUNCIA1):
I – A sociedade empresarial tem como administradora e sócia majoritária, sendo que na última alteração do contrato social aparece como administradora da sociedade (fl. 32).
Do crime de executar lavra em desacordo com a licença obtida:
II – Aos 09/07/2009, em Canoinhas, obteve a Licença Ambiental de Operação LAO nº. 162/2009 da Fundação do Meio Ambiente – FATMA, com prazo de validade de 48 (quarenta e oito) meses para a atividade de Lavra de Areia a céu aberto, em leito de rio, por Dragagem na área do Leito do Rio Negro (fl. 28).
Nessa licença foram estipuladas restrições, são elas:
As contidas no processo de Licenciamento Ambiental e na Legislação Ambiental vigente.
Esta licença não autoriza o corte ou supressão da floresta ou qualquer outra forma de vegetação da Mata Atlântica nos limites do título. (grifo nosso).
Ocorre que, aos 12/02/2012, a empresa, ao executar a lavra de areia no Rio Negro, destruiu vegetação natural, sendo que, de acordo com o Laudo de Vistoria nº. 10/2012” (fls. 09/11), “a área danificada totalizou 0,7762 há, configurando dano ambiental na APP do Rio Negro, divisa entre os Estados de Santa Catarina e Paraná”.
Consta nesse laudo a seguinte descrição do dano ambiental:
No local, apontado pelas coordenadas UTM 22J 552680/121713 (WGS84), foi encontrada um depósito de areia e o equipamento de beneficiamento da mesma.
Verificou-se que o depósito e o beneficiamento da areia estão inseridos em APP do Rio Negro, que está estabelecida em 100 metros conforme a Lei 4.771/65 (Código Florestal), haja vista a largura do mesmo ser de aproximadamente 70 metros.
A vegetação degradada está em área de preservação permanente, pois está em faixa marginal situada a menos de 100 (cem) metros desde a borda da calha do leito regular do Rio Negro onde este curso d’água mede entre 50 (cinquenta) e 200 (duzentos) metros de largura, nos termos do art. 4º., I, c, da Lei nº. 12.651/2012.
Assim agindo, realizaram lavra em desacordo com a licença ambiental obtida, crime previsto no art. 55 da Lei nº. 9.605/98, e destruíram área de preservação permanente crime previsto no art. 38 da Lei nº. 9.605/98.
A denúncia foi recebida em 19/07/2013 (evento 3, DESPADEC1), em relação à ré (arts. 38 e 55 da Lei 9.605/98) e no tocante à acusada (art. 38 da Lei 9.605/98), com proposta de suspensão condicional do processo. Foi oferecida transação penal à autora do fato, em relação ao crime do art. 55 da Lei 9.605/98.
A ré aceitou a proposta de transação penal, em relação ao crime do art. 55 da Lei 9.605/98, e a suspensão do processo, no tocante ao delito do art. 38 da Lei 9.605/98 (evento 16), razão pela qual foi determinada a cisão do processo, que originou a ação penal 5001830-62.2014. 4.04. 7214 (evento 25).
Instruído o feito, sobreveio sentença (evento 199, SENT1), publicada em 15/07/2016, a qual, julgando procedente a denúncia, foi exarada no sentido de:
9. condenar a ré,à sanção prevista no artigo 38 da Lei 9.605/98, que após a devida individualização resultou na pena de multa de seis salários mínimos, vigente na data do fato, atualizado monetariamente desde então, nos termos dos arts. 6º e 18, ambos da Lei 9.605/98, c/c os arts. 49 e 60, ambos do Código Penal.
10. condenar a ré,à sanção prevista no artigo 55 da Lei 9.605/98, que após a devida individualização resultou na pena de multa de três salários mínimos, vigente na data do fato, atualizado monetariamente desde então, nos termos dos arts. 6º e 18, ambos da Lei 9.605/98, c/c os arts. 49 e 60, ambos do Código Penal.
A defesa da pessoa jurídica interpôs recurso de apelação. Em suas razões (evento 205, RAZAPELA1) alega, em síntese, que a ré deve ser absolvida das imputações descritas na denúncia, uma vez que obteve a licença ambiental de operação para a atividade de lavra de areia a céu aberto em leito de rio, por drenagem da área do leito do Rio Negro e que a suposta área devastada trata-se de campo alagadiço, onde não existe qualquer vegetação arbórea.
Sustentou que anteriormente a área era explorada pela Prefeitura Municipal de Canoinhas, bem como por outras pessoas, de forma que não poderia ser responsabilizada pela suposta destruição da vegetação natural.
Quanto ao delito relativo à lavra de areia, afirma que o depósito e o beneficiamento da areia, estava sim, de acordo com a Licença fornecida, sendo realizado a uma distância de 100 metros do rio.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 213, CONTRAZAP1).
A Procuradoria Regional da República desta 4ª Região ofereceu parecer opinando pelo desprovimento do recurso (evento 4, PARECER1).
É o relatório.
VOTO
A pretensão punitiva estatal encontra-se fulminada pela prescrição.
Conforme relatado, foi denunciada por infração ao art. 38 e art. 55, ambos da Lei 9.605/98 (DENUNCIA1 – evento 1).
Como cediço, quando do concurso de crimes, a prescrição deve ser analisada individualmente para cada delito (artigo 119 CP).
À pessoa jurídica são cominadas, unicamente, as penas previstas no seguinte dispositivo da Lei n. 9.605/98:
Art. 21. As penas aplicáveis isoladas, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I – multa;
II – restritivas de direitos;
III – prestação de serviços à comunidade.
Conforme relatado, a pessoa jurídica restou condenada a duas penas de multa, nos valores de três e de seis salários mínimos.
O prazo prescricional correspondente a tais penas é de 2 (dois) anos, conforme previsto no artigo 114, inciso I, do Código Penal, subsidiariamente aplicável à hipótese, conforme dispõe o artigo 79 da Lei n. 9.605/98, cujo teor é o seguinte: “Art. 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.”.
A norma do Código Penal antes referida tem o seguinte teor:
Art. 114 – A prescrição da pena de multa ocorrerá: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
I – em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
II – no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
A respeito do tema, invoco os julgados do STJ e desta Corte:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS REJEITADOS. DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ART. 114, INCISO I, DO CP. LAPSO PRESCRICIONAL VERIFICADO.1. Os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição eventualmente existentes no julgado. No caso, não se verificam tais hipóteses.2. Observando-se o que estabelece o art. 79 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê a aplicação subsidiária do Código Penal, e sendo certo que a ação penal de que trata esse recurso responsabilizou apenas a pessoa jurídica ora Recorrente pela prática de crime ambiental, condenando-a à pena de prestação de serviços à comunidade, consistente na contribuição, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), à entidade ambiental legalmente credenciada (fls. 156/175), incide subsidiariamente, na falta de previsão específica, o disposto no art. 114, I, do Código Penal, segundo o qual “a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada.” 3. Isso porque a multa, assim como a prestação de serviços à comunidade são penas não privativas de liberdade, o que justificaria a aplicação do mesmo prazo prescricional excepcionalmente nessa hipótese.4. Transcorrido o lapso prescricional superior a dois anos, contados entre a data do recebimento da denúncia 24/6/2002 (fl. 84) e a publicação do édito condenatório 03/6/2008 (fl. 155), verifica-se a extinção da punibilidade estatal quanto ao crime imputado ao Recorrente.5. Embargos de declaração rejeitados. Declarada, de ofício, a extinção da punibilidade estatal, em face da prescrição da pretensão punitiva.( EDcl no AgRg no REsp 1230099/AM, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 27/08/2013)
PENAL. PROCESSO PENAL. AMBIENTAL. ARTIGO 40, § 2º, DA LEI 9.605/98. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. COMPROVADOS. CONFISSÃO. RECONHECIDA. HONORÁRIOS DE DATIVO.
1. Observando-se o que estabelece o art. 79 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê a aplicação subsidiária do Código Penal, e sendo certo que a ação penal de que trata esse recurso responsabilizou a pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, condenando-a à pena de multa, incide subsidiariamente, na falta de previsão específica, o disposto no art. 114, I, do Código Penal, segundo o qual “a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada.”;
2. O último marco interruptivo da prescrição no caso concreto ocorreu em 29/10/2015 – data de publicação da sentença condenatória. Ausente recurso da acusação, caracterizada a prescrição retroativa no caso em tela, razão pela qual extinta a punibilidade do primeiro réu;
3. Presentes materialidade, autoria e dolo e ausentes questões que excluam ilicitude ou culpabilidade, deve ser mantida a condenação do segundo réu pela prática do delito previsto no artigo 40, § 2º, da Lei nº 9.605/98;
4. A confissão foi considerada para fins de condenação do réu, o que faz incidir o disposto no enunciado da Súmula 545 do STJ: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.”.
5. O arbitramento e pagamento dos honorários advocatícios do defensor dativo competem ao Juízo de origem, após o trânsito em julgado, consoante disposições do artigo 425, § 4º, combinado com o artigo 429 da Consolidação Normativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região (Provimento nº 62, de 13/06/2017) e art. 27 da Resolução nº 305/2014 do Conselho da Justiça Federal.( ACR 0000389-46.2009.4.04.7202, Rel. Des. federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, SÉTIMA TURMA, julgado em 06/11/2018)
A denúncia foi recebida em 19/07/2013 (evento 3, DESPADEC1).
Entre a referida data e a data da prolação da sentença condenatória (evento 199), em 15/07/2016, transcorreu lapso temporal superior a 2 (dois) anos.
Impõe-se, portanto, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, pelas penas aplicadas, em relação à pessoa jurídica antes referida.
Ante o exposto, voto por declarar, de ofício, extinta a punibilidade de Comércio e Extração de Areia, em face do advento da prescrição, com fundamento no artigo 114, I, c/c artigo 107, IV, artigo 110, § 1º, todos do Código Penal, e artigo 79 da Lei nº 9.605/98, restando prejudicado o exame do apelo.